Pontos chaves:
1) A discussão do “como” pressupõe um “o que” explicitado, quantificado e pactuado.
2) Mais qualidade e preços menores são objetivos quase incompatíveis, com os arranjos existentes – “tarifa-zero”, então…
3) Soluções eficazes e sustentáveis para o transporte público nas cidades brasileiras demandam fontes novas e regulares de recursos; além de mudanças na nossa forma de planejar, projetar, autorizar, licenciar e gerir.
(*) Síntese das minhas intervenções no 1º painel do Seminário Nacional NTU/2014.
“Insanidade
é continuar fazendo sempre a mesma coisa
e esperar resultados diferentes”
[Albert Einstein]
“Nós devolvemos ao povo, de forma organizada,
o que dele aprendemos desorganizadamente”.
[Atribuída a Mao Tse Tung respondendo a Sartre sobre seu papel]
Quem assistiu ao debate dos presidenciáveis (26/AGO) constatou quão atual, quão oportuno é esse tema. Mas, também, que há perspectivas distintas e visões diferentes sobre o objeto da questão colocada: As demandas sociais. E, mesmo, aquelas específicas de transporte/mobilidade.
“Como” atende-las pressupõe respondidas 2 outras questões: “Se” serão atendidas e “o que” será atendido. Na verdade, melhor seria entender-se que se trata de uma trilogia interdependente; cada uma dependendo das outras 2.
Aparentemente não está claro, nem uma nem outra. Esclareça-se; explicitado e sócio-politicamente legitimado: Principalmente em casos semelhantes, pouco adianta um conjunto de verdades/objetivos pessoais! Talvez o óbvio não seja tão óbvio assim. Na hora de fazer, talvez o consenso seja menor que aparenta ser.
Já foi contado, mais vale repetir o que ouvi do embaixador e ex-ministro Ricupero: Em meados do Século XIX já havia razoável consenso quanto ao fim da escravidão no Brasil. Os que “mandavam no País” resolveram se reunir para estabelecer um plano para tanto: Abrangidos, eventuais indenizações, formas de inserção social (dos ex-escravos), instrumentos legais etc. Foi quando descobriram que havia muito mais divergências que consensos! P.ex: Propostas de cronograma iam desde “amplo, geral, irrestrito e já” até “gradualmente” e “até 1930”! Só para registro: A lei veio 40 anos depois e há indícios de escravidão até hoje…
Em relação ao “se”, importante começar por reconhecer-se que as manifestações venceram: Venceram de imediato ao fazer prefeitos e governadores, meio que intimidados, revogarem reajustes concedidos e já vigentes. Venceram no médio prazo ao dificultarem (constrangerem?) governantes a implementar novos reajustes; nesse caso com a contribuição da antevéspera do período eleitoral. Mas venceram, também, estrategicamente ao impor o eixo, a lógica do debate. A pauta, como dizem os jornalistas: A possibilidade, conjunta, de mais qualidade (o que quer que seja!) e menores custos. Nesse caso com a contribuição de políticos e da própria imprensa. Duas justificativas/fundamentações:
- Há ineficiências sistêmicas (o que é verdade!);
- Há “ralos” e/ou “superfaturamento” e/ou corrupção (hipóteses que nunca podem ser descartadas e, sempre que identificadas, devem ser punidas e corrigidas!). Os carimbos de “Caixas-Pretas”, “Barões do Asfalto”, etc. deram grande credibilidade às hipóteses!
Com esse quadro referencial CPIs foram instaladas. Governos-gestores foram respaldados para tirar da gaveta (ou acelerar a implantação) velhos projetos/medidas (em geral os “possíveis” e/ou mais baratos): É o caso das faixas exclusivas. E a “viúva” fez a sua parte: Desonerações Tributárias.
Pouco mais de um ano depois, qual o balanço? CPIs: As que tiveram resultados trouxeram algo impactante? E passados alguns meses sumiram do noticiário. Faixas: Trouxeram, sim, algum resultado (talvez aquém do esperado). Mas com o tempo houve/está havendo tensões a serem administradas (em muito pelo processo ter sido paralelo à implantação de ciclovias e motofaixas). Desoneração tributária: Foi/é pontual (há pouca margem para novas desonerações); desde que foram implantadas, seus efeitos foram quase todos “comidos” pela inflação.
Avanços limitados; soluções aparentemente tão ou mais distantes: Por que? O debate está mal posto; e a pauta, no mínimo, incompleta! A produção de TP de qualidade é cara (crescentemente cara!). E o principal: Mais qualidade e preços menores são objetivos quase incompatíveis, com os arranjos existentes – “tarifa-zero”, então… Direitos custam, como didaticamente mostrou a Prefeitura de Pelotas-RS.
A propósito; que qualidade? “O que” se reivindica e/ou se deseja atender? As manifestações falaram; a “voz das ruas” soaram altas! Mas, para que haja planos e projetos é necessário objetiva-la e, sempre que possível, quantifica-la. E isso é missão/responsabilidade dos técnicos e dirigentes do setor. P.ex, por meio de alguns atributos da qualidade de serviços de TP: Acessibilidade; intervalo (para a 1º condução); regularidade; confiabilidade; densidade (de ocupação do veículo); tempo de viagem; segurança (pessoal, patrimonial e dos equipamentos).
Saídas? Uma parte já sabemos … e vimos repetindo há décadas: O transporte coletivo – TC deve ter prioridade sobre o individual – TI. Alias, o TC não é um “direito do cidadão e dever do estado”? O TC deve usar parte segregada do viário estrutural/estratégico. Há necessidade dos diversos modos de transporte, que devem integrar-se física, operacional e tarifariamente. Transporte e uso do solo devem ser pensados e planejados conjuntamente; etc, etc.
A questão é que temos tido dificuldades para implantar o que pensamos, o que planejamos e, mesmo, o que projetamos. A causa não está no nosso modelo; na forma como o fazemos? Que tal: Ao invés de dados e ideias, partirmos do “problema a ser resolvido”? Focar também no processo (de planejamento), a par da elaboração do plano? Que tal mais e prévia participação e articulação; pactuação? Incluir todas variáveis necessárias para implementá-lo (fonte de recursos e “vontade política”; p.ex)? Em tempo: Planos de mobilidade urbana seriam mais eficazes se considerassem, conjuntamente, deslocamentos de pessoas, cargas e serviços. Também se trabalhassem com estatísticas de “Passageiro-Km”, que é mais representativo que apenas o “número de passageiros” para planejamento da mobilidade: É maior sua correlação com infraestrutura necessária, combustível consumido, emissões, etc.
Adiante, que tal uma lipoaspiração em nosso processo decisório de autorizações e licenciamentos, tão complexo e imprevisível? E, não menos importante, um modelo de gestão na linha do “o que é planejado acontece”.
Mas a sustentabilidade (física, operacional, econômica e, também, ambiental) das soluções para o TP nas cidades brasileiras requer mais: Demanda fontes, novas e permanentes de recursos; tanto para custeio como para investimentos. A fundamentação é conhecida: Além de usuários, todos os beneficiários devem contribuir para que se tenha um TP de qualidade. Experiência nessa linha é o Vale-Transporte (empregador). Possibilidades (razoavelmente) imediatas: REITUP (PLC 310/2009) e, em especial, a CIDE (Lei nº 10.336/01); hoje com alíquotas zeradas.
Ah! Urgência! Passivos vão se acumulando; uma bomba-relógio vai se armando na forma de subsídios dos tesouros que se elevam (nas cidades onde existem), déficits crescentes das operadoras estatais, “canibalização” de serviços e/ou ativos, e/ou desorganização do sistema público. Ou seja, os sistemas de TP nas cidades brasileiras estão ameaçados. Por isso é preciso pensar (e agir!) em relação a 2020, 30, 40… Mas também 2018, 16, 15 e, mesmo, ainda este 2014!
(**) Ex-Secretário de Transportes de São Paulo; Presidente da CPTM e SPTRANS; e Diretor do Metrô/SP.