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A verdadeira crise da Hidrovia Tietê-Paraná

Pedro Pedro Victoria Junior*

“Para o progresso do mal, basta o silêncio dos bons.”
Martin Luther King

 

A carga transportada na hidrovia Tietê-Paraná cresceu a taxas superiores a 10% ao ano por um longo período. Era o modal de cargas que mais crescia no Estado de São Paulo.

Além de grãos, novas cargas como celulose e etanol iniciavam seus planos para se estabelecerem no sistema.

Um plano conjunto dos Governos Federal e Estadual pretendia investir R$ 2 bilhões em obras de melhorias e expansões, projetando um sistema para até 15 milhões de t por ano.

A Tietê-Paraná se firmava como alternativa de transporte na movimentação de cargas na região sudeste, interligando importantes áreas como as regiões agrícolas do centro-oeste, a zona sucroalcooleira, a região metropolitana de São Paulo e o porto de Santos.

Desenhava-se um cenário logístico único no Brasil, onde um produtor de grãos teria à sua disposição três alternativas modais possíveis: rodoviária, ferroviária e hidroviária.

Encaixava com o discurso da época de “equilibrar a matriz de transporte”, desconcentrando a participação do modal rodoviário em favor dos modais ferro e hidroviário.

Infelizmente o cenário atual é bem diferente.

O volume de carga transportada diminuiu em 2020.

Há apenas uma obra em construção na hidrovia. O Canal de Avanhandava, obra estratégica para o setor, está parada há dois anos, sem perspectiva de retomada. O próprio protocolo entre os Governos Federal e Estadual não tem garantida sua continuidade.

O que aconteceu desde então?

Não é uma pergunta tão fácil de ser respondida. Não existe um único fator que contribuiu para que isso acontecesse, mas, com certeza, as reincidentes “crises hídricas” foram decisivas.

Não é viável utilizar uma via como sistema logístico que não tenha garantia de funcionamento em um determinado período.

O período entre outubro e fevereiro tornou-se um verdadeiro pesadelo para os operadores da hidrovia. O volume dos reservatórios na região cai a níveis críticos, interferido na navegação, até a sua total suspensão.

Em 2001, na primeira “crise hídrica” a hidrovia operou meses com calado reduzido e restrições de horário, apesar de não ter interrompido totalmente sua operação.

Já em 2014 a hidrovia ficou 20 meses com sua operação suspensa, vítima de nova “crise hídrica”.

Essa ameaça reapareceu em 2018 e 2019 e finalmente materializou-se neste ano.

A lógica evocada é perversa.

Choveu menos que o esperado, os reservatórios das usinas hidroelétricas não encheram o suficiente e será necessário abaixar os níveis aquém dos mínimos para a navegação, caso contrário faltará energia.

Uma crise que aconteça uma vez surpreende. Dificulta uma resposta. Tem, em geral, consequências sérias.

Uma crise que acontece repetidas vezes apenas evidencia a dificuldade dos responsáveis em resolvê-la.

Nesse ponto, artigo publicado na Folha de São Paulo, com o título “Alertas do TCU sobre sistema elétrico foram ignorados desde 2010” esclarece em parte os problemas reais.

Causas como falhas no planejamento, superavaliação da energia gerada, atraso na entrega de obras e elevado nível de perda de energia pelo sistema vêm sendo alertadas, sem que tenha havido uma resposta eficiente por parte do setor elétrico.

A falta de chuva é fato. As dificuldades do setor elétrico também. O que não é aceitável é que todo o problema seja creditado à “crise hídrica”, fato imprevisível e extraordinário, tendo a natureza como única responsável.

Por essa lógica, as respostas ao problema são burocráticas: repasse de custos à tarifa elétrica e prejuízo aos demais usos, esse último amparado por declaração de emergência hídrica.

Essa lógica precisa mudar.

Não é extraordinário um evento que ocorre pelo menos 3 vezes no intervalo de 20 anos. Duas vezes nos últimos 7 anos.

É preciso entender que a escassez de água pode representar restrições ou racionamento para o setor elétrico, enquanto para o setor hidroviário, além de suspender totalmente a operação, abala irremediavelmente sua credibilidade, comprometendo todo investimento que foi feito em comboios, terminais e infraestrutura.

*Engenheiro Civil, Especialista em Transportes e Gestão de Projetos
Consultor do Núcleo Hidroviário do IDELT

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