Pontos-Chave:
- MPF quer diminuir largura do canal de acesso do Porto de Santos – e leva o caso à justiça.
- Ué! O impacto sobre as praias santistas não foi avaliado quando do projeto de alargamento do canal? Nem quando do seu licenciamento ambiental?
- Tal possibilidade chega a ser vista como “catastrófica”; podendo o Porto de Santos se tornar “irrelevante”:
- Um problema/solução para engenharia ou direito/justiça?
“Alguma coisa está fora de ordem,
Fora da nova ordem mundial…”
[“Fora da Ordem”- Caetano Veloso]
“O Ministério Público Federal (MPF) em Santos quer diminuir a largura do canal de navegação do porto em 50 metros para reduzir o que considera danos ambientais da obra. Segundo o órgão, o alargamento do canal de 170 para 220 metros, iniciado em 2010 e mantido via obras de manutenção, causou erosão nas praias de Santos e diminuiu a faixa de areia”, informa reportagem do VALOR e de outros veículos (01, 02). E detalha: “Segundo o procurador da República Antônio Daloia, 40% dos cinco quilômetros de extensão da orla santista foram afetados”.
Três notícias preocupantes de uma única vez:
1º: A erosão, evidentemente, deve ser contida e corrigida; quer seja causada pelo alargamento do canal e pela dragagem, ou não (questão sobre a qual também há polêmica).
2º: A redução do já estreito canal de acesso, para o maior porto brasileiro, tem implicações ainda imprevisíveis. O presidente do recém-inaugurado Brasil Terminal Portuário – BTP, Antonio Passaro, vê como “catastrófica” tal possibilidade; antevendo, mesmo, que “Santos tenderia a se tornar um porto irrelevante”: “Hoje o porto consegue atender navios com até 336 metros de extensão… todos os meus clientes têm navios de 300 metros ou mais. E a próxima geração é de navios de 366 metros”, são os dados para justificar seu vaticínio.
3º: A judicialização da questão que, nessa quarta-feira, 19, já teve uma audiência de conciliação na 3ª Vara da Justiça Federal em Santos visando um entendimento extrajudicial.
Nesta semana foi realizada a XXVII Semana de Engenharia e Tecnologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Incidentalmente, na mesma quarta-feira, enquanto em Santos os diversos atores envolvidos se reuniam ante a justiça, no painel de mobilidade do evento se discutia a participação e o padrão atual da engenharia no planejamento (02), projeto, implantação, operação e manutenção de infraestruturas e serviços públicos brasileiros:
O tom da avaliação foi negativo. Divergências, apenas, em relação às causas: Queda no padrão dos cursos? Excesso de atores no processo decisório (com responsabilidades difusas)? Mudança na forma de contratação de planos, projetos e obras (com destaque para a introdução do RDC – 02)? Primado da marquetagem no processo decisório brasileiro (principalmente governamental)? Esvaziamento das áreas técnicas nas empresas estatais? E uma dúvida; relevante: A engenharia brasileira (e a praticada no Brasil) já foi melhor no passado?
Nas intervenções, dos painelistas e do grande público, exemplos de desencontros, da necessidade de re-trabalhos, de obras paralisadas (muitas por mais de uma vez!), da extensão de prazos e de aumento de custos não faltaram: Aeroporto inaugurado sem estrada de acesso; parque eólico pronto sem linha de transmissão; porto sem ferrovia, ferrovia sem porto; frota nova de trens entregue (e ociosa) por falta de via permanente e/ou capacidade energética; de acesso de navio a terminal portuário turístico de passageiros impedida por falta de calado aéreo de ponte (construídos quase simultaneamente), etc. etc.
Certamente, se a audiência de conciliação em Santos tivesse ocorrido antes, haveria mais um exemplo a ser agregado: Mais de R$ 2 bilhões foram investidos para implantação de um terminal sem que tivesse sido avaliada essa possibilidade? Que compromissos, a respeito, constam do contrato de arrendamento CODESP-BTP? O impacto sobre as praias contíguas não foi analisado quando do projeto de alargamento do canal de acesso ao Porto? Nem quando do licenciamento ambiental?
Se, efetivamente, a causa da erosão é a dragagem, o alargamento do canal, ou o arrastro de navios maiores, soluções de engenharia certamente há (ou podem ser desenvolvidas): Santos não é caso sui generis no cenário portuário mundial! Aqui mesmo, no Brasil, há um exemplo; tanto do problema como de uma das possíveis soluções: Itajaí-SC (02).
Já o envolvimento do Ministério Público e da Justiça em tal discussão, isso sim, é algo que encontrará poucos sucedâneos no cenário mundial. Na defesa de interesses/direitos de usuários/clientes, dos “interesses difusos” (02), é compreensível; mas no “como” atender/solucionar está mais para uma das nossas “jabuticabas”!
O processo santista embute uma tripla crítica: À engenharia brasileira, à nossa gestão pública e ao processo decisório hoje aqui praticado; crescentemente complexo e imprevisível. Temas para a pauta do “passar o Brasil à limpo”.
(*) Da série “Passando o Brasil à Limpo”: VII
Frederico Bussinger é ex-Secretário de Transportes de São Paulo; Presidente da CPTM e Diretor do Metrô/SP