06-09-2016
“Na natureza nada se cria, nada se perde,
tudo se transforma”.
[Lavoisier – 1777]
Mais uma vez, como tem ocorrido periodicamente ao longo desta Século XXI, dragagens portuárias voltam à baila!
Mais uma vez a delegação de tais serviços a um concessionário específico é aventada como hipótese para conclusão das (frequentemente) intermináveis licitações (01, 02). E, principalmente, para solução da redução de calado e aumento dos custos operacionais (como, não faz muito, explicava a BTP). Inclusive como forma de desonerar (01, 02) o Tesouro Nacional; desejo do novo Governo Federal.
E, pelo que se noticia, esta deve ser uma das propostas levadas à (tão aguardada) primeira reunião do Conselho do “Programa de Parcerias de Investimentos – PPI”, dia 13/SET próximo; em Brasília.
Não custa, pois, como subsidio, revisitar as intensas discussões havidas nas audiências públicas ocorridas, há pouco mais de um ano, em torno de um modelo alternativo de outorga: a dragagem condominial (01, 02, 03, 04, 05, 06) – em princípio mais simples, mais expedita, mais eficaz e mais sustentável!
Em síntese: Trata-se de uma articulação dos parceiros do poder público já existentes, já instalados nos Portos Organizados (arrendatários; eventualmente operadores e TUPs – onde existir) para gerir os serviços necessários e garantir disponibilidade da infraestrutura aquaviária em condições previamente especificadas (no PDZ; p.ex.). Eventualmente com “golden share” da Administração Portuária ou de algum órgão público.
Esse modelo, vale lembrar, foi apresentado e discutido como variante daquele com o qual o Governo Federal trabalhava no início de 2015; qual seja, da introdução de um novo ator em cada porto organizado: o concessionário, independente, dos serviços de dragagem. Este, mais uma interface no “shopping center” (imagem frequentemente utilizada para caracterizá-lo). Potencialmente, mais um foco de tensões relacionais; não parece?
Importante sistematizar as principais características do modelo de dragagem condominial proposto:
- É verdade: i) Dificilmente debate similar estaria ocorrendo em algum país que tenha consolidado o centenário modelo “landlordista” (gestão descentralizada; portos autônomos). Neles, não se discute: prover, manter e operar a infraestrutura aquaviária é atribuição/responsabilidade da Administração/Autoridade Portuária. ii) Mas, é igualmente verdade que, diferentemente deles, o Brasil logrou erigir (por normas jurídicas mas, também, por práticas que paulatinamente se consolidaram), um verdadeiro cipoal decisório (no lugar de um processo definido, responsabilizável, previsível…): o pesadelo e a discussão da dragagem é, apenas, um caso particular; um exemplo! iii) Para tanto, os executivos brasileiros são a face mais explícita. Mas legislativo; órgãos de regulação, fiscalização e controle; judiciário; imprensa e nossa cultura têm também parcelas de responsabilidades.
- Problemas; aspectos negativos? Sim; existem tanto no modelo de concessão como da dragagem condominial. Nenhuma é imune a eles: Necessário quantifica-los e cotejá-los, como parte de um processo decisório racional e estratégico… que há muito vem sendo tentado.
- Por ora, os únicos conhecidos são os problemas e aspectos negativos do modelo vigente; do status-quo: E são dramáticos! Até estão diagnosticados e quantificados na apresentação utilizada nas próprias Audiências Públicas (9/ABR/ e 8/MAI/2015). P.ex.: Em Santos, perda (anual!) de 1,31m no ponto mais crítico do canal; e R$ 350 milhões adicionais nos custos de movimentação apenas de contêineres. Em Paranaguá, respectivamente, 1,24m e R$ 75 milhões. Em Rio Grande, 1,14m e R$ 60 milhões. Significativo; muito significativo; não?
- A esses poderiam ser acrescidas as compensações demandadas em pedidos de arrendatários, para reequilíbrio econômico-financeiro de seus contratos: Certamente milhões, dezenas de milhões de R$. A apresentação da SEP também dá números: “Cada centímetro de perda de profundidade representa cerca de 100t a menos de capacidade de carregamento do navio – ou cerca de 6 contêineres”.
- Não há como negá-lo: A disposição/opção do Governo só de cogitar tal delegação (ao que parece, ratificada neste 2016!) é o reconhecimento tácito, explícito, tanto desse labirinto/cipoal decisório, como da dramaticidade da situação atual e da necessidade de decisões impostergáveis.
- Não é incontestável; não é líquido e certo que tal delegação de atribuições a um condomínio possa ser feita sem licitação (o que, sabe-se, é obrigatório para a concessão): Certamente a hipótese do condomínio portuário precisaria ser construída. Mas, para tanto, ela tem argumentos (SMJ, sólidos!) que apontam para sua razoabilidade; essencial para que seja legitimada; e, daí, para sua legalidade. E, tal caminho, não é nem contorcionismo interpretativo, nem casuísmo de aplicação, nem, muito menos, uma forma de se burlar a lei. A saber: i) A infraestrutura aquaviária não é algo autônomo ou independente: ela é matéria-prima, insumo, condicionante do desempenho (operacional e comercial) do(s) terminal(is). Há, pois, um liame; uma ligação/articulação entre ambos. ii) O arrendamento do terminal é feito tendo como pressuposto a disponibilidade da infraestrutura aquaviária, no mínimo em condições estabelecidas no PDZ (como cobra a BTP, outros arrendatários e armadores); condições, hoje, de responsabilidade do poder público. iii) Licitar, sabemos todos, é a regra. Mas a “Lei de Licitações” (Lei nº 8.666/93) também prevê casos de dispensa (art. 24) e de inexigibilidade de licitação (art. 25). iv) Não se trata, tal delegação, de uma escolha discricionária/privilegiada de parceiro (preocupação aguda em plena “Era-da-Lavajato”); mas, tão somente da agregação de obrigações a parceiros previamente escolhidos – majoritariamente por licitação. Ou seja; obrigações adicionais… e só a eles: Esse é o “princípio ativo” do modelo!
- Sim, pode-se cogitar da não obrigatoriedade dos parceiros existentes de participarem do arranjo. Neste caso, porém, seria razoável, seria “justo” que os sócios (do condomínio portuário) se beneficiassem de algum tipo de desconto nos valores pagos como contraprestação dos serviços; certo? Nada grave. Apenas um detalhe!
- A concepção inicial, apresentada nas audiências públicas de 2015, previa que o arranjo apenas gerenciasse serviços contratados a terceiros: Portanto, dependeria de ser detentor de poucos ativos (dragas; p.ex.). Mas nada impede que, em função de análises benefícios/custos o arranjo detenha ativos e passe, ele mesmo, a prestar alguns serviços (tese advogada, não sem razão, por muitos naquelas Audiências Públicas preocupados com a total dependência do Brasil de empresas estrangeiras, oligopolistas, para tais serviços): O modelo é, assim, “flex”!
- A forma inicialmente prevista para tal arranjo é o de uma Sociedade de Propósito Específico – SPE: O ser empresa traz inúmeras vantagens; p.ex., no tocante à interface com o mercado financeiro. Mas nada impede que, se facilitar sua implementação, o arranjo assuma outras formas legalmente possíveis de articulação dos parceiros operacionais do porto.
O problema (dramático!) está posto. É, sim, do Governo; mas não apenas dele! Os desafios também! Afinal, não queremos “passar o Brasil a limpo”?
O momento impõe que se vá além de meras críticas (ainda que procedentes!), pleitos (ainda que legítimos!), opiniões, ideias; e, mesmo, de platônicas diretrizes… no caminho de se construir consensos e tomar-se decisões. Platitudes, então…
A efetivação do novo governo é uma oportunidade concreta. Afinal, a palavra de ordem não é destravar? E, para tanto, envolver (ainda mais) a iniciativa privada?
Pois bem: esta é uma atividade que cai como uma luva para tal desiderato! E um modelo possível que, no mínimo, mereceria ser analisado e discutido com maior profundidade; retomando os intensos debates já havidos e o acumulado à respeito.