Frederico Bussinger
28-12-2016
Pontos-Chaves: 1) Já de algum tempo, velocidades máximas de circulação em ruas, avenidas e estradas deixaram de ser algo apenas técnico, de trânsito e/ou da exclusiva competência/responsabilidade das autoridades públicas. 2) O futuro Prefeito de SP anunciou elevação de velocidades máximas nas Avenidas Marginais paulistanas: retorno àquelas vigentes até o 1º semestre de 2015. 3) O tema tem envolvido debates acalorados. E promete! 4) A medida é paulistana; mas a repercussão deve ser nacional… como também ocorreu quando começou a onda reducionista, há alguns anos. 5) Seria muito bom se avançássemos no sentido de análises mais fundamentadas; de debates mais qualificados; de práticas democráticas mais avançadas: a definição das velocidades máximas no viário de SP pode ser um bom laboratório. |
“Viver é perigoso. Muito perigoso!”
[Guimarães Rosa]
”Viver é perigoso?
Então, com sua licença!
Não tenho medo.
Nasci assim, encantada pela vida…”
[Clarice Lispector]
Analisada de per si, como variável isolada, evidências indicam que há uma correlação, direta, entre velocidade de veículos, número de acidentes e acidentados, e gravidade de danos (humanos e materiais): esses tendem a ser menores quanto menor a velocidade (ao menos na faixa de velocidades usuais)!
Em meio a tantos “conteúdos” opinativos, dois artigos do meticuloso Mario Garcia (01, 02) fornece, didaticamente, uma profusão de dados, correlaciona variáveis, ensaia análises e propõe conclusões que ele, modesta e responsavelmente, caracteriza como ”até certo ponto superficiais”. E sugere um roteiro para que o conhecimento do tema seja aprofundado.
Mas, infelizmente, é pouco provável que esse (rico e sério) material tenha muita utilidade nas discussões que deverão ser re-acesas se e quando entrarem em vigor as novas (velhas) velocidades nas avenidas Marginais paulistanas (plano ”Marginal Segura”); anunciadas pelo futuro Prefeito João Dória. O condicional fica por conta do imponderável; resultante de manifestações/iniciativas/ações do MP, de “especialistas” e de entidades/movimentos que se já se manifestaram contrários ao plano.
A medida é paulistana; mas a repercussão deve ser nacional… como também ocorreu quando começou a recente onda reducionista.
A verdade é que, já de algum tempo, velocidades máximas de circulação em ruas, avenidas e estradas deixaram de ser algo apenas técnico, de trânsito e/ou da exclusiva competência/responsabilidade das autoridades públicas. Elas agora integram o rol das suspeitas de desvios de governantes (“indústria de multas”) e/ou, em muitos casos, uma senha para distinguir o ser social do ser individualista; o moderno do ultrapassado; a esquerda da direita; o bem do mal. Talvez, até, um traço do (sonhado) “homem novo”.
Daí, porque, a expectativa é que todos tenhamos posição a respeito. Daí porque, também, defesas tão enfáticas. Apaixonadas, mesmo.
“Uma vida não tem preço!” é o leitmotiv da redução de velocidades.
Alguma dúvida em relação ao princípio? Alguma divergência? Aliás, é justamente isso que nos ensina Jesus ao propor, em parábola, o cuidado especial com a ovelha que se perdeu (ante as outras 99: Lucas 15: 3-7).
Difícil entender-se, assim, o porquê outras condições/variáveis, que também contribuem para as estatísticas de acidentes e acidentados no trânsito (na circulação, de uma forma mais ampla!), não mereçam discussões tão enfáticas, defesas tão apaixonadas, tanto empenho e espaços na mídia como o que faz jus o tema das velocidades máximas!
Por que, p.ex., a circulação de ambulantes entre veículos e travessia de pedestres nas expressas das Marginais ficam em segundo (3º; 4º…) plano? Por que ainda tantos acidentes envolvendo condutores alcoolizados e drogados? Travessias fora da faixa; com semáforos fechados (veículos e pedestres); ultrapassagens em locais proibidos; ziguezagues; calçadas que impõem circulação de pedestres nas vias; etc; etc; não seriam dignos de maior atenção?
E, principalmente, a possibilidade de circulação de motos (e bicicletas) nos “corredores” entre carros, ônibus e caminhões; nas ruas, avenidas e estradas. Muitas vezes ziguezagueando e em velocidades bem superiores às permitidas (talvez pela dificuldade de serem detectadas).
O Código de Trânsito Brasileiro – CTB, aprovado pelo Congresso Nacional em 1997, até proibiu tal prática; alinhando-se às normas de trânsito da maioria dos países (recente e polêmica experiência na Califórnia – 01, 02 – é uma exceção). O art. 56 dispõe (dispunha?): “É proibida ao condutor de motocicletas, motonetas e ciclomotores a passagem entre veículos de filas adjacentes ou entre a calçada e veículos de fila adjacente a ela“.
Tal dispositivo (entre vários outros), todavia, foi vetado sob a seguinte justificativa: “Ao proibir o condutor de motocicletas e motonetas a passagem entre veículos de filas adjacentes, o dispositivo restringe sobre maneira [sic!] a utilização desse tipo de veículo que, em todo o mundo, é largamente utilizado como forma de garantir maior agilidade de deslocamento. Ademais, a segurança dos motoristas está, em maior escala, relacionada aos quesitos de velocidade, de prudência e de utilização dos equipamentos de segurança obrigatórios, os quais encontram no Código limitações e padrões rígidos para todos os tipos de veículos motorizados. Importante também ressaltar que, pelo disposto no art. 57 do Código, a restrição fica mantida para os ciclomotores, uma vez que, em função de suas limitações de velocidade e de estrutura, poderiam estar expostos a maior risco de acidente nessas situações.” (Mensagem nº 1.056/97).
O que dizer dessa justificativa à luz do “uma vida não tem preço!”? A derrubada do veto não caberia ser priorizado no Programa Brasileiro da “Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2011-2020” da ONU (02)? Por que, neste caso, “especialistas”, entidades/movimentos e imprensa não invocam paradigmas internacionais? Em tempo: a pertinência do veto nunca foi pacificada (01, 02).
Certamente pode-se antever uma tenaz oposição dos proprietários/condutores das, hoje, 24,7 milhões (SET/2016) de motos do País (eram 9,4 milhões em 2006: crescimento de 163% em uma década!). Particularmente dos motofretistas; atualmente imprescindíveis para o funcionamento da economia e da vida das metrópoles. Seria por tal conveniência que, apesar da importância, esse tema é legado a plano secundário (mesmo entre “especialistas” e dirigentes de entidades/movimentos)?
De qualquer forma, fica aqui como mais uma sugestão para os sinceros; para aqueles que não desejam apenas acompanhar a moda, fazer um discurso “politicamente correto”, e/ou “estar-bem-na-foto”. Também para a Comissão da ANTP que estuda/sistematiza propostas para alterações do CTB.
Entretanto, como é certo que o debate inevitavelmente prosseguirá, quatro outras observações/sugestões:)
1) “Aumentar a velocidade traz riscos?” (ou alguma variação deste enunciado) é uma pergunta frequente da imprensa.
- O pressuposto (equivocado!) é que há um ambiente, um mundo, um cenário onde existe risco; e outro não.
- Seria muito importante que “especialistas”, quando entrevistados, começassem por esclarecer (algo que raramente acontece!) que riscos já existem. Sempre existem! Inexoravelmente existem!
- A discussão é, pois, apenas de grau: se uma dada decisão aumenta o risco, ou o diminui (ao invés de “trazer”, ou “criar” o risco).
- Aliás, seria bom que jornalistas também se apropriassem desse conceito; aplicável não apenas ao trânsito urbano. Quando mais não fosse, para ajudar a calibrar expectativas (variável também importante dos processos decisórios e das políticas públicas).
2) Na verdade, entenderíamos melhor o fenômeno, e as medidas/ações provavelmente seriam mais eficazes, se acidentes de trânsito fossem tratados/analisados probabilisticamente (e não deterministicamente; como normalmente o fazem os opinativos!).
- A propósito, Leonard Mlodinow trata saborosamente do tema em “O andar do bêbado: como o acaso determina nossas vidas” (01, 02, 03, 04): apesar do estranho título, um best-seller muito sério!
3) Há poucos dias, numa entrevista em uma das principais emissoras da Capital, um dirigente de importante entidade militante no setor (obviamente atacando o “Marginal Segura”!) disse algo mais ou menos assim: “Mas ele (o prefeito) só está aumentando a velocidade por ser um compromisso de campanha!”.
- Muito possivelmente não é voz isolada!
- Por isso não pode/deve passar despercebido: nossa democracia é tão incipiente, quer-se que nossas eleições sejam tão desmoralizadas, que uma tal manifestação é verbalizada e ouvida como se fosse algo muito natural. Na prática, e independentemente do mérito, corroborando os (tão criticados) “estelionatos eleitorais”.
- Evidentemente que governantes podem mudar de posição (aliás a imprensa reporta que Dória já o fez diversas vezes): política é feita no dia a dia; não apenas nos processos eleitorais. Por isso ajuda pouco à consolidação de nossas instituições a desqualificação de compromissos eleitorais!
- E ainda vale lembrar: esse foi um compromisso explícito. De uma campanha vitoriosa. E em 1º turno.
- Assim, ainda que de outros tempos e em outro contexto, caberia parodiar o motorista-Eriberto (que impulsionou o impeachment de Collor – 1992) em sua (demolidora) resposta ao (“tropa-de-choque”) Roberto Jefferson; quando procurou desqualificar suas motivações: “Ué; o senhor acha isso pouco?”; silenciou o plenário da Comissão o direto Eriberto!
4) Last, but not least: as autoridades e a engenharia de trânsito são cobradas (por nós todos; incluindo “especialistas”, dirigentes de entidades/movimentos e imprensa!) também por fluidez.
- Encontrar soluções de compromisso, entre segurança e fluidez, é sua (difícil!) missão.
- Ou se está cogitando de velocidades máximas ZERO na expectativa que, assim, acidentes e acidentados sejam também zerados?
Seria muito bom se avançássemos no sentido de análises mais fundamentadas; de debates mais qualificados; de práticas democráticas mais avançadas: a definição das velocidades máximas no viário de SP (e em outras cidades brasileira, que possivelmente também ocorrerá) pode ser um bom laboratório.