Frederico Bussinger
Pontos-Chaves:
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Com a disponibilização dos estudos da ANTT o processo de discussão de renovações antecipadas das concessões ferroviárias mudaram, de novo, de patamar: agora as audiências públicas (EFC e EFVM).
Como era previsto, dentre as diversas oportunidades de reflexões e debates, dois temas se destacaram na concorridíssima AP de Belém, dia 27/AGO/2018: o valor da outorga (renovada) e a destinação dos recursos dela oriundos.
Esses temas têm suas complexidades naturais e próprias. Mas, muito possivelmente, lacunas de dados, informações e análises na documentação disponibilizada pela ANTT tenha contribuído para o tom emocional de muitas das 55 intervenções, e para a polarização dos debates:
- Os elementos fornecidos, via internet e na própria apresentação ao início da AP, confinaram o escopo da análise à ferrovia, em si. Mais particularmente à EFC; seu contrato e planos.
Lógico que a análise da “vantajosidade” pode se limitar a isso. Pode; mas deveria? O caso concreto, principalmente em se considerando haver ainda 9 anos de prazo contratual, não seria oportunidade preciosa para se refletir e discutir questões que são pano de fundo para tais definições?
P.ex: i) possibilidade e conveniência de vinculação de recursos (fiscais e parafiscais); ii) critérios para estabelecimento de valores para renovações antecipadas de concessões (não apenas ferroviárias), iii) sinergias e limites das relações público-privadas; iv) estratégia para priorização de investimentos, v) papel e metodologia de planejamento; vi) funcionamento e limites do pacto federativo corrente.
O foco, claro, é a renovação antecipada da EFC. Mas, certamente, o resultado dessa discussão é paradigmático. Não apenas para processos de renovação antecipada ou de concessões ferroviárias. Mas para o processo de tomada de decisão sobre ferrovias, transporte, e infraestrutura, em geral.
- Tarifa: O valor da tarifa a ser paga pela Vale (mineradora) à Vale (concessionária da EFC), considerada no estudo para o minério, foi de R$ 24,47/1.000 TKU. Todavia o tarifário da ANTT, para a EFC, fixa um valor 42% maior: R$ 34,79/1.000 TKU (Resolução nº 5.770; de 08/MAR/2018). Sabe-se que este é um valor-teto. Mas por que nos estudos, ao menos como alternativa, não foi utilizado o valor estabelecido pela própria ANTT? Por que um “desconto” assim tão grande?
Tais dúvidas ganham maior significado quando se sabe que a CVM já se debruçou sobre sub-tarifação para acionistas e controladores de concessão ferroviária (naquele caso, a MRS; mas, coincidentemente, envolvendo a própria Vale); a partir de 18/OUT/2002. A decisão, de 31/JUL/2007, é clara e peremptória.
Dela vale destacar um dos considerandos (Item-321; pg.71), por aparente afinidade à análise da EFC: “Em razão da má gestão tarifária, caracterizada por tarifas subavaliadas, em benefícios dos clientes cativos-controladores…”.
Menção a esse processo da CVM, nos atuais estudos sobre a EFC, evidentemente não seria obrigatória. Mas, certamente, se incluído na análise, poderia ser subsídio importante para esclarecer uma dúvida levantada, de diversas formas, na AP/Belém: se o valor do tarifário adotado fosse o fixado pela ANTT, haveria algum resíduo dos investimentos feitos pela Vale para expansão da EFC a ser indenizado ao final do contrato, em 2027? Se sim, quanto?
Resposta a essas questões poderiam lançar novas luzes, objetivas, sobre o dimensionamento do valor da outorga (para surpresa e inconformismo de muitos, negativo em R$ 2,177 bilhões nos estudos). Por isso, seria importante a ANTT complementar a documentação disponibilizada, incluindo as principais peças desse processo da CVM.
- Autorização: A propósito, o relatório informa que a expansão para atender o projeto S11D foi “autorizado” pela ANTT, por meio da Deliberação nº 362, de 19/DEZ/2013 (Item 160; pg. 50). Que pressupostos, e que condicionantes, constam dessa “autorização”? Tal informação é essencial, visto que essa é a principal fonte dos passivos e dos ressarcimentos.
Seria importante que tal Deliberação fosse incluída entre os documentos disponibilizados; visto que, salvo engano, ela não é acessável via internet.
- CADE: O Ato de Concentração nº 08000.013801/97 (AC nº 155/97), aprovado por unanimidade em 30/MAI/2001, analisou os contratos de concessão da EFC e EFVM.
Do Acórdão vale destacar, como um dos condicionantes: “(1) Determinação de criação de subsidiárias integrais, uma para a EFVM e outra para a EFC;”. E o respectivo relatório acrescenta: “… para as quais deverão ser repassadas as concessões e os ativos aplicados nos serviços de transporte ferroviário, permitindo a separação jurídica entre estes serviços e as demais atividades operacionais da CVRD”.
A Vale recorreu. O CADE, agora por maioria, aceitou a separação contábil como “solução equivalente” à “separação jurídica”; à subsidiária integral. Em decorrência, foram assinados os respectivos “termos de compromisso” (EFC) com a União, por meio do MT.
De novo, menção a esse processo do CADE, nos atuais estudos sobre a EFC, evidentemente não seria obrigatória. Mas poderia ajudar a esclarecer questões importantes para a avaliação da “vantajosidade” do encaminhamento ora proposto. P.ex: A separação da contabilidade foi, efetivamente, equivalente ao determinado originalmente pelo CADE; a subsidiária integral? Os resultados do estudo da ANTT seriam os mesmos?
Neste caso, mais até que disponibilizar as principais peças do processo do CADE, talvez fosse o caso de submeter tal avaliação ao próprio Conselho, vez que ele se debruçou sobre o tema e já tomou decisões à respeito.
Alias, até em cumprimento à “Lei do PPI” (Lei nº 13.334/2016): seu art. 6º-III dispõe sobre a participação do CADE nos processos, de forma a “tornar estáveis as políticas de Estado”; objetivo alardeado amiúde: “articulação com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, bem como com a Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE do Ministério da Fazenda, para fins de compliance com a defesa da concorrência”.
- Além dessa, há uma outra potencial dimensão concorrencial: a da indústria/mercado mineral.
A EFC nasceu para viabilizar o acesso do minério de ferro produzido nas minas da Serra dos Carajás ao Terminal da Ponta da Madeira no Maranhã. Daí, certamente, o porquê ter sido ela caracterizada como uma “ferrovia de cunho preponderantemente industrial” (Decreto nº 77.608/76).
Mas essa concessão foi extinta quando da desestatização da Companhia: no lugar foi outorgada uma nova concessão; esta, agora, como um serviço público (Decreto nº 5.481/97). Na prática, porém, a EFC segue sendo algo como uma “correia transportadora” da Vale: em 2017, 98% do volume de cargas movimentadas pela EFC foram de minério de ferro (Item-19 do Relatório).
A Vale é uma referência em termos de mineração, de logística e de exportação. Motivo de orgulho para o Brasil e os brasileiros. Mas isso não impede que se coteje as alternativas do renovar X re-licitar, p.ex, para a efetivação da produção em uma dúzia e meia de sítios minerários no sul do Pará (estimadas 80 Mt/ano); potenciais concorrentes, incidentalmente, da própria Vale – concessionária da EFC.
Dados a respeito, e análises detalhadas não constam dos estudos da ANTT: não seriam eles pertinentes à avaliação da “vantajosidade” das alternativas?
- Tais lacunas são importantes para qualquer das interpretações possíveis para o art. 8o da Lei nº 13.348/2017 que, na verdade, estabelece diretrizes para aspectos específicos da “Lei do PPI”; qual seja: prorrogações e re-licitações: “Caberá ao órgão ou à entidade competente …, realizar estudo técnico prévio que fundamente a vantagem da prorrogação do contrato de parceria em relação à realização de nova licitação para o empreendimento”; que é o que foi feito pela ANTT e agora disponibilizado publicamente, em cumprimento ao art. 5º da Portaria nº 399/2015 do MT: “A prorrogação do contrato de concessão deverá ser submetida ao Processo de Participação e Controle Social a fim de garantir o direito de manifestação de todos os interessados”.
As “alternativas regulatórias” foram analisadas no Item 5.3.2 do relatório (pg. 26ss): 5 ao todo. A expectativa era de que a análise da “vantajosidade” fosse feita cotejando-se o renovar versus o re-licitar.
Mas não foi esse o encaminhamento dado: as 4 primeiras alternativas tratam, na verdade, de variantes da renovação. E a 5ª, incluída por determinação do TCU (TC-009.032/2016-9), conforme nota de rodapé do relatório, trata de “encampação”.
É possível, até, que encampação fosse um meio necessário e prévio para a re-licitação. Mas isso é, apenas, uma das hipóteses (vide art. 15 do Contrato de Concessão): uma conclusão mais fundamentada dependeria do preenchimento das lacunas anteriormente arroladas.
O fato concreto é que a alternativa da re-licitação não chegou efetivamente a ser analisada, de forma consistentemente; lacuna que seria importante ser preenchida para uma avaliação final.
Para além do formal…
- “Vantajosidade” em relação a que? Vê-se agora, após análise da documentação e das primeiras discussões públicas, que a Lei não o esclarece. Neste caso, uma lacuna da própria Lei: na ausência de clareza, interpretações distintas e análises subjetivas vicejam. Imprevisibilidade e insegurança são consequências mais que esperadas!
“Para o empreendimento”, os estudos fornecem elementos e são conclusivos: é vantajoso para a EFC e para Vale a renovação antecipada. Para a indústria ferroviária e para os trabalhadores diretos do empreendimento, viu-se na AP, também. Mas só?
P.ex: Aumentar a participação dos modos não-rodoviários (ferroviário, à frente!), equilibrar a matriz de transportes, é um dos objetivos de praticamente todos os planos do setor, há várias décadas. PNLT entre eles; mencionando-o, expressamente, em vários trechos.
O PNL, recém lançado, utilizado oracularmente para fundamentar “técnica” e/ou “cientificamente” as definições de investimento do PPI, é sempre apresentado como a principal referência para as renovações antecipadas das concessões ferroviárias. Alias, para as decisões sobre o setor, como um todo. Ele vai também nessa linha de “equilibrar a matriz de transportes” (pg. 11; 18; 35; 77, explicitamente, e como variável considerada na montagem da “Carteira de Projetos” do PIL).
Por que, então, esse objetivo, essa diretriz não é uma das variáveis explicitadas na documentação disponibilizada? Não seria um fator central na avaliação da tal “vantajosidade”? Em que grau o modelo adotado para a EFC contribui para o aumento da participação ferroviária na matriz de transportes brasileira?
- Da mesma forma, a óbvia correlação entre infraestrutura de transportes e desenvolvimento regional é explicitada pelo PNLT e, principalmente, pelo PNL. P.ex: “Sendo assim, a infraestrutura de transportes é fundamental para contribuir com o desenvolvimento do País, possibilitando a redução de custos de produção, a aproximação de mercados e a criação de oportunidades de negócio. Nesse sentido, os investimentos devem ser corretamente alocados de forma a alterar as rendas regionais relativas, e proporcionar o desenvolvimento regional e nacional” (Pg. 10).
Se é uma correlação óbvia; se é um objetivo, não deveria ter sido analisada? Ou é apenas intenção/discurso?
No caso concreto: cotejando-se as alternativas renovar X re-licitar, que diferenças são possíveis de serem encontradas entre parâmetros como empregos gerados, renda agregada, tributos recolhidos, variação de PIB e IDH?
Vale lembrar que a literatura mais atual e as melhores práticas sobre o tema estão orientadas em direção a análises integradas de impactos: tanto os negativos como os positivos; tanto os ambientais como os econômicos e sociais. Ou seja, abrangendo, em sua plenitude, o normalmente considerado como desenvolvimento regional.
Salvo engano, o que mais próximo disso passa são os “investimentos para redução dos conflitos urbanos” (Item-74). Mesmo assim, além de ser uma intervenção para corrigir problemas gerados (mitigadora), é uma intervenção de interesse urbano e social, sim; mas, também, de interesse da ferrovia.
De qualquer forma, o montante dos investimentos previstos ao longo dos 39 anos é, apenas, de R$ 243 milhões (2,1% dos investimentos totais previstos – CAPEX). E, isso, ainda dividido entre os Estados.
Nenhuma compensação ao Pará, de cujo subsolo provem quase que a totalidade das cargas transportadas pela EFC? Na verdade, sua razão de ser! Nenhuma participação nessa riqueza gerada?
A “reciclagem” de bens não renováveis em infraestrutura, a fim de seguir contribuindo para a geração de riquezas, é uma das motivações dos “fundos soberanos” (Kuwait o pioneiro; Noruega o maior).
Justiça seja feita: a ANTT desenvolveu/desenvolve suas análises sobre bases bastante movediças!
Por um lado um contrato de concessão com diversas lacunas, conflitos e dubiedades. P.ex: como compatibilizar os § 3º e § 4º da sua Cláusula 3ª? E os Incisos-I e III da Cláusula 16?
Por outro, a ANTT explica, sistematicamente, que a ela “… cabe a implementação das políticas públicas formuladas pelo poder executivo, em sua área de competência, consoante art. 20, I, da Lei nº 10.233/01…” (Item-23 do Relatório; p.ex). Nesse sentido, refere-se à Portaria nº 399/2015 do MT como o instrumento balizador de tal política pública; portaria que veio a ser regulamentada pela Resolução ANTT nº 4.975/2015.
O exame desses diplomas revela, efetivamente, que seus dispositivos estão focados na ferrovia, no contrato, na concessão, etc. População, economia, desenvolvimento, sociedade, Estado(s), Brasil… só com lupa nas entrelinhas.
E, mesmo os empregos, renda, tributos, etc. gerados pelos investimentos viabilizados pela renovação antecipada (argumento utilizado por alguns na AP), tampouco são exclusivos: eles seriam gerados, talvez até em maior grau, na hipótese da re-licitação da EFC e destinação da outorga auferível (da ordem de R$ 15 bilhões) à implantação de ferrovias green-field: seja ela a FICO (anunciada), a FNS/Açailândia-Barcarena (prometida) ou a “Ferrovia Paraense” (pleiteada).
Em suma, visto do ponto de vista estritamente formal, os técnicos da ANTT fizeram o que lhes foi determinado pelas 2 leis, pela Portaria e pela Resolução mencionadas… vez que o PNLT e o PNL não são textos legais.
No momento em que o futuro do País está em discussão; no momento em que praticamente todos os subsetores são trazidos à baila para serem repensados, certamente o cotejamento da “vantajosidade” do renovar X re-licitar precisaria ter seu escopo ampliado… para bem, inclusive, da “causa ferroviária”.
Nesse sentido, o mais indicado seria rever-se e disponibilizar-se uma 2ª versão do Relatório, que preenchesse tais lacunas e incluísse esses outros aspectos analíticos.
Mas, no mínimo, a ANTT poderia incluir as informações, acima indicadas, na documentação disponibilizada para efetivamente viabilizar melhor análise e, em última instância, “o processo de participação e controle social” de que fala a citada Portaria.
E isso, ainda ao longo do processo em curso; antes de sua conclusão prevista para 24/SET próximo, de forma a plenamente “garantir o direito de manifestação de todos os interessados”; também de que fala a Portaria.
Um registro final; que me dispenso de peroração antes os artigos escritos, palestras feitas e participações em paineis. Entendo e defendo: i) A importância da ferrovia (em termos logísticos, urbanos e ambientais); ii) A necessidade de aumento de sua participação na matriz de transportes; iii) A utilização da oportunidades que o processo de renovação propiciona. Incluindo as renovações antecipadas.
Repito; o Brasil precisa da EFC, da EFVM, da FNS acessando Barcarena, e das novas ferrovias para atender às demandas e impulsionar o desenvolvimento do ES, RJ, MT e PA. E já!
(*) Baseado no roteiro da manifestação do autor na AP da EFC de Belém: 27/AGO/2018.