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Balanços Públicos e Planejamento Estratégico – O caso da PMSP

manaus João Alberto Manaus Correa

A RELEVÂNCIA DO TEMA

Mencionar Planejamento Público sem mencionar LDO e PPA, seria como erguer edifício em cima de fumaça. Tratar o Orçamento e a Execução Orçamentária como peças que se esgotam em si mesmo esquecendo os balanços, seria no mínimo um exercício de cegueira, para planejadores públicos.

Voltar uma visão para a execução orçamentária contida nos balanços, com olhos de planejador, foi o desafio que nos propusemos com o objetivo de começar a buscar indícios concretos do comportamento das contas e sua utilização como instrumentos e ferramentas de planejamento. Haveria alguma lógica embutida nos números dos balanços, que nos pudessem,  ainda que a revelia de mandatos, nos dizer algo? Que lições se escondem nos balanços públicos, obrigação legal e peça de uso limitado ou nulo quando de planejamento se trata.

Tomamos como exemplo o caso da PMSP (Prefeitura do Município de São Paulo), da qual guardo boas recordações profissionais como planejador e onde iniciamos as primeiras indagações sobre os números apresentados pelos balanços e cuja resposta poderia dar alguma luz sobre o comportamento do órgão de forma global e independente de mandatos ou de visões de curto prazo.

Foi de valia termos no passado desenvolvido e aplicado um tratamento estatístico buscando quantificar eventuais relações causais entre gastos e a população.

Algumas destas indagações foram mantidas no presente e nos permitem apreciar de forma holística a Prefeitura e seu comportamento em face de investimentos e despesas correntes.

Indagamos:

  1. Investimento gera despesa corrente que se incorpora de forma permanente aos custos anuais?
  2. Existe relação entre gastos de investimento e de despesas correntes com a população?;
  3. Se existe pode ser quantificada?;
  4. Como se comportam ao longo do tempo?
  5. A LRF influenciou esta relação?

Fonte de dados:
Secretaria das Finanças do Município de São Paulo – Período 1994 a 2003
Sistema de Execução Orçamentária  da PMSP NOVOSEO –Período 2004 a 2011

 

INVESTIMENTO GERA DESPESA CORRENTE QUE SE INCORPORA DE FORMA PERMANENTE AOS CUSTOS ANUAIS?

São as despesas correntes anuais as principais responsáveis  pelo estreitamento da capacidade de investimentos do setor público, mas seu ataque demanda muita competência pela força inercial que a mesma tem demonstrado ao longo dos anos.

Os recursos para projetos e obras dependem desta margem. A preocupação com  o crescimento das despesas correntes (pessoal, manutenção e operação) dos Estados e Municípios, principalmente em último ano de mandato, fomentou a edição da Lei Complementar nº 101, de 4/5/2000, conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal.

Trazemos à luz algumas constatações no sentido de tentar medir as causas mais significativas da evolução das despesas correntes do Setor Público, tomando como exemplo a Prefeitura da Cidade de São Paulo.

Nos trabalhos citados nas referências  bibliográficas ao final, foi analisado o comportamento destas despesas e obtidos alguns parâmetros conceituais pouco abordados na Contabilidade Pública tradicional.

Em trabalhos publicados em 1979 e 1982, respectivamente, abrangendo dados de dez balanços no período 1968 a 1977, foi estabelecido de forma estatística que investimento causava aumento da despesa corrente anual  e estava na ordem de 15 centavos de incorporação nas  despesas correntes anuais para cada Real investido pela PMSP.

EXISTE RELAÇÃO ENTRE GASTOS DE INVESTIMENTO E DE DESPESAS CORRENTES COM A POPULAÇÃO?

Estabeleceu-se também que estas despesas,  tanto de investimento quanto correntes, eram função, no caso Municipal, da poderosa variável da população. Ou seja, quem justificava estatisticamente o crescimento do custeio era o investimento. Investimento explicado por uma  variável mais potente ainda, ou seja,  a  POPULAÇÃO.

Ao longo dos dez anos analisados ficou demonstrado que as funções de governo  mais importantes como  geradoras de despesas correntes eram:  serviços urbanos, educação e saúde.

Uma das principais conclusões des­ta pesquisa de índices técnicos foi que não existe significação na afirmativa de que o valor de custeio anual, ou mesmo a alteração desse valor em relação a exercício passado, seja função de investimentos realizados neste exercício ou em exercícios anteriores.

A QUANTIFICAÇÃO COM BASE NA FORMAÇÃO E MANUTENÇÃO DO PATRIMÔNIO

A li­gação de custeio com investimento só alcançou significado quando se agregou o conceito de manutenção do patrimônio, ou seja, o custeio seria função do patrimônio (bens) de uso público, especiais ou dominiciais, a serem mantidos e operados.

Este conceito foi aproximado pelo valor do investimen­to acumulado, independentemente do período em que foi feito. Além disso, só o fato de lidar com esses valores ele­vou o nível de explicação do custeio pelo investimento para patamares bas­tante altos, permitindo o estabeleci­mento de uma relação bem definida entre as duas variáveis, considerados os dados disponíveis.

Outro índice elevado de explica­ção do custeio foi revelado pela variá­vel população, com uma explícita liga­ção entre o número de habitantes e o custeio anual.

Esta suposição levou a estudar a re­lação entre investimento acumulado e população, através da análise de regres­são. O ajuste linear estabeleceu-se com elevado ‘grau de correlação, evidenciando que o município manteve regularidade em sua destinação de recursos para investimento, computadas aí as operações , de crédito.

AS CONCLUSÕES AINDA VALEM

Neste trabalho tomamos para estudo o período entre 1994 e 2010 apresentamos os novos números da PMSP agora abordando as despesas correntes como um todo  e podemos adiantar que os parâmetros que comprovam a dependência estatística das despesas correntes anuais, da variável investimento acumulado e da população, continuam elevados.

QUADRO 1 – AUMENTO DA DESPESA CORRENTE ANUAL POR UNIDADE DE INVESTIMENTO

 RESUMO DE RESULTADOS EM QUATRO PERÍODOS

1968-1977
1994-2009
1994-1999
2001-2010
POR UNIDADE DE INVESTIMENTO
(REAIS OU DÓLARES)
0.15
0.17
0.21
0.30
CORRELAÇÃO   R
0.98
0.90
0.90
0.95
ADERÊNCIA/DETERMINAÇÃO  R²
0.95
0.81
0.82
0.91

 

A primeira constatação feita foi que para períodos de dados mais longos (De 1968 a 1977 e 1994-2009), a evolução foi de 15 centavos por unidade investida para 17 centavos.

No entanto os números do antes e do depois da LRF, ficaram maiores e preocupantes ( 0,21 e 0,30 respectivamente).

No caso de população no período 1994 a 2009 o total de gastos por habitante adicional em despesas correntes alcançou  aproximadamente R$6.200,00 ou US$3,500,00 (BASE JANEIRO 2010).

  PERÍODO 1994-2010
BASE JAN 2010
DESPESA CORRENTE X  POPULAÇÃO
CORRELAÇÃO
0.849
 
DESPESA POR HABITANTE A MAIS
EM R$ 
6871,50
EM US$ 
3817,50

Cabe aqui, chamar a atenção para um aspecto conceitual importante. Se dividirmos a Despesa Corrente apurada em 2010 pela população, teremos um custo médio por habitante de R$2.209. Já o custo marginal que mostra a tendência de crescimento deste custo, mostra numero bem maior e preocupante ou seja R$6.871, ou seja 3 vezes maior. Este é a tendência do custo do habitante a mais (custo marginal) e não o custo médio da totalidade dos habitantes (custo médio). Ou seja um habitante a mais hoje requer um custo 3 vezes maior do que a media atual de custo.

CUSTO MÉDIO EM 2010
R$ 2.209,91
CUSTO MARGINAL
R$ 6.871,50

 Visão Gráfica da Evolução das despesas da PMSP  1968-1977

fig 1 artigo manaus Balancos PublAfirmação possível: cada dólar investido acresceu 15 cents às despesas anuais de custeio.

Visão Gráfica Da Evolução das despesas da PMSP  1994-1999

ANTES DA LRF

fig 2 artigo manaus Balancos Publ

Afirmação possível: cada dólar ou real  investido antes da LRF acresceu 0,170  cents às despesas correntes anuais.

Visão Gráfica Da Evolução das despesas da PMSP  2001-2009

DEPOIS DA LRF

fig 3 artigo manaus Balancos Publ

 Afirmação possível: cada dólar ou real  investido depois da LRF acresceu 0,3046  às despesas correntes anuais.

Apesar de estarmos lidando com grandezas agregadas e passando ao largo de detalhamentos de contas, as evidencias nos parecem preocupantes e apontando para uma averiguação mais cuidadosa e principalmente um questionamento da política fiscal dos Municípios.

A constituição de 1988 e a LRF introduziram uma penalização aos Municípios?

Esta tendência de incorporação de Despesas é sustentável?

Como lidar e como estão lidando os Municípios com isto?

São algumas das questões que saltam e cuja resposta pode já estar sendo buscada por diversos Municípios e cuja solução já esteja fora da competência Municipal pelo esgotamento da flexibilidade ou elasticidade dos tributos Municipais.

 A Lei de responsabilidade fiscal pode estar contribuindo para uma crise fiscal?

Quando nos referimos à  Responsabilidade Fiscal, temos que considerar não só a Lei Complementar Nº 101,  de  4/5/2000 (LC 101), mas também a Lei n°  10.028 de  19/10/2000.

Ambas as leis focam sua preocupação no equilíbrio fiscal estabelecendo limites, penalidades e restrições para dois itens principais: despesas com pessoal e despesas com endividamento e serviço da dívida.

Este equilíbrio deve ser projetado para dois anos posteriores ao exercício orçamentário.

Quando trata das despesas obrigatórias de caráter continuado, a LC 101 estabelece em seus artigos 16 e 17 as alternativas para enfrentar os aumentos continuados das despesas para reequilibrar o orçamento: aumento permanente da receita ou redução permanente da despesa.

A parte mais importante das despesas correntes são as despesas com pessoal,  que tem tetos fixados em 50%  para a União e 60% para Estados e Municípios, percentuais referidos a receitas correntes líquidas (deduzidas transferências e arrecadações previdenciárias).

Sendo assim,  podemos perceber a intenção de manter,  dentro destes parâmetros, o equilíbrio do orçamento com manutenção ou incremento de uma capacidade de investimento capaz de prover as melhorias demandadas pela população.

Aqui temos que colocar as nossas ponderações com referência ao espírito da Lei,  abrangendo:

Se tanto o crescimento da população como o investimento  induzem ao  aumento de despesas correntes,  é de se esperar que estes limites,  impostos para serem seguidos,  necessitem de aumento real de receitas em velocidade compatível com este crescimento.

A valer a regra dos 30 centavos marginais de crescimento por real investido,  ou 30% do investimento, poderíamos afirmar que, para o caso de um órgão com 20% de capacidade de investimento estaríamos considerando um aumento anual de 6% (0,2x 30%) nas despesas correntes a serem compensadas com ampliação da receita ou contenção de despesas.

Podemos agora ampliar nossa preocupação para outros níveis de governo,  como o estadual e o federal.

As funções de natureza social, como segurança, educação e saúde,  tendem a ficar com o serviço público, o que agrava o cenário das despesas correntes.

A  contenção de gastos correntes sabidamente inelásticos e a busca por recursos externos ficam como alternativas de impacto pouco confiáveis para ampliação e/ou manutenção da capacidade de investimento.

Restam as alternativas de ação referidas a receitas,  cujas evidências podem ser observadas pelo aumento da carga tributária, seja com aumento de alíquotas,  seja com ampliação da base contribuinte, seja com aumento da eficiência da fiscalização ou ainda da transferência de despesas para  a iniciativa privada.

A carga tributária média por habitante nem sempre é referida, havendo preferência de sua comparação com o PIB. Defendo, no caso de serviços públicos, fazer a abordagem pelo tributo médio por habitante, referido a uma qualidade dos serviços.

A renda da população e das empresas está dando sinais de que sua  elasticidade é limitada.

A tendência atual é transferir a despesa e a receita de alguns serviços para a iniciativa privada na tentativa de conter gastos contabilizados no orçamento. Em muitos casos, sem aliviar a contrapartida de arrecadação, elevando o tributo médio por habitante e distorcendo sua contabilização.

A situação, após dez anos de edição da Lei,  demanda atenção para determinar até que ponto a intenção de criar uma  responsabilidade fiscal trouxe resultados e que impactos podem advir da aplicação da Lei sem o aperfeiçoamento da mesma,  com destaque para os  impactos sobre a carga tributária média, principalmente em orçamentos de Prefeituras Municipais bastante carregadas com atribuições constitucionais após 1988.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • CORRÊA, JOÃO ALBERTO – “Análise de Índices Marginais Aplicada a Empresas de Transporte – O caso da Cia. do Metrô de São Paulo” – In: Anais do VII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Ensino em Transportes  – São Paulo, SP – 1993.
  • CORRÊA, JOÃO ALBERTO et Alii – O Custo de Governar In: Cidade – Revista de Ciência e Tecnologia Municipal – Vol. nº 01 – São Paulo –  jan./mar. 1982 – pg.  40-43.
  • CORRÊA, JOÃO ALBERTO – Análises estatísticas da estrutura e evolução dos custos de operação na Administração direta da Prefeitura do Município de São Paulo.  In: Engenharia Municipal nº 77 – São Paulo –   Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos Municipais de   São Paulo – 1979 – pg. 20 a 26.
  • CORRÊA, JOÃO ALBERTO et Alii – Estudo da Relação Produto e Custo Médio por Habitante do Município de São Paulo in: Série Informações e Apoio ao Planejamento 2. Custos de Urbanização.  São Paulo – COGEP – 1978 – pg 127 a 219.
  • Corrêa, João Alberto – “Capacidade de Investimento – Alimento da Engenharia” In: Revista Engenharia – IESP-nº602 – pg. 104 e 105

João Alberto Manaus Corrêa

Consultor

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