Pontos chaves:
1) Agora são empresários (prestadores) e usuários (em geral, também empresários) que divergem. Há, também, a divergência com os trabalhadores.
2) Como questões nevrálgicas não foram meridiana e definitivamente pacificadas (algumas, sequer discutidas!) durante a tramitação da MP-595, há um desfio posto.
3) Com todos os inconvenientes e riscos, um 3º turno (da discussão do modelo/lei) parece estar em marcha!
Empresários (prestadores dos serviços portuários) reclamam da “necessidade de pedir autorização prévia à agência caso queiram iniciar novos serviços” (pois “engessaria a atividade ao aumentar a burocracia”). Argumentam que “o armador, ou o dono da carga, não vai esperar a análise da agência para decidir onde vai operar”. E desabafam, com ironia: “até para construir um banheiro tenho de pedir amém à Antaq”; diagnosticando que, na verdade, o que a agência desejaria é “gerenciar o terminal”.
Usuários do RJ rebateram de imediato; também ironizando: “… do jeito que a coisa estava antes da Antaq, a grande preocupação dos usuários era se teriam que pagar para usar esse banheiro. Se as coisas ficarem nas mãos dos terminais… até o ar que se respira dentro das instalações arrendadas será cobrado”; na linha da antiga luta dos usuários baianos contra o alegado “abuso de poder monopolístico” no Porto de Salvador, que resultaria em “preços altos e regras unilaterais”.
O tom parece de um Fla-Flu. E os antecedentes indicam que “muita água ainda vai correr debaixo da ponte”…
Desta vez o deflagrador da polêmica foi a Resolução nº 3274 (6/FEV/2014) da ANTAQ, modificada pela de nº 3.584 (15/AGO/2014); tema discutido em recente audiência pública. E, certamente, a divergência não está em se (ou não) o estado tem (ou deve ter!) papel regulatório no setor: Até Delfim Neto, que nem de longe pode ser acusado de estatizante, ensina, em recente artigo (“A tragicomédia da propaganda eleitoral”), que “… o capitalismo só funciona quando protegido por um Estado forte, constitucionalmente limitado, capaz de garantir a propriedade privada e de regulá-lo para reduzir seus inconvenientes”. Ou seja, escopo e grau de intervenção!
Escoimadas as imagens do ar e do banheiro, é possível identificar nessa polarização diversas questões, relevantes, que estão longe de pacificadas no setor portuário brasileiro. Sequer esclarecidas. Desde algo básico, como a caracterização de um determinado valor, se tarifa ou preço; até outras mais estruturais como, p.ex., o papel e os limites da concorrência (vis-à-vis do comando & controle); a existência (ou não) de modelo e normas de precificação; o centralizado X descentralizado no processo decisório; o escopo da regulação; etc.
Divergências de opiniões/posicionamentos, como as agora enunciadas com firmeza, por ambos os setores parecem, assim, decorrer de divergências anteriores; de pontos de vistas distintos do que sejam portos (e seus serviços): Se um serviço público (aparentemente a premissa dos usuários) ou uma atividade econômica (a dos empresários).
Como não foram meridiana e definitivamente pacificadas durante a tramitação da MP-595 (e não foi por falta de informações e de alertas: basta que se revisite os anais da Comissão Mista do Congresso que a analisou – 02), elas ressurgem (e poderão ressurgir!) a cada momento, ante temas reais; concretos. É como se tivéssemos, periódica e potencialmente, um 3º turno! (expressão utilizada no ambiente político para caracterizar embates sobre questões, conhecidas, omitidas/evitadas no processo eleitoral – trazidas à baila só após fechadas as urnas e homologados os resultados do pleito).
A MP foi anunciada, pelo governo, como um amplo “Programa de Investimentos em Logística para Portos” (02). Dos usuários pouco se ouviu falar durante a vigência da MP e de sua tramitação congressual. Trabalhadores se regozijaram, primeiro, por terem conseguido pautar o tema capital-trabalho no debate (inicialmente ausente); depois por terem logrado o que consideraram “avanços” nos seus direitos – e, por isso, festejaram quando da aprovação final da “Nova Lei dos Portos”. Já os empresários (ao menos os que se expuseram mais abertamente) parece terem se satisfeito com o fim dos condicionantes para a movimentação de cargas de 3º: Acabaram apoiando a MP e a celeridade de sua tramitação; inclusive com ampla campanha pela grande mídia.
Mais que esses aspectos pontuais, o que se propusera, na verdade, era bem mais abrangente: Uma ampla modificação na estrutura do modelo portuário e, mais detalhadamente, no processo decisório do setor. Questões, como as mencionadas, ou foram tangenciadas ou discutidas com base em informações parciais. Resultado? Como na fábula dos cegos & elefante, hoje cada um tem possibilidade de fazer sua própria interpretação (pois as redações nem sempre são claras, nem os dispositivos consistentes entre si); ou de partir da sua premissa/ponto de vista para se posicionar.
Curiosamente, pouco mais de um ano depois de sua promulgação, a nova Lei parece órfã: Trabalhadores “reclamam haver uma crescente privatização do setor”. Empresários, dentre outras, paradoxalmente criticam o intervencionismo que lhes tolhe a iniciativa (e, até, propõem uma nova lei!). Enquanto os usuários, ainda que com algumas críticas, saúdam o novo quadro regulatório e a atuação da agência.
Eh! Se não está pacificado, dificilmente deixaremos de percorrer esse caminho. Mesmo porque a tão propalada segurança jurídica o clama!
Com todos os inconvenientes e riscos; um 3º turno (da discussão do modelo/lei) parece estar em marcha!
Ex-Secretário de Transportes de São Paulo; Presidente da CPTM e SPTRANS; e Diretor do Metrô/SP.