“Pela Engenharia; a Favor do Brasil” é o título do manifesto lançado em 17/AGO, no tradicional CE/RJ, e inicialmente assinado por diversas entidades (CONFEA, FNE, FISENGE, CE do RJ, CE, PA, IE/SP, CREAs de BA, CE, DF, ES, MG, MT, RJ, RO, RR, RS, SC, SP, AEERJ, AEPET, ABEE, ABEMI, ABIFER, ABIMAQ, ABRAVA/ACRJ, ANEOR, CBIC, CDEN, CEPI, FEBRAE, FENAINFO, SEAERJ, SENGE/RS, SINAENCO, SINDISTAL, SINICON, TI/RJ). Também por vários profissionais-referência da categoria.
Os signatários manifestam “seu irrestrito apoio ao movimento de combate à corrupção em curso, mal que vem corroendo os alicerces da república”. E, também, fieis às tradições das entidades da engenharia nacional, manifestaram “grande preocupação com o gravíssimo efeito colateral que já se observa, tal seja a crescente paralisação de obras de infraestrutura estratégicas para o país, o desemprego de profissionais capacitados, a desorganização da construção pesada, a fragilização de importantes empresas como a Petrobrás e a Eletronuclear”.
Detalhando a especificidade do setor na atual crise econômica, política e social por que atravessa o Brasil, discursos na cerimônia quantificaram esse impacto – deram números: “Entre maio de 2014 e o deste ano já foram fechados 340 mil postos de trabalho, apenas no setor da construção; o equivalente a quase cinco Maracanãs lotados. Apenas no setor de construção pesada, que inclui obras de infraestrutura e montagem capitaneadas pelas maiores construtoras do Brasil, foram registradas menos 180 mil vagas, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED)”.
E, também, detalharam suas implicações: “… fechamento de empresas e de vagas qualificadas de engenheiros, técnicos e demais trabalhadores e perda da capacidade de gerar conhecimento, repercutindo até nas universidades, além da desvalorização dos investimentos realizados e do desgaste e elevação subsequente do custo de obras paralisadas, algumas em estágio final de construção”.
Finalmente, conclui o corajoso e oportuno manifesto: “Diante deste quadro, esperamos, e cobramos das autoridades constituídas as providências necessárias para que a engenharia possa continuar a desempenhar o seu principal papel, o de construir o Brasil”. E explica: Como “o Brasil é um País por construir” … “não podemos prescindir da capacidade gerencial e do acervo tecnológico acumulado nos últimos 60 anos pelas empresas brasileiras de construção pesada, de montagens e de engenharia consultiva, sob pena de colocar a perder o patrimônio que diferencia a engenharia brasileira e a destaca em um mundo cada vez mais globalizado e competitivo”.
Ou seja: A engenharia é tanto um (sensível) termômetro da crise brasileira; como pode ser um dos medicamentos para alavancar sua superação! E isso a história o comprova; já o sabemos de crises anteriores.
Mas, além de cobranças às autoridades, as entidades não estão de braços cruzados:
No front jurídico/institucional, o CONFEA firmou, e está estimulando a assinatura do documento, elaborado pelo Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, que propõe um conjunto de medidas anticorrupção; incluindo iniciativas legislativas paraalteração de diversas leis.
Interna corporis, no front da engenharia, das entidades e dos profissionais, propriamente ditos, o CONFEA levará tal discussão para a 72ª “Semana Oficial da Engenharia e da Agronomia”– SOEA, evento maior da categoria, que se reúne semana que vem em Fortaleza-CE.
Mas, com o mesmo objetivo, a FNE e o SEESP já promoveram importante reunião no último 9/SET, envolvendo seus diretores, conselheiros, representantes de diversas outras entidades do setor, universidades, e alguns profissionais com contribuições específicas. Focado na bandeira maior do manifesto (defesa da – “boa” – engenharia como instrumento para superação da atual crise) o debate procurou, dentre outros, aprofundar a relação, dialética, entre engenharia e corrupção.
Apesar de ainda embrionário, alguns pontos das discussões merecem registro como subsídio e base para os próximos passos; dos debates e do movimento:
a) Se antes da crise o quadro já não era homogêneo, seus impactos tampouco são uniformes. Aliás, “engenharia” é termo bastante abrangente. Uma análise mais acurada do tema requer que se segmente o setor; p.ex., entre empresas de engenharia consultiva, projetistas, construtoras (empreiteiras), montadoras e gerenciadoras. Desejavelmente, também, entre as de grande e pequeno porte; as com e sem atuação no mercado internacional.
b) É verdade que o Brasil tem importantes núcleos de excelência em engenharia. Aliás, são eles os responsáveis pelo fato de que o Brasil integre um seleto grupo de 15 países que, regularmente, exportam serviços de engenharia (projetos, obras, gerenciamento, etc); e que, na América Latina seja exemplo único. Mas, a par deles, há inúmeros exemplos, distribuídos por quase todos os setores e regiões do País, que destoam desses padrões, e da própria história da engenharia brasileira. Para muitos profissionais há, até, a sensação de que, em alguns casos, “andamos para trás”! “Já fomos melhores”!
c) Obra paralisada é uma das consequências do esquema de corrupção que vai sendo desvelado, combatido e punido. Mas esse não é um fato recente: Em 1992 (ou 93?), p.ex., o Ministério dos Transportes inventariou obras paralisadas sob sua responsabilidade, e fez uma exposição na Câmara dos Deputados: Eram milhares… algumas talvez não concluídas até hoje!
d) Além da dimensão individual, há indícios de que a corrupção tenha, também, uma dimensão sistêmica; balizada pelas tais “regras do jogo”; explícitas e implícitas.
e) De igual forma, e até em função desse quadro, hoje bem mais complexo que no início deste século, que há 50 ou 100 anos atrás, além da dimensão individual da ética o recente combate e punição da corrupção, em escala mundial, trouxe à baila a questão da ética empresarial (02).
Já da reunião resultaram 6 “Sugestões Anticorrupção”, específicas do universo da engenharia, visando ao prosseguimento dos debates:
1) “Proibição de contratação de obras sem projeto detalhado;
2) Estudo de casos comparativos de custos e preços para obras emblemáticas (Brasil e exterior);
3) Abertura de licitações de obras a empresas internacionais e nacionais;
4) Participação de representantes externos nas comissões de licitação de grandes obras;
5) Assinatura de Convênio com o MP para auxiliar na preparação de entendimento e questões técnicas nas investigações sobre corrupção;
6) Elaboração de um Código de requerimentos mínimos para ocupação de quadros de direção em empresas públicas (em particular técnicos);”
E, talvez, pudéssemos acrescentar:
1) A punição, individual, de pessoas comprovadamente participantes da corrupção é necessária; mas, pode ter alcance limitado, ser insuficiente: A alta incidência de obras paralisadas, recorrentemente, exige que se vá além da corrupção individual como variável explicativa.
Ao menos como hipótese, há que aventar a existência de um sistema (meio como no “O Processo”, de Franz Kafka, ou a “mão invisível”, de Adam Smith) que, explícita ou indutivamente, faz com que necessidades sejam forjadas, prioridades sejam invertidas, valores sejam majorados; para que “boas técnicas” e/ou “boas práticas” não sejam a regra geral. Mudanças, algumas profundas, no nosso modo de planejar, de projetar, de contratar, de executar, de gerenciar, e de manter e operar podem ser imprescindíveis para que sejam minimizados os riscos de incidências de tais práticas corruptivas.
2) Como chegamos a esse ponto? Quais as causas? Importante ser investigado com profundidade!
Por ora, como explicação preliminar, pode-se dizer que há limitações técnicas, sim; mas também fortes influências do processo decisório vigente. Haveria contribuições, relevantes, da legislação, da atuação da justiça e órgãos de fiscalização e controle: Planejar é pactuar; portanto, as dimensões política e econômica sempre estarão nele presentes. Mas isso não deve, não pode ocorrer escanteando-se a dimensão técnica: Esta precisa voltar a ser valorizada na tomada de decisões!
Mais (boa!) engenharia; menos improvisação! Mais (boa!) engenharia; menos “marquetagem”!
3) Algumas corporações e empresas já tomaram iniciativas de estabelecer códigos de ética próprios. Mas seria da maior importância que o “Código de Ética Profissional” da engenharia, e demais profissões do Sistema CONFREA/CREAs/MÚTUA, seja revisto e atualizado: O engenheiro profissional liberal é hoje minoritário; predomina o engenheiro-empregado. Além disso, aspectos relacionados à ética empresarial precisariam ser explicitados e detalhados. Ou, alternativamente, que seja criado um código específico para tanto.
O debate está aberto. O momento é oportuno. E essa é, certamente, a contribuição, específica, que a sociedade, que o povo brasileiro espera de nós, engenheiros, para as “realizações de interesse social e humano”, enunciado maior com o que a Lei que regula nossas profissões (Lei nº 5.194/66) é aberta. Da mesma forma que seus corolários; a “defesa do interesse da sociedade” e “defesa dos interesses nacionais”, bandeiras tradicionais das entidades da engenharia nacional, e presença constante em nossos discursos e documentos.
(*) Da série “Passando o Brasil à Limpo”: X
(**) Ex-Presidente do CONFEA (1988-93)
Frederico Bussinger é ex-Secretário de Transportes de São Paulo; Presidente da CPTM e Diretor do Metrô/SP