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Reinventando o BNDES

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No meio de tantas incertezas, algo parece muito claro: o BNDES desempenhará papel central na ação governamental para retomada de investimentos. Mormente no que diz respeito a concessões, PPPs, arrendamentos e autorizações; objeto do recém lançado “Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da RepúblicaPPI

Ué! Mas ele não teve papel proeminente também na ação governamental dos últimos governos; da última década? O que há de novo nisso? Há! E pode haver ainda mais!

Desde sua criação, em 1952, o BNDES passou por várias transformações: de áreas de atuação, de visão e, até, de nome (nascido sem o “S” de social).

Analisando sua história, é possível observar que, ao longo desses 64 anos, ele desempenhou um conjunto de papéis que poderiam ser organizados em 3 grupos distintos: i) financiador (papel típico de um banco – o “B” de sua sigla), ii) consultor/gestor e iii) formulador de políticas públicas. Com uma peculiaridade: esses 3 papéis sempre estiveram presentes na sua atuação; porém com participações/ênfases distintas. Ou seja, com “blends” variáveis; ainda que muitas vezes reprisando perfis anteriores.

E, uma vez mais, isso parece que está por acontecer: o BNDES-consultor/gestor, pelo que se anuncia (01, 02), deve suplantar o BNDES-financiador no “blend” do futuro próximo. A razão social não muda; a instituição é a mesma; os “ativos” são praticamente iguais… mas os papeis são um pouco distintos: “O BNDES teve um papel central nas concessões passadas, alavancando muito os investimentos. Esse é um dos aspectos que se pretende mudar. Em alguns casos, o banco chegou a alavancar 80% dos empréstimos-ponte…”; “O banco vai assumir um papel de coordenação, parecido com o que tinha nos anos 90, que é o de contratar os consultores, ajudar na estruturação de projetos, prospectar vendedores”; sintetiza sua Presidente, Maria Silvia Bastos Marques.

Essa mudança, além dos componentes conceituais e de visão envolvidos (evidentes!), tem um quê de pragmatismo: os recursos do banco, disponíveis para financiamentos/empréstimos, minguaram. E, com o fim da “nova matriz econômica”, aparentemente também as fontes, que periodicamente reabasteciam sua caixa d´água (01, 02, 03,  04, 05), também devem ser reduzidas ou, até, eliminadas… ao menos por algum tempo.

E, como consequência, uma parte dos recursos humanos e materiais do BNDES, a experiência e conhecimento do seu qualificado quadro, dedicado no passado recente ao BNDES-financiador, por opção e/ou por contingência, deverão ser redirecionados e reforçar o BNDES-consultor/gestor. Ou seja, pode-se entender que ele assumirá tanto o papel que no passado recente vinha sendo desempenhado pela Estruturadora Brasileira de Projetos – EBP, como também, ao menos em parte, o de estruturações que vinha sendo desenvolvido pela iniciativa privada via PMIs e MIPIs (art. 16 da MP nº 727/16).

Do ponto de vista institucional e organizacional, mudanças desse tipo, dessa escala, com tantos atores envolvidos, em geral não são nem simples, nem automáticas, nem “indolores”, nem de sucesso garantido; ainda que seja esperada certa flexibilidade da corporação vez que 70% do seu quadro tem menos de 10 anos na empresa. De uma forma ou de outra, o próprio processo de concepção/implementação merece atenção – o que, certamente, deve estar no radar/pauta da experiente diretoria recém-empossada.

Detalhes do conteúdo dessa transição ainda não são conhecidos publicamente. Mesmo assim algumas reflexões já podem ser feitas; principalmente com base em experiências e processos anteriores:

Mudança de foco (ou, no mínimo, de ênfase) também ocorreu em meados dos anos 90: com o fim do estoque de empresas a serem desestatizadas/privatizadas, após uma década de um programa operoso (durante os governos Sarney, Collor, Itamar e FHC-1), o BNDES passou a se envolver com outorgas. Muitas delas com processos já em andamento: inicialmente na área portuária (Decreto nº 1.990/96) e, posteriormente, com concessões (ferrovias, telecomunicações, energia, etc) – Lei nº 9.491/97: Deste período/processo, as implicações e rescaldos, nem sempre plenamente exitosas, são ainda hoje objeto de avaliações e discussões.

Uma primeira hipótese explicativa para tanto é que, na venda de empresas, o processo praticamente se encerra na transferência dos ativos. Já no das outorgas, a relação concedente-outorgado apenas aí se inicia… e dura anos; por vezes décadas!

Uma outra hipótese é que, no caso das outorgas, além da modelagem, há dois outros ingredientes importantes: política pública e regulação. Esta foi bastante considerado na experiência dos anos 90; nem tanto as políticas públicas. O caso ferroviário pode ser um exemplo: ressente-se, até hoje, de melhores soluções nas interações entre as diversas concessões/malhas ferroviárias, e entre essas e os clientes/usuários (tanto é que se quis alterar profundamente – 01, 02 – o modelo em 2012/13!), de articulações intermodais, de tratamento ferrovia-tecido urbano; entre outras. Em diversos aspectos, o mesmo também ocorre nos portos e terminais portuários.

A preocupação latente, em parcela significativa dos atores que atuam nos diversos segmentos de infraestrutura, é que o filme se repita na transição que se avizinha. E que os imprescindíveis ajustes (01, 02, 03) nas modelagens (até mesmo para evitar novos insucessos!), por um lado, e agregação de definições de políticas públicas, com implicações sobre elas e sobre a regulação, por outro, sejam deixados de lado.

E riscos há; pois o BNDES deverá enfrentar o novo desafio em terreno não totalmente favorável:

  1. i) Uma cultura “BNDES-dependente”, que se aprofundou no passado recente: doravante, o setor privado poderá contar menos com o BNDES; terá que andar mais com as próprias pernas… ou o programa de concessões e PPPs poderá ficar aquém do esperado.
  2. ii) Sejamos claros e pragmáticos: uma coisa é ofertar consultoria/gestão respaldado pela possibilidade de financiamentos relevantes. Outra, muito diferente, é oferece-lo meramente “disputando mercado” ou, mesmo, apenas como uma obrigação legal/normativa (como da MP nº 727/16). No mínimo, isso demanda mais esforço e mais tempo.

iii) O Governo tem uma ingente necessidade de arrecadar com o pagamento de outorgas das concessões e arrendamentos, a fim de compor a cesta do (imprescindível) ajuste fiscal. E isso, com urgência. Por conseguinte, a demanda/pressão sobre os dirigentes e técnicos do BNDES, por resultados e prazos, já deve ser imensa.

Em síntese, não é difícil perceber que esses são condicionantes em princípio não convergentes. E, em alguns casos, podendo até tencionar o processo em sentidos opostos. Um sistema de equações deveras complexo!

Grande desafio; não? … principalmente porque o BNDES precisará se reinventar como que trocando a roda com o carro em movimento.

Mas também é grande a torcida; vez que ele é pilar central do PPI. E, este, do novo ciclo de desenvolvimento brasileiro tão aguardado.

Consultor. Foi Secretário Municipal de Transportes (SP-SP) e Secretário Executivo do Ministério dos Transportes. Presidente da Companhia Docas de São Sebastião (CDSS), SPTrans, CPTM e Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – CONFEA. Diretor da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), do Departamento Hidroviário de SP e do Metrô de SP. Presidiu também o Conselho de Administração da CET/SP, SPTrans, Codesa (Porto de Vitória), RFFSA, CNTU e Comitê de Estadualizações da CBTU. Coordenador do GT de Transportes da Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC-SP). Membro da Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização e do Conselho Fiscal da Eletrobrás.

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