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Quanto vale uma vida? Qual o valor da vida?

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Vera Bussinger

Comemorou-se a redução do número de acidentes nas rodovias federais entre o Natal e o Ano Novo. Foram 756 acidentes a menos em comparação ao mesmo período de 2012 obtendo-se decréscimo porcentual de 10%. Em 2012 registrou-se 7.407 acidentes com 420 vítimas fatais contra 6.651 acidentes e 379 mortes decorrentes, em 2013.  Comemoração justificada: 83 vidas foram poupadas em decorrência de medidas preventivas a partir de operação conjunta das polícias federal e estaduais de trânsito na fiscalização e monitoramento das rodovias.

Poupou-se também patrimônio, já que as deseconomias geradas pelos acidentes são tremendas. Estudo do IPEA aponta que os custos desdobrados dos acidentes giram em torno de 40 bilhões de reais por ano (sic!), quando somadas despesas de danos ao patrimônio, hospitalares e previdenciárias decorrentes de lesões permanentes e pela perda do potencial econômico do acidentado.

Somam-se aos custos dos acidentes outros recorrentes gerados pela precariedade das infraestruturas, estradas ruins e mal sinalizadas que, além dos acidentes, consomem grande parte de tempo e energia de condutores e caminhoneiros, oneram o transporte de cargas, prejudicam o abastecimento das cidades e a exportação, aumentando perdas e multiplicando prejuízos.

Também se afirma que os carros vendidos por aqui, que não passam nos padrões de segurança europeus, são verdadeiras armadilhas letais sobre rodas. Todos esses fatores aumentam os riscos, mas a maior razão para o massacre no trânsito é que nós, brasileiros, dirigimos muito mal. Mais de 95% dos desastres viários no país são o resultado de uma combinação de irresponsabilidade e imperícia. O primeiro problema está relacionado à ineficiência do poder público na aplicação das leis e à nossa inclinação cultural para burlar regras. O segundo tem sua origem no foco excessivo em soluções arrecadatórias para o trânsito – multas, essencialmente – e quase nenhuma atenção à formação de motoristas e pedestres” (Revista Veja, Dez.2013).

Com este conjunto desfavorável de fatores, não se pode esperar outros resultados. Há responsabilidade do poder público em fazer com que os investimentos se concretizem e revertam na segurança do cidadão. Há responsabilidade da fiscalização na eficácia do cumprimento da função de modo a educar, coibir e penalizar motoristas, motociclistas, ciclistas  e pedestres quando colocam em risco a vida de outros. E, mais do que axioma, é preciso que a sociedade cobre rigor no exercício da função pública em área de essencial importância.

De igual modo, há responsabilidade das pessoas em relação à coletividade e ao uso do espaço público. Isso remete à forma e condições de como as pessoas conduzem seus veículos pelas vias urbanas e rodovias que, em geral, é semelhante à sua personalidade e ao seu modo de agir em sociedade.

Quem sempre demora pra sair de casa, quer tirar o atraso no trânsito. Esse é o motorista que buzina, arranca bruscamente, não dá passagem a ninguém, constantemente troca de faixa sem sinalizar, querendo aproveitar qualquer espaço da via para ganhar tempo, acuando e obrigando os demais condutores a manobras inesperadas podendo provocar acidentes. Os condutores “estressados”, de comportamento mal humorado, dirigem irritados, desrespeitam as leis e a sinalização, cometem imprudências, falam palavrões, fazem sinais obscenos a homens e mulheres.  São os mais propensos a gerar ou se envolver em conflitos no trânsito e fora dele.

Há os que se comportam como “donos da rua”. Em geral exibicionistas, conduzem veículos diferenciados, demonstram excesso de confiança e, inebriados com a sensação de poder que o veículo transmite, costumam andar em velocidade excessiva, desrespeitando as leis, ignorando o que se passa a sua volta, mas fazendo de tudo para chamar atenção sobre si, até imprudências. Acreditam que acidentes não acontecem com eles. E arriscam a vida e a dos demais. Em linguagem atual, é o “motorista ostentação”.

Ostentação pra valer, exibicionismo, risco desnecessário para si e principalmente para os demais, é o comportamento de determinados motociclistas que, do nada, aparecem em altíssima velocidade em suas motos maravilhosas. Encapados em roupas de couro como se estivessem num “enduro” ou num “rali”, desaparecem da mesma forma que apareceram, deixando um rastro de motoristas estupefatos, tal é a velocidade com que pilotam suas motos. Centrados em si mesmos, fazem das estradas o palco de seu espetáculo particular, em demonstração de desrespeito explícito aos limites de velocidade, sinalização e segurança.

Grande parte dos jovens condutores, particularmente à noite, entra no carro ou sobem na moto pensando em seus compromissos e a forma mais rápida e divertida de chegar a eles. Vão falando e trocando mensagens ao celular. São os mais expostos à ingestão de álcool e drogas, distrações, alta velocidade e outros desafios, tanto na sociedade como no trânsito. Tragicamente é o grupo que mais se acidenta e morre.

Outras atitudes ao volante, como agressividade, desatenção, medo, fadiga, uso contínuo de medicamentos, ousadias nas intempéries, problemas visuais e auditivos, acabam igualmente por colocar em risco a segurança geral, a própria vida e a dos demais. Sem falar das imperícias e imprudências a que quaisquer pessoas estão sujeitas e que ameaçam a vida de pedestres, motoristas, motociclistas e ciclistas.

Ao lado destes, muitos outros negativos exemplos poderiam ser citados. Ao explicitá-los aqui, quer se chamar a atenção para a responsabilidade inerente ao assumir o volante e às necessárias mudanças comportamentais que, se levadas em conta e alterar procedimentos, muito podem contribuir para a redução de acidentes, atropelamentos e mortes. O que se busca é um compromisso verdadeiro e coletivo pela redução de acidentes que se traduza em ações concretas em favor da vida!

Boas práticas ao volante são necessárias, mas não suficientes se o poder público não fizer a sua parte. Incluem-se todos os órgãos responsáveis pelo trânsito como contraparte fundamental para que a redução de acidentes e mortes se torne um compromisso com ações concretas. Imperativo é que governos, agentes públicos encarregados da concessão da habilitação e do planejamento, organização, educação e fiscalização do trânsito nas cidades e rodovias bem apliquem os recursos materiais e financeiros, elevando o grau de rigor e vigilância, que resulte em segurança efetiva e redução do número de acidentes e mortes.

Ainda, parceiros responsáveis nesta empreitada, as montadoras de veículos, podem muito também contribuir para a redução de acidentes através da adoção, em nosso país, dos mesmos padrões veiculares praticados em outros países, como na Europa ou nos Estados Unidos. No Brasil, talvez para baratear os preços, os veículos básicos são comercializados sem diversos complementos e alguns itens de segurança, cobrados à parte, como “opcionais”. Assim como os índices de emissão de partículas são mais elásticos, como se respirar um ar mais carregado não interferisse nos padrões de saúde e bem estar.

Importantíssimo é atentar-se para o fenômeno da “motomania” em nosso país. Com a política de incentivo à compra de veículos através da redução do IPI e da facilitação do crédito como incentivo ao consumo para vencer-se crises econômicas, as cidades brasileiras foram inundadas de carros e motos, gerando uma crise de mobilidade sem precedentes. Em 2012 o total da frota brasileira era de 76.137.191 veículos que seguiu crescendo em 2013. Somente a frota de motos, de 2002 a 2012, cresceu de 4,6 para 16,5 milhões, com aumento de 257%. Atribui-se a este crescimento, além do consumo incentivado, as facilidades de locomoção, a ausência ou baixa qualidade do transporte público, ao rápido deslocamento em meio ao congestionamento e ao custo menos elevado. Adquire-se um carro popular com prestação equivalente ao valor do vale refeição do trabalhador, R$ 300,00 em média. Assim como é possível adquirir uma moto com prestação inferior a R$ 180,00, valor do vale transporte de diversas localidades. Assim, substitui-se a forma de deslocamento e ainda se ganha autonomia! Mas não se avaliou as consequências…

Cresceram, em menor velocidade, os acidentes com automóveis. Mas os acidentes com motos cresceram numa proporção absurda, com aumento de 345%. Elevam-se, em altíssimas taxas, os gastos com internações hospitalares por acidentes de moto, amputações e lesões permanentes. Tal como os jovens condutores, são os motociclistas jovens que mais se acidentam e morrem. Na grande maioria das localidades brasileiras não se usa capacete ou equipamentos de proteção e segurança. É comum transportar-se numa moto famílias inteiras: pai, mãe e mais de um filho. Desfilam nas motos diversos tipos de “cargas”, incluindo-se botijões de gás; proliferam os serviços de mototaxi e entregas. E pasmem: a imensa maioria dos motociclistas não possui habilitação! A tabela abaixo bem ilustra este despautério:

Evolução da taxa de mortes por acidentes com automóveis e motocicletas segundo a população (a cada 100 mil habitantes). Brasil, 2000 a 2010

Fonte: Denatran, MS/SVS/DASIS (elaboração CNM). IBGE/Censos demográficos (1991, 2000 e 2010), contagem populacional (1996) e projeções e estimativas demográficas.

* Transcrita do estudo “Mapeamento das Mortes no Trânsito”, Confederação Nacional dos Municípios, 2013

Esses resultados desastrosos são incoerentes com o (talvez esquecido?!) discurso formulado em 2011 que apregoava o “Pacto Nacional pela Redução dos Acidentes no Trânsito – Pacto pela Vida”, valendo para os 10 anos subsequentes, propondo estabilizar e reduzir o número de mortes e lesões decorrentes de acidentes de transporte em cidades e estradas.  O que se viu, de 2011 a 2013, particularmente com as motos, foi crescimento contínuo e a taxas superiores às registradas anteriormente.

‘Estatísticas’ são observações apresentadas de forma sintética e organizadas de um fenômeno repetitivo. Aqui o fenômeno observado e que se repete é o número de acidentes que vitimam e matam pessoas. Seres humanos únicos, com uma história particular, membros de uma família, cuja trajetória de vida foi interrompida drasticamente. Por trás de cada número há uma pessoa vitimada e que morreu! Para quem perdeu seus entes queridos, a melhoria dos números ao final do ano de 2013 não consola.

Atravessou na faixa de pedestres e o motoqueiro não viu o semáforo fechado. Ultrapassou na rodovia em local proibido. Estava a 120 km na vicinal de mão única e não viu o trator entrar. Parado no ponto do ônibus a corrente solta do caminhão de caçambas atingiu sua cabeça. Com quatro amigos no carro fez ultrapassagem na curva. A moto derrapou na avenida. Era meu pai. Seu filho. Irmã de uma amiga. Tio de um funcionário. Amigo do meu filho.

Algumas declarações chocam. Outras chocam muito mais! Declarações sobre mudanças de comportamento, medidas adotadas e investimentos públicos só poderão se tornar críveis quando, de fato e concretamente, o número de acidentes e mortes for suficiente para reverter estatísticas, comprovando que efetivamente resultaram em decréscimo do número de acidentados, crescimento de vidas poupadas e na redução de perdas materiais, com aumento da segurança e melhoria das condições viárias.

Com crescimento da frota circulante em cidades e estradas, cada vez mais é necessário redobrar os cuidados, dedicar obediência absoluta às leis de trânsito e sinalização, manter o veículo em condições seguras e maior conscientização da responsabilidade ao volante.    Mas, tenha ânimo! Afinal, dirigir não é um fardo! No trânsito pesado, dê passagem, seja cortês! Tenha especial cuidado com pedestres e crianças. Seja paciente com “velhinhos de chapéu” e trate delicadamente as mulheres. Com estas atitudes, quem sabe!, pode-se começar a produzir mudanças.

Vera Bussinger,

Consultora especialista em projetos técnicos e sociais, é presidente do IDELT.

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