Frederico Bussinger
06-12-2016
Pontos-Chaves: 1) Investimento é condição sine qua non para que o Brasil saia da (profunda) crise que vivemos. 2) Talvez por isso investimento passou a ser praticamente a única métrica para se analisar, “vender” ou divulgar decisões, projetos ou ações; tanto governamentais como privados. 3) Não se trata de um reducionismo perigoso? Ou, até, enganoso? |
Se não é unanimidade, é próximo disso: investimento é condição sine qua non para que o Brasil saia da (profunda) crise que vivemos. E mais: para a maioria dos analistas, que mais detidamente se debruçam sobre o tema, será necessário um ciclo prolongado de investimentos “pesados” (bem acima de 20% do PIB) para que a economia brasileira mude de patamar. Assim, cada dia que passa a expectativa cresce e a cobrança por resultados aumenta.
Talvez porque isso investimento passou a ser, já há algum tempo, praticamente a única métrica para se analisar, “vender” ou divulgar decisões, projetos ou ações; tanto governamentais como privados. Uma variante dessa métrica é o valor do ágio ou da outorga, no caso de concessões e PPPs.
Na inauguração ou anúncio de uma obra, de uma planta agrícola ou industrial, ou de uma plataforma de serviços é natural que assim seja. Mesmo porque, se ele não for mencionado, repórteres certamente perguntarão (pois a imprensa tem enorme reverência por números!). Intrigante é que valores de custeio (OPEX), também medidos em R$, US$ ou €, não têm merecido a mesma atenção. Menos ainda indicadores de resultados (qualidade do produto ou serviço, emissões, produtividade, satisfação do usuário/cliente, etc.); algo que a imprensa se preocupe menos, e raramente monitora.
Curioso, ademais, é que investimento passou a ser, também, métrica e presença obrigatória em discursos, artigos, powerpoints, press releases e reportagens sobre programas/ações sociais, ambientais, culturais, esportivos; sobre leis, normas e marcos regulatórios: lembra-se, p.ex., da MP-595 – embrião da significativa mudança do modelo portuário brasileiro? Pois é: ela foi anunciada como “Programa de Investimentos em Logística para Portos”, em concorrida solenidade no Palácio do Planalto (6/DEZ/2012).
Com ferrovias, metrôs, VLTs, corredores e aeroportos; assim como com telecomunicações, energia, saneamento, petróleo dá-se o mesmo: a redução do tempo de espera e/ou de viagem, do “aperto” (na condução), de consumo de combustível, de emissões, de tentativas de discagem, de quedas de sinal, de blecautes, de derramamentos, ou de custos/preços; bem como o aumento da capacidade, da regularidade, da confiabilidade, da satisfação do usuário/cliente têm ficado em segundo, terceiro ou quarto planos. Já notou?
A construção lógica, o argumento utilizado, a mensagem que passa é mais ou menos essa: há compromisso de investimento? Então pode! As portas se abrem. Por vezes nem mesmo compromisso; a mera intenção ou perspectiva dele basta. Investimento passou a ser, assim, algo entre um álibi e um salvo-conduto.
Medir-se a dimensão e implicações de uma decisão apenas pelo investimento; ou pior, pelo seu “valor-de-face” é um reducionismo evidente. Principalmente no caso de concessões, PPPs e arrendamentos portuários. E pode, até, ser enganoso. Por que?
i) É sabido: compromissos de investimentos, no Brasil, raramente são cumpridos em prazo e/ou volume. De pagamento de outorgas também. As concessões de aeroportos, leiloadas recentemente (2012/13), o exemplifica (01, 02). ii) Investimentos privados em infraestrutura e serviços públicos, normalmente brandidos como autônomos e autossuficientes, sempre demandam algum investimento público associado. Nenhuma ressalva se esses são conhecidos previamente e, principalmente, combinados. Mas não é isso que muitas vezes acontece: não são raras as demandas que só emergem mais à frente, colocando o poder público contra a parede. Nesses casos, quase que invariavelmente cronogramas são retardados e custos e orçamentos majorados. Mas pode também ocorrer que recursos de outros setores (por vezes mais carentes e/ou onde a relação benefício/custo é maior) tenham que ser drenados para não inviabilizar a meta prometida. iii) Situação similar também ocorre em PPPs formais: é quando o poder público, por razões diversas (contingenciamento de orçamentos, não obtenção de licenças, atrasos em desapropriações, etc) retarda o cumprimento do que lhe cabe; eventualmente gerando perdas ao parceiro. E, aí, pleitos de reequilíbrio e celebração de aditivos são colocados à mesa. iv) Há o caso, também, de investimentos que produzem efeitos colaterais danosos e a serem remediados; até mesmo por gerações futuras: a Samarco, em Mariana-MG, é um exemplo extremo e contundente; mas pedagógico!
Ante tais exemplos, valeria refletir: qual o significado da TIR simulada na modelagem (ou outros indicadores usuais) quando alguma dessas situações se efetiva?
O tenso processo de licitação das concessões rodoviárias, ao longo de 2013, envolvendo discussões sobre décimos percentuais de TIR, ameaças de não apresentação de propostas, mas que, ao final, acabou com “descontos” (01; 02) até superiores a 50%, expõem, à luz do dia, a insuficiência ou, até, a fragilidade dos atuais critérios de avaliação e julgamento nas licitações de concessões e PPPs; até mesmo se sob o específico enfoque adotado.
De igual forma, a discussão sobre se as ofertas dos concessionários, naquela oportunidade, estavam ou não vinculadas aos prometidos financiamentos do BNDES (e, nestes, de se o compromisso era de 70% ou de “até” 70%!); a ameaça de devolução de recentes concessões (e respectivas ameaças de punição pelo Governo); os leilões desertos de arrendamentos portuários; os seguidos re-agendamentos dos leilões ferroviários por indefinições estratégicas; até a efetiva devolução da concessão do ícone Maracanã, também são exemplos, candentes, de como concessões e PPPs, ao fim e ao cabo, e independentemente dos indicadores econômico-financeiros da modelagem, podem agregar ao PIB menos que o previsto, e/ou efetivamente entregar a usuários/clientes benefícios menores que os esperados. Ah! Geralmente algum tempo depois.
A MP nº 752/2016 foi baixada com o propósito de resolver alguns desses desvios ou impedâncias. Mas, em pouco mais de uma semana, já coleciona críticas em diversas frentes (01, 02, 03, 04, 05, 06): a ver a lei final resultante!
Por outro lado, esse primado de “sua majestade”, o investimento, pode (no condicional!) ensejar interações ainda mais complexas. P.ex.: i) determinados investimentos podem implicar em des-investimentos produtivos: quando resulta na substituição do OPEX corrente por um menor, mais barato, menos mal. Mas muitas vezes trata-se, apenas, de “queima” de ativos”. Assim, se se quer adotar essa métrica, seria mais apropriado considerar-se algo como o “investimento líquido” = investimentos novos menos desinvestimentos. Ainda é cedo para se avaliar; mas esse pode vir a ser o resultado do “boom” de TUPs contíguos a portos organizados que se tem observado desde a promulgação da Nova Lei dos Portos. ii) Um determinado investimento pode, também, inibir a incorporação de uma evolução tecnológica/gerencial (mais eficaz e/ou mais barata); iii) Pode, também, dificultar a transferência de ganhos de produtividade/eficiência para o usuário final; para a população, em geral.
Enfim, investimentos, obviamente, são necessários. Mas cabe-lhes ocupar o proscênio?
Não é assim, p.ex., na Europa: o “White Paper” (um tipo de plano estratégico de mobilidade e logística europeu), ou dos documentos setoriais que o antecederam (01, 02, 03, 04, 05, 06), tem como foco questões e variáveis finalísticas (resultados funcionais). Valor de investimento, quando enunciado, normalmente está em plano secundário e/ou condicionado/vinculado ao objetivo/metas estabelecidos.
Tome-se o caso de uma ferrovia; principalmente uma “green-field” (como alguns projetos que integram a carteira do PPI): certamente ela é uma infraestrutura e uma prestadora de serviços.
Não é tão visível, porém, que, além dessas duas dimensões, uma ferrovia, como empreendimento estruturante, é também um inexorável agente econômico e social. Não raro um vetor de ocupação de território, requalificação de espaços/comunidades, viabilização de cadeias produtivas, gerador de emprego e renda… dimensões que TIRs, paybacks, ágios, valor de outorga, isoladamente, são insuficientes para captar/expressar. Aliás, sejamos justos: nem foram concebidos exatamente para esse fim!
A implantação de ferrovias no Brasil, desde o império, em meados do Século XIX, exemplifica claramente esse papel mais abrangente; essa visão/abordagem mais ampla, mais integrada. De igual forma, no plano internacional, o manual ferroviário do Banco Mundial (“Railway Reform: Toolkit for Improving Rail Sector Performance”) e o de corredores (“Trade and Transport Corridor Management Toolkit”).
Investimentos são, evidentemente, necessários. Imprescindíveis, mesmo, para que o Brasil retome sua trajetória desenvolvimentista – agora pautada pelo desenvolvimento sustentável. Mas eles são, apenas, meios. Ou melhor; até mesmo as concessões, PPPs e arrendamentos portuários deveriam ser vistos como meros instrumentos para consecução de um determinado fim.
Difícil, pois, aceitar investimento como praticamente a única métrica de avaliação de projetos ou parcerias no Brasil. Ou, pior ainda, como salvo-condutos.