PERISCÓPIO Nº 206
Pontos chaves:
1) Por que tantos percalços nas nossas (bem intencionadas!) ações, planos e projetos portuários?
2) Portos são, simultânea e conjuntamente: Ente físico + elo de cadeia logística + agente econômico e social + arranjo institucional/organizacional.
3) Entendê-los e modela-los tetradimensionalmente pode ser grande contribuição ao planejamento e gestão de estoques e fluxos portuários: cargas, pessoas, riquezas, tributos, informações, decisões…
existe sempre uma solução simples,
elegante, plausível e completamente errada”
(H.L.Mencken)
A síntese do consagrado jusfilósofo brasileiro, Miguel Reale (“direito é fato, valor e norma” – Teoria Tridimensional) nos inspira também a uma (necessária) reflexão: O que é um porto?
Não tome a pergunta por um menoscabo! Talvez por não termos, coletivamente, uma visão simultaneamente abrangente, profunda, sintética e unificada enfrentamos tantos percalços nas nossas (bem intencionadas, mas segmentadas) ações, planos e projetos. O tema é bem mais complexo do que parece. Merece análises e discussões. Nesse último articulete de 2014, vai aqui uma pequena contribuição.
Imaginar um porto é algo quase imediato; talvez para a maioria das pessoas. Isso, fisicamente: Normalmente envolve amplas áreas junto a espelhos d´água, grandes edificações, equipamentos altos e robustos; tudo muito impactante. E, lógico, “sua excelência o navio”; razão primordial da existência de um porto: um fetiche para muitos! Dá fotografia!
A infraestrutura aquaviária disponível e o conjunto de instalações e equipamentos utilizados pelos portos são o “hardware” no qual, ou pelo qual, suas atividades são realizadas. Esse “ente físico” ocupa um espaço e tem fronteiras com outros ambientes, naturais ou urbanos – até regionais (tema com inúmeras publicações, cursos, eventos e articulações sob o genérico título: “porto-cidade”) (01, 02).
Voltando à “Teoria Tridimensional”, cada um de seus elementos tem um foco:
– “Normativo: O aspecto de ordenamento do direito;
– Fático: O seu nicho social e histórico; e
– Axiológico: Os valores buscados pela sociedade, como a justiça”.
Similarmente, na análise do porto como “ente físico”, o foco seriam as instalações e suas relações com o espaço/território contíguo.
Mas um porto é mais que isso:
Além de sua dimensão física, da extensa literatura acumulada sobre o tema ao longo de séculos, poder-se-iam identificar ao menos 3 outras:
– Elo de cadeia logística;
– Agente econômico e social;
– Arranjo institucional/organizacional
Certamente Ortega y Gasset não pensava em porto quando enunciou: “Eu sou eu e minhas relações (circunstâncias)”. Mas talvez sejam os portos onde essa máxima se aplica com maior propriedade!
Eles surgiram e se desenvolveram para serem as interfaces entre os deslocamentos aquaviário e terrestre, de pessoas e produtos. Da mesma forma que eles, também os equipamentos, os processos e as organizações necessários àqueles deslocamentos se desenvolveram, constituindo-se o que hoje se denomina logística (algo bem além de transporte!). Os portos são, assim, “elos de cadeias logísticas”; necessariamente no plural, tanto porque eles dividem os segmentos aquaviários e terrestre, como porque os portos desempenham esse papel para múltiplas cadeias logísticas (diferentes origens, destinos e percursos).
Nesse caso, o foco da análise seria a carga.
Por outro lado, portos são também “agentes econômicos e sociais”. E isso, ao menos em dois sentidos:
– Eles gerem o fluxo de produtos e a presença destes nos mercados (ao menos temporalmente) podendo, com isso, alterar-lhes o valor. É o caso, por exemplo, das funções alfandegária e de vigilância sanitária.
– Sua existência, seu funcionamento e suas atividades geram riquezas; parte apropriada à economia estabelecida no seu entorno, fruto dos serviços que ele presta; parte nas regiões de onde provêm seus produtos. Sempre envolvendo, obviamente, a dimensão social.
O foco de análise, nesse caso, é a mercadoria.
Finalmente, e para que tais funções se efetivem, porto é também um ambiente onde atuam dúzias de agentes públicos (autoridades) e privados (operadores, sindicatos, arrendatários, prestadores de serviços, etc.). E, ademais, são agentes que atuam de forma bastante autônoma, inclusive a quase dezena de autoridades; sejam aquelas com atribuições formalmente definidas (em geral na linha hierárquica de ministérios diferentes, com corpos próprios de leis e normas, geralmente referenciados a capítulos diferentes da Constituição Federal!); sejam as intervenientes para funções e em casos específicos (Tribunais de Contas e Ministérios Públicos; p.ex).
Portos podem, assim, serem vistos como uma Parceria Público-Privada – PPP; ainda que implicitamente. E muito particular. No caso desse “arranjo institucional/organizacional” o foco é a governança; o que envolve o processo decisório, relações, normas…
Gerar e gerir estoques e fluxos é um desafio das análises econômico-financeiras. Analogicamente, essas 4 dimensões portuárias envolvem estoques e fluxos de cargas, pessoas, riquezas, tributos, informações, decisões…
Entender-se, assim, holisticamente (para usar termo da moda!) e tetradimensionalmente os portos (ente físico, carga, mercadoria, governança), modelando relações e funções (inclusive matemáticas!) entre elas, pode ser de grande contribuição, tanto para a elaboração como para a implementação e eficácia de planos, projetos e sistemas.
Um desafio para 2015!
Frederico Bussinger é ex-Secretário de Transportes de São Paulo; Presidente da CPTM e Diretor do Metrô/SP.