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PPI: “Ponte para o futuro” ou “volta ao passado”?

112 Frederico Bussinger

“Minha dor é perceber que
apesar de termos feito tudo que fizemos,
Ainda somos os mesmos e vivemos,
Como nossos pais”.
(Belchior/Elis: “Como nossos pais”)

“O mundo precisa de historiadores, políticos e poetas:
Historiadores para nos contar sobre o passado.
Políticos para discutir o presente.
E poetas para nos fazer sonhar com o futuro”

[Frequentemente citado; porém não identificada autoria]

Unanimidades são quase impossíveis (Nelson Rodrigues dizia, até, que “é burra”!). Mas no Brasil de hoje algo muito próximo disso é o sonho/objetivo de reativação da nossa economia. E, para tanto, como meio/instrumento, foi aos poucos se tornando quase consensual, nos últimos anos (e governos) a necessidade de concessões e PPPs para lográ-lo; particularmente nos diversos setores infraestruturais: se havia dúvidas e algumas contestações quando da redemocratização e ao longo dos anos 90, neste Século XXI elas se tornaram algo praticamente residual e localizadas. Lula, Dilma e, agora, Temer, sempre as incluíram em suas pautas; e em lugar de destaque.

Para tanto, seguindo seus antecessores e visando i) reverter os sucessivos insucessos nas recentes tentativas de concessões e PPPs (incluindo nesse conjunto os arrendamentos portuários) e ii) subsidiar a correção de rescaldos (01, 02, 03, 04) de outorgas recentes (aeroportos02, 03; rodovias02; estádios, etc), o governo interino lançou, já no seu primeiro dia de governo, com força de lei, a Medida Provisória nº 727 (7 capítulos; 22 artigos) criando o “Programa de Parcerias de Investimentos – PPI”. Mais precisamente, o “Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República” (art. 7º); com impactos diretos sobre as leis nº 9.491/97 (PND), 10.233/01 (CONIT e agências) e 11.079/04 (PPPs). OBS: o art. 2º da MP enuncia os objetivos do modelo proposto; e o 3º os princípios do PPI – em muito semelhantes aos do CND na década de 90. Nesse caso, uma (salutar) “volta ao passado”.

Na última sexta-feira, 17/JUN, a VPBG – Advogados reuniu mais de uma centena de técnicos, consultores, juristas, executivos, empresários e dirigentes de entidades para discutir perspectivas do programa com representantes de 3 dos principais protagonistas do novo modelo (ANTT, BNDES e CADE); além do reconhecido jurista Prof. Carlos Ari Sundfeld (um dos consultores jurídicos que assessorou o governo na elaboração da MP).

A oportunidade foi rica para se descortinar e debater os cenários em construção. Mas, antes ou mais que isso, para se tomar conhecimento do diagnóstico que ensejou e fundamentou a MP. Ou seja, as causas da letargia de concessões e PPPs no País (informações pouco exploradas pelo noticiário das últimas semanas) e de tantos efeitos colaterais negativos.

Três causas foram apontadas: i) Fragilidade institucional (para lidar com o processo); ii) Pouca disputa (pelos grandes projetos); iii) Dificuldade de garantir-se segurança jurídica (em especial na fase de execução). Cada item foi exemplificado e esmiuçado. Da fragilidade institucional, p.ex., dois registros merecem destaque visto estarem no centro das mudanças propostas: i) Falha do governo na definição de políticas e planos de longo prazo; ii) Procedimento de liberação caótico – falta de previsibilidade. Em seu conjunto o diagnóstico aponta, assim, para gargalos e disfunções em todas as etapas dos modelos praticados nos últimos anos: da concepção, pela estruturação, à execução!

A terapêutica:

Já no tocante à terapêutica prescrita, talvez a maior inovação esteja no seu art. 18; concebido como antídoto para a falta de previsibilidade; para o “procedimento de liberação caótico”: a intenção é comprometer, com o sucesso do empreendimento, todos os órgãos envolvidos com sua “liberação” (conceito-chave minuciosamente definido nos seus parágrafos). E isso passa a ser um “dever” (o verbo utilizado). Dever esse a ser cumprido “em conjunto e com eficiência” pelos diversos órgãos e autoridades.

O objetivo é meritório. E, se atingido, será um enorme facilitador para o PPI. Aliás, para a administração pública brasileira, como um todo.

Todavia não se deve esperar seja essa tarefa fácil nem rápida; a se julgar por experiências congêneres anteriores como, p.ex., no mundo portuário: o Programa de Harmonização das Atividades dos Agentes de Autoridade nos Portos”PROHAGE, criado em 1997 envolvendo 9 ministérios (Marinha, Saúde, Justiça, Fazenda, Agricultura, Transportes, Desenvolvimento, Indústria e comércio e Orçamento e Gestão) foi descontinuado após algum tempo de atuação. E, mais recentemente, já ambientado pela “Nova Lei dos Portos” (Lei nº 12.815/13), a experiência do CONAPORTOS; este integrado por 10 autoridades. Ou seja; lembranças do passado são pouco animadoras!

Além dos aspectos institucionais, legais e normativos, facilmente identificáveis, tais iniciativas envolvem, também, dimensões sócio-culturais (cultura organizacional); nem sempre visíveis de imediato e/ou a olho nu: i) Interesses corporativos (nem sempre ilegítimos!) dos órgãos envolvidos; e/ou ii) Defesa de “espaços” de seus dirigentes; e/ou iii) A concepção de “autoridade” que progressivamente se firmou na administração pública brasileira: foco setorial (e raramente sistêmico/global); foco nos meios (mais que nos fins!); importância de dar-se a última-palavra no processo (até com certa conotação de status!); e/ou iv) As legislações autônomas; não raro referenciadas a capítulos distintos da Constituição Federal; e/ou v) A estrutura governamental pulverizada; produzindo ora superposições de atribuições, ora lacunas.

Nesse quadro, a perspectiva de autoridades atuando em conjunto, harmoniosamente (não cada um por si); focadas também nos resultados (não apenas nos processos); buscando contribuir para a “solucionática” (não apenas fazendo exigências, aprovando ou punindo); se hoje parece algo quase inimaginável, se posto em marcha, certamente os processos mudarão de patamar (positivamente).

Mais modestamente: um processo decisório mais previsível já seria uma grande conquista. Se mais simples, mais transparente, mais rápido e mais eficiente, então…

A torcida é grande!

Inova a MP, também, ao prescindir de lei autorizativa para as parcerias, salvo “previsão expressa em contrário” (art. 15). Mas, nesse caso, já se pode observar divergências quanto à sua aplicação: ao inverter a lógica (para “tudo é permitido, exceto o que é proibido”) o dispositivo tem suscitado controvérsias jurídicas; inclusive constitucional.

No mais, a terapêutica adotada vai na linha de mais centralização (do processo decisório) e mais consultoria (principalmente para a modelagem). Muito na linha do adotado em momentos marcados por perplexidades/impasses no passado recente; quando havia necessidade de “se-fazer-algo”; de “se-mostrar-algo”. Só que, desta vez, em grau muito superior; como se uma volta a mais no parafuso tivesse sido dada:

Escopo: O PPI coloca sob sua órbita um amplo espectro de “contratos de parceria” (especificados no § 2º; art. 1º): federais, estaduais, municipais (§ 1º; art. 1º) – causa de algumas discussões/arguições de inconstitucionalidade da MP e de alegados arranhões no “pacto federativo” (ironicamente quando o tema finalmente volta a ocupar espaço privilegiado na agenda política nacional).

Também “as demais medidas do Programa Nacional de Desestatização a que se refere a lei nº 9.491, de 1997” (base das chamadas “privatizações” do final dos anos 90) e “empreendimentos empresariais privados que, em regime de autorização administrativa, concorram ou convivam, em setor de titularidade estatal ou de serviço público, com empreendimentos públicos a cargo de entidades estatais ou de terceiros contratados por meio de parceiras.” (art. 21) – dispositivo, meio hermético, que alguns têm interpretado como viabilizando “operações casadas” verticalizadoras (p.ex., empreendimentos industriais de celulose, siderurgia, mineração, etc com ferrovia e/ou terminal portuário).

Que tipo de contratos de outorga de infraestrutura e/ou serviço público estariam fora desse (amplo) rol? Não muitos; certo?

Nesse aspecto, e no caso particular dos portos, o novo modelo vai em sentido diametralmente oposto às reformas portuárias dos anos 90, inspirada (apenas inspirada!) no modelo “landlordista” de berço europeu, e balizado pela antiga “Lei dos Portos” (Lei nº 8.630/93): ele segue os passos centralizadores dados pelo Decreto nº 6.620/08 e, mais à frente, pela “Nova Lei dos Portos” (Lei nº 12.815/13).

Governança/Processo decisório: O Conselho do PPI passa a exercer funções anteriormente atribuídas a importantes conselhos setoriais (§ 2º; art. 7º): órgão gestor de PPPs federais (Lei n.º 11.079/04); Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte – CONIT (Lei nº 10.233/01); Conselho Nacional de Desestatização – CND (Lei nº 9.491/97). E a Secretaria-Executiva do PPI passa a vincular a EPL (art. 20).

O Conselho do PPI pode, também, “… formular propostas e representações fundamentadas aos Chefes do Poder Executivo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como recomendações aos órgãos, entidades e autoridades da administração pública da União” (art. 7º; § 6º); e “…opinar, previamente à deliberação do Presidente da República, quanto às propostas dos Ministérios setoriais e dos Conselhos Setoriais… sobre as matérias previstas no art. 4º desta lei, e acompanhará a execução do PPI” (§ 1º; art. 7º). Especificamente: políticas federais de longo prazo; empreendimentos públicos federais de infraestrutura qualificados; políticas federais de fomento às parcerias em empreendimentos dos Estados, DF e Municípios; medidas de desestatização.

Poder, pois, não falta ao PPI e suas instâncias decisórias; certo? Para usar o termo da moda, empoderado ele está! Entretanto, é o suficiente?

A governança concebida designa/centraliza no BNDES duas importantes atribuições: gestor do “Fundo de Apoio à Estruturação de Parcerias” (art. 16) e centralização dos “… serviços de estruturação e de liberação para parcerias de empreendimentos no âmbito do PPI” (art. 16; caput).

E, nesse novo arranjo, também é prevista articulação dos órgãos e entidades do PPI com o CADE “…para aumento da eficiência e eficácia das medidas de incentivo à competição e de prevenção e repressão das infrações à ordem econômica; (VII; art. 6º). Aliás, os antídotos para a “falta de competição” diagnosticada começam até antes, com a “análise de impacto regulatório quando da edição ou alteração de regulamentos, planos regulatórios setoriais…” (II; art. 6º): a se avaliar mas, aparentemente, a atuação das agências deverá se alterar; ao menos em termos de prioridades e foco – mais voltada para suas funções precípuas de regular.

Cenários:

A governança do PPI pode, em síntese, ser assim descrita:

  • O programa passa a ser dirigido por um colegiado forte: um conselho de ministros presidido pelo Presidente da República (§ 3º; art. 7º).
  • Passa a contar com uma Secretaria-Executiva diretamente ligada à Presidência da República. Em tempo: certamente há diferenças formais. Mas, em termos de processo decisório, não guarda semelhanças com o papel que a Casa Civil desempenhou nos últimos anos?
  • O BNDES assume a função estruturadora que a EBP desempenhou nos PIL-1 e PIL-2; e de gestor do Fundo que, de certa forma, vem suprir uma lacuna deixada pela vedação do mecanismo PMI/ressarcimento (art. 13) – agora reconfigurado e rebatizado como “Procedimento de Autorização de Estudos – PAE”  (I; art. 14).

A dobradinha Conselho/BNDES já funcionou no “Programa Nacional de Desestatização – PND” (décadas de 80/90). Mas há que se atentar que o PND passou por diversas etapas, envolvendo processos de naturezas distintas: inicialmente esteve focado na venda de empresas (siderúrgicas, petroquímicas, etc.). Passou por concessões associadas a transferência de empresas (telecomunicações, ferrovias, etc). Também por outorgas associadas a transferência transitória de ativos (como no caso de terminais portuários). Todos eles, vale registrar, empreendimentos caracterizáveis como “brown-field”.

No passado mais recente o programa passou a incluir projetos/empreendimentos “green-field”. Nesses casos com desempenho aquém daqueles alcançados nas etapas anteriores.

Como a carteira do futuro próximo inclui muitos empreendimentos também “green-field”, a questão merece ser recolocada: A existência do Conselho, do Fundo e a substituição da EBP pelo BNDES é o suficiente para se reverter aquele diagnóstico tridimensional? (fragilidade institucional; falta de disputa/concorrência; insegurança jurídica).

Vale como regra geral. Mas, principalmente no caso dos empreendimentos “green-field”, há 3 adversidades a serem enfrentadas. Adversidades que, SMJ, a MP não trata e que são de extrema importância. Principalmente se envolvendo, também, Estados e Municípios:

EVTEAs e modelagens licitatórias normalmente tratam do empreendimento, em si. Para empreendimentos infraestruturais “green-field”, parodiando Ortega y Gasset (“eu sou eu e minhas circunstâncias”) seu contexto é, igualmente, importante. No caso de mobilidade e logística fundamental! Ou seja, a concepção intermodal e suas interfaces com o urbano e o regional são abordagens essenciais – e sua desconsideração, muito provavelmente, uma das razões dos insucessos verificados nos processos de outorga! Aliás, isso até já foi (competentemente) arguido, formalmente, pelo TCU (apesar de essa não ser, SMJ, sua atribuição precípua!).

No front que pode ser considerado externo, há uma população que raramente é informada que ela passará a pagar por aquilo que hoje não paga; ou que terá que pagar mais por algo que hoje, de certa forma, é “subsidiado”; pelo poder público ou pelos demais usuários/consumidores: tensões sociais, mormente nessa quadra em que estamos vivendo, é potencialmente alta.

Por outro lado, comunidades localizadas, organizações sociais e, mesmo, dirigentes locais e a imprensa muitas vezes trabalham com a ideia de que uma concessão ou PPP é uma grande fonte de recursos/lucros. Portanto, demandam mais e mais “compensações”… que podem acabar por inviabilizar o empreendimento.  Umas e outras, ainda que legítimas, não deixam de ser “ameaças” (no sentido mais puro de uma análise SWOT). Ameaças no sentido de não sair; de nada acontecer!

No front interno, concessões e PPPs são hoje quase uma resposta-pronta, imediata de governantes, parlamentares e executivos públicos quando pressionados pela sociedade ou pela imprensa; uma esperança ante as agruras orçamentárias e financeiras… frequentes e crescentes. Nesse afã, é curioso como concessões e PPPs são muitas vezes “vendidas” como uma espécie de Geni (aquela que “veio pra nos salvar”!).

Interessante observar, por outro lado, que por falta de clareza ou estratégia mercadológica, fica-se com a impressão que o poder público aventa tais instrumentos meio como um caixa-extra (um orçamento suplementar – recursos “a fundo perdido”). De novo, uma potencial ameaça!

O enfrentamento de tais ameaças demanda, adicionalmente, uma combinação de comunicação e articulação. E isso transcende a advogados, economistas e engenheiros: historiadores, políticos e poetas (como detalha a epígrafe) cairiam muito bem nesse time! Também transcende a EVTEAs, modelagens, editais e contratos. Em ambos os casos, revisitar o passado seria de pouca valia!

O PPI, entretanto, poderia aumentar seu desempenho, em muito, se incorporasse essas outras dimensões à “ponte para o futuro” que se quer projetar, construir e operar: alguns aspectos poderiam já ser incorporados na própria lei que emergirá da MP durante sua tramitação congressual. Outros, porém, estão mais vinculados ao modus operandi; ao modus faciendi do processo; do programa e de sua condução.

Frederico Bussinger

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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