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Privatização das Docas; de novo na ribalta!

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Pontos-Chave:

RIBALTA

“Empresários do setor portuário sugerem privatizar as Docas”, é uma das manchetes do Valor de 9/MAI/2016. A intenção da ABTP, fonte da matéria, é trazer de novo o tema à baila nessa véspera de um eventual Governo Michel Temer que, segundo as mais recentes informações, decidiu “cortar dez ministérios caso assuma presidência”; incluindo “fundir as secretarias com status ministerial de Portos e Aviação Civil com o Ministério dos Transportes”.

Argumentação básica: i) As 7 Companhias Docas, responsáveis pela administração dos portos organizados sob gestão federal, executaram apenas 46% do orçamento de investimentos de R$ 820 milhões, em 2015; ii) Elas “precisam ser saneadas”. Como exemplo é citado o Porto de Santos, no qual há “700 vigias portuários, subaproveitados e com estabilidade de emprego”. iii) Na mesma linha, e de uma forma mais abrangente, a agenda para 2016-2016, recém divulgada pela CNI, assim sintetiza: elas “encontram-se com baixa capacidade gerencial, elevados passivos trabalhistas e incapacitadas para promover as transformações necessárias para elevar a eficiência dos portos públicos a padrões internacionais”.

Como o tema volta sazonalmente à baila, vale recordar que ampliação da participação privada nos portos, hoje no âmbito de terminais e TUPs, para também incluir a gestão das próprias Docas (administrações portuárias), é bandeira histórica de diversos setores empresariais. P.ex.:

ABTP, que ensejou a matéria, sempre propôs uma participação mais abrangente: “…substituição do modelo docas pelo modelo privado de administração portuária. Precisamos de um único comando. Privatizar apenas uma parte me preocupa. Se é para inovar, vamos criar algo novo”; repete seu Presidente, Wilen Manteli nos inúmeros foros dos quais participa e entrevistas que concede.

Fenop, por seu turno, advoga um modelo mais focado – defendido também por outras entidades, consultores e executivos do setor: “A proposta é dividir as atividades das companhias docas em duas: uma autoridade portuária de gestão pública, que ficaria responsável por fiscalizar os contratos e manter o patrimônio público, e uma empresa de administração privada, que poderia contratar atividades essenciais sem necessidade de licitação. Por exemplo, as obras de dragagem, acessos terrestres, limpeza e vigilância”. Algo na linha dos “condomínios portuários” (0102).

Como as propostas não são exatamente novas; nada impede que esclarecimentos e observações, já postos, sejam também requentados:

O “calcanhar de Aquiles” dessas propostas é que elas, normalmente, partem de uma premissa, ainda que implícita, de que às Administrações Portuárias cabe um amplo leque de funções/papeis (inclusive estratégicos) nos quais elas têm palavra final nas decisões: Se isso foi deixando de ser realidade nos últimos anos de vigência da antiga Leis do Portos (Lei nº 8.630/93), com o novo modelo, com nova Lei dos Portos (Lei nº 12.815/13) então…

O processo decisório tornou-se complexo, centralizado e imprevisível!

Desde logo o planejamento foi centralizado, justificado como “necessário para um planejamento integrado” (no que se avançou pouco) : A Lei e o Decreto nº 8.033/13 balizam o novo modelo, e aPortaria nº 03/14 regulamenta os “instrumentos de planejamento do setor portuário”.

Mas a Lei e o Decreto, além do planejamento, transferem e centralizam várias outras funções. P.ex: SEP (no papel de poder concedente – art. 1º, § único do Decreto): Definir as diretrizes para arrendamentos (art. 6º, § 3º e art. 16-I da Lei); autorizar expansão de área já arrendada (§ 6º); avaliar (para aceitar ou não) os pleitos para instalações privadas (art. 12); celebrar contratos de concessão, arrendamentos e de adesão (art. 16-II), estes de TUPs e outras instalações privadas (art. 8º); estabelecer normas para pré-qualificação de operadores portuários (art. 16-IV); implantar o Programa Nacional de Dragagem (art. 53); decidir pela prorrogação (ou não) dos contratos de arrendamento vigentes, assim como pela antecipação (ou não) das prorrogações (art. 57); aprovar a transferência de controle acionário de outorgados (art. 2º, IV do Decreto); aprovar investimentos não previstos nas outorgas (V); aprovar EVTEAs (VI).

ANTAQ: Elaborar os editais (art. 6º, § 3º da Lei); e realizar os processos licitatórios para concessões e arrendamentos (§ 2º); autorizar, em caráter excepcional, a utilização (por terceiros) de instalações arrendadas – TUPs e outras instalações privadas (art. 7º e 13); adotar medidas para assegurar o cumprimento dos cronogramas de investimentos de outorgados (art. 8º, § 3º); aplicar de penalidades por infrações à lei, regulamento e contratos (art. 17, § 1º, XI, e 50); adaptar os contratos de TUPs e outras instalações privadas (art. 58 e 59); revisar e reajustar tarifas (pela nova redação da Lei nº 10.233/01 – art. 71); fiscalizar as administrações portuárias (idem).

O que fariam, então, as Docas eventualmente privatizadas? Quais os seus papéis? No que poderiam agregar valor sobre o modelo vigente?

Não que se negue que elas o poderiam. Mas há que se ter claro que, pelo novo modelo, quase todas as funções estratégicas passaram a estar centralizadas na SEP e ANTAQ. Às administrações portuárias cabem, agora, duas dezenas de funções de natureza essencialmente executiva/administrativa (art. 17 a 19, e 25 da Lei); sempre dentro de normas explicitamente estabelecidas pelo poder concedente (SEP) ou das demais autoridades e balizadas em contratos de gestão com a SEP (art. 64). P.ex: Arrecadar tarifas, estabelecer horário de funcionamento do porto, autorizar entrada/saída de navios e movimentação de cargas, pré-qualificar operadores, organizar a guarda portuária, fiscalizar operações e obras (para instrução de processos administrativos da Antaq), manter balizamento, divulgar calado, sinalizar fluxo de mercadorias, entre outras.

Além disso, há ainda outros órgãos setoriais de transportes instituídos para participar do processo decisório (ainda a caminho de cumprir os papeis previstos e esperados): A EPL (geralmente não mencionada, por ser previsão de uma outra lei – Lei nº 12.743/12), e os 3 órgãos colegiados: CONIT, CONAPORTOS e Comissão Nacional de Praticagem.

A se considerar, também, as demais “autoridades” (Capitania dos Portos, Alfândega, Anvisa, etc.) que atuam no dia a dia dos portos, com atribuições específicas. E, last-but-not-least, outros órgãos/instituições que passaram a ter crescente participação no processo decisório portuário: TCU (01,02) (e, em alguns casos, tribunais de contas estaduais); MP, licenciadores etc. etc.

Imaginar que a (real!) ineficiência das administrações portuárias é resultado da (verificável!) inadequação estrutural das Cias. Docas ou incompetência (até existente!) de seus dirigentes, técnicos e empregados, é uma simplificação surpreendente… até ingênua. E que, nesse quadro, a mera “privatização” delas, no todo ou em parte, produzirá resultados rápidos, rútilos e inexoráveis, uma aposta talvez arriscada.

Tornar as administrações portuárias mais eficientes é uma inadiável necessidade. Conceber, implementar e gerir um planejamento mais integrado entre os modos de transporte, de igual forma. Uma relação mais amigável e funcional dos portos com as cidades e o meio ambiente que os abrigam, também.

Todos sabemos. Frequentemente o declaramos. Muitos o defendem. Alguns diligenciam para tanto.

Mas, se as intervenções forem apenas pontuais; se o processo decisório portuário não for revisto nos seus diversos componentes e forma como eles se articulam; se tal revisão não tiver por norte maior autonomia e integração, mudanças de diretores das Cias. Docas serão, apenas, mais uma pachorrenta “troca de guardas”; e eventuais fusões de ministérios e órgãos (reposicionando, na “máquina”, estruturalmente os servidores responsáveis pelo setor), se se justificam macro-estruturalmente, no fim da cadeia, no porto propriamente dito, poderá ser, tão somente, mais uma reestruturação.

Resultados, mesmo… muito provavelmente ficarão bem aquém da expectativa que as sucessivas ondas reestruturantes criam.

Frederico Bussinger. Consultor. Foi presidente da Companhia Docas de São Sebastião (CDSS), SPTrans, CPTM e Confea. Diretor da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), do Departamento Hidroviário de SP e do Metrô de SP. Presidiu também o Conselho de Administração da CET/SP, SPTrans, Codesa (Porto de Vitória), RFFSA, CNTU e Comitê de Estadualizações da CBTU. Coordenador do GT de Transportes da Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-SP). Membro da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização e do Conselho Fiscal da Eletrobrás.

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