PERISCÓPIO Nº 213
Pontos-chave:
1) Uma ironia: “Falta planejamento” (é o que ouvimos!) … mas sobram planos.
2) … o que não evita/impede que parcela significativa das nossas decisões, no Brasil, siga sendo tomada improvisadamente. E, posteriormente, não cumprida (fechando o círculo vicioso).
3) Não estaria na hora de fazermos uma profunda reflexão sobre o conteúdo (dos planos) e sobre o processo (de planejamento)?
4) Alguns subsídios para tais reflexões.
“Tá lá o corpo
estendido no chão…”
[“De frente pro crime” – João Bosco]
Muitas vezes é uma lacuna; uma demanda real. Em outras, um mero expediente para descontruir (para usar termo que tornou-se moda na última eleição!) alguém ou alguma organização. Mas, talvez, o mais comum seja vê-lo usado como álibi… normalmente para justificar inações:
Quem já não ouviu, até sob voz soturna, verbalizado pausadamente: “Falta planejamento!”
Impossível negá-lo ante tantos esqueletos inconclusos; orçamentos estourados (independentemente de corrupção); retrabalhos sobre retrabalhos; prazos não cumpridos; metas inatingidas; e tantas mazelas mais: De bate-pronto, cada leitor não teria meia dúzia de exemplos a fornecer? (Normalmente incluo links comprobatórios. Mas, desta vez, por despiciendo, me abstenho de fazê-lo!).
O irônico é que planos não faltam. Aliás, até pululam e se superpõem (gerando, até, efeitos negativos colaterais!).
Milhares, milhões de R$, tanto privados como públicos (principalmente!), são vertidos para a produção de documentos (textos, plantas, mapas, planilhas; em papel, powerpoint, vídeos) … o que não evita/impede que parcela significativa das nossas decisões, no Brasil, siga sendo tomada improvisadamente. E, posteriormente, não cumprida (fechando o círculo vicioso).
Não estaria na hora de fazermos uma profunda reflexão sobre o conteúdo (dos planos) e sobre o processo (de planejamento)? Reflexões, evidentemente, que possam gerar inflexões.
O momento (início de mandatos, federal e estaduais) é mais que oportuno.
A seguir, alguns subsídios, quanto ao processo, para tais reflexões:
– Planejar é pactuar! Principalmente em se tratando de infraestrutura e de serviços públicos, onde normalmente há interesses diversos, inúmeros atores envolvidos, territorialidades múltiplas, marcos legais e normativos variados. Um mosaico complexo e, pior, com “layers” sobrepostos.
– Obviamente que tal processo se torna bem mais imprevisível, bem mais complexo, quando o Poder Público o delega a “produtores” de conteúdo técnico (consultores, projetistas, universidades, institutos de pesquisa, etc.) ou aos próprios interessados: Isso sem desmerecer a competência e o esforço, nem de uns nem de outros!
– Um conjunto sincrético de projetos, elaborados autarquicamente, raramente (para ser generoso!) se converte em um plano! Aliás, planos devem anteceder os projetos (e não o inverso – como muitas vezes se vêr!).
– Planos, quando estratégicos, não deveriam ser revisados a toda hora. No caso dos planos portuários (PNLP, PM e PDZ) (01, 02), em particular, esses são base para as relações entre o Poder Público e os demais atores. Os investidores privados (arrendatários e TUPs), p.ex., elaboram seus planos de negócios e fazem suas propostas (para licitações!) adotando diversas premissas, dentre as quais (e principalmente!) informações oficiais; muitas delas contidas em tais planos. Daí porque alterações, frequentes e profundas, podem ser “um prato cheio” para futuras reivindicações de compensações e/ou equilíbrios econômico-financeiros: Há discussões nesse sentido no setor aeroportuário
– E, lógico, planos deveriam ser cumpridos…
Quanto ao conteúdo:
– Planos, obviamente, pressupõem, como matéria-prima, uma visão de futuro. Mas o futuro não é, e não pode ser, uma mera projeção, pachorrenta, do passado: Eles envolvem as variáveis conjunturais mas, também, as variáveis/exercício volitivo. P.ex.: Mirando apenas o passado, jamais um planejador, na primeira metade dos anos 90, teria captado as expansões do açúcar (praticamente introdução!) e do complexo-soja no Porto de Santos. Foram justamente as reformas portuárias, planejadas e implementadas naquele período, que, dialeticamente, geraram a possibilidade de tais expansões: Na verdade, no caso do açúcar, um dos componentes importantes a viabilizar
– E, até mesmo por isso, não faz sentido previsões determinísticas sobre o futuro: O futuro não pode ser reduzido a um ponto… principalmente se a 10, 20, 30 ou mais anos a partir do hoje. Bandas, faixas são mais adequadas; sempre relacionadas a variáveis objetivas… razão pela qual, melhor que designações “psicologizadas” (pessimista, otimista, realistas), mais próprio seria algo como cenários inerciais, referenciais e dinamizados, p.ex., – ou designações congêneres.
– “Planos” de segmentos de processos (se é que podem ser chamados de planos!?!?!) terão, sempre, eficácia limitada: No caso de portos, poderão não resolver (e, até, agravar!) a existência de filas nos acessos terrestres; conflitos com o tecido urbano contíguo; com o meio ambiente que o envolve, etc. etc. O caso da ponte em Natal-RN (que, pelo calado aéreo, limita o uso do terminal turístico portuário; ambos, recém-construídos!) talvez seja um paroxismo. Mas, de longe, não é caso isolado!
– Planos devem prever o “o que”: Certo! Mas pode-se aceitar como “plano” um instrumento que não trate do processo de transição; do “como” sair da situação atual para o “o que” desejado/enunciado? Pois é: A maioria dos chamados “planos”, com os quais se convive no dia-a-dia, limitam-se a ser um conjunto de projeções e de descrições (não raro bem elaboradas e apresentadas!), platônicas, sobre o futuro. E nada além!
… talvez aí uma das (principais!) razões do porquê são tão pouco utilizados para tomada de decisões. Tão parcamente cumpridos. E, infelizmente, tão pouco eficazes para infletir nossas realidades e aumentar a previsibilidade do futuro – que deveria ser sua razão de ser.
Frederico Bussinger é ex-Secretário de Transportes de São Paulo; Presidente da CPTM e Diretor do Metrô/SP.