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Por que as hidrovias dão certo nos Estados Unidos e na Europa e o que falta para o Brasil? Parte I


Pedro Victoria Junior*

Desnecessário dizer a todos que têm algum conhecimento da área hidroviária que responder a essa questão é uma missão inglória. A intenção aqui, antes de tentar esgotar o assunto, é a de oferecer elementos para uma reflexão e debate sobre o que está sendo perguntado.

Como o tema é extenso, resolvemos dividi-lo em duas partes, sendo esta a primeira, que irá tratar de dois pontos.

Um primeiro ponto refere-se à forma como os técnicos e gestores abordam o assunto sistema hidroviário de um modo geral, e do brasileiro em particular. A maioria dos nossos hidroviaristas, talvez por seu conteúdo sedutor, acabam desenvolvendo um discurso e postura muito positivos e otimistas sobre o modo hidroviário, até um tanto romantizados.

Nos incontáveis congressos, seminários, eventos e reuniões de que participamos, ouve-se à exaustão frases sobre o modal hidroviário ser o mais econômico, o mais ambientalmente amigável (as vezes o adjetivo é trocado por sustentável), o mais seguro e outros que tais.

Em seguida, na linha da sedução, mostram-se as maravilhas dos sistemas hidroviários da Europa e dos Estados Unidos, deixando implícito que poderíamos copiar esses exemplos, não fossem a falta de vontade política, a prepotência do setor elétrico e outros fatores, sempre externos.

Conclui-se, mostrando o enorme potencial hidroviário de que o Brasil dispõe.

Esse discurso dá sinais claros de exaustão e tem apresentado pouco resultado.

Já passou do tempo de muda-lo.

Alguns pontos devem ser ajustados. Por exemplo, o verdadeiro potencial de nossas hidrovias.

Que temos um grande potencial hidroviário é inegável. Basta olhar para um mapa hidrográfico do Brasil. O site Ranking America coloca o Brasil como terceiro país do mundo em extensão de vias navegáveis, atrás apenas de China e Rússia.

Esses fatos, entretanto, não permitem concluir que temos um “potencial hidroviário” semelhante ao de Estados Unidos, Europa, China e Rússia, ou que tenhamos 5 Mississippis, como já afirmaram.

O verdadeiro potencial de transporte vem da comunhão, da convergência entre demanda e oferta. Nem todos os nossos rios têm seus estirões coincidentes com os principais eixos logísticos e, quando os têm, como as Hidrovias Teles Pires-Tapajós, Tocantins-Araguaia e Tietê-Paraná, apresentam-se com trechos em planalto, exigindo-se custosas obras para completar sua navegabilidade.

A Hidrovia Tietê-Paraná, por exemplo, é provavelmente a hidrovia mais alta do mundo, navegável até a cota 451,50 m.s.n.m., enquanto o ponto máximo do Reno é 280,0 m.s.n.m. (Basel, na Suíça) e do Mississippi 244,0 m.s.n.m. (Minneapolis-St.Paul).

Em termos de demanda, de acordo com o Plano Hidroviário Estratégico – PHE, elaborado pelo Ministério da Infraestrutura, se o Brasil implementar extenso programa, estaremos transportando em todas as nossas hidrovias, no ano de 2.031, 120 milhões de t.

O sistema do Reno transporta hoje 350 milhões, o Mississippi 650 milhões, o Yang-Tsé 500 milhões.

O segundo ponto diz respeito à gestão das hidrovias.

Se queremos implantar hidrovias no Brasil, precisamos de técnicos, muitos e aprofundados estudos e instituições que defendam a causa hidroviária. Essa é a base para se produzir a tão desejada vontade política.

Nos Estados Unidos, o USACE (US Army Corps of Engineer) é responsável pela implantação e gestão das hidrovias desde 1.802. Somente a Divisão do Vale do Mississippi (MVD) conta com 4.500 servidores.

O Congresso americano discutiu por 30 anos as obras de ampliação do trecho do Alto Mississippi (Upper Mississippi), até ser produzido consenso sobre a necessidade e viabilidade do empreendimento.

A Comissão Central para a Navegação do Reno, que congrega os países banhados pelo rio, foi fundada em 1.868.

No Danúbio, além da Comissão do Danúbio, cada país é responsável por administrar o trecho de rio em seu território. A ViaDonau, por exemplo, empresa austríaca responsável por administrar 350 km de hidrovia, tem uma estrutura que conta com 260 funcionários.

Também a Europa discutiu outros 30 anos até executarem a ligação entre essas duas bacias, a ligação Reno-Meno-Danúbio.

O DNIT dispõe de poucos e abnegados funcionários na Diretoria de Transporte Aquaviário (DAQ) em Brasília e mais outros tantos, agora locados nas Superintendências Regionais, para administrar, segundo seus próprios dados, 19.502,7 km de malha priorizada de hidrovias. Em recente evento no Instituto de Engenharia, um técnico da DAQ apresentou dados demonstrando que o DNIT há anos não consegue executar os recursos que lhe são destinados para o setor hidroviário.

O Departamento Hidroviário – DH, da Secretaria de Logística e Transportes do Estado de São Paulo, tinha recursos para plano de investimentos de R$ 2 bilhões em obras, no período de 2011 – 2016. Mais uma vez, graças a um enorme esforço de seus funcionários, executou até o momento algo próximo de 20% desse total.

Isso nos faz lembrar uma célebre frase de autor desconhecido, que diz:

A definição de insanidade é fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes.

*Engenheiro Civil, Especialista em Transportes e Gestão de Projetos
Consultor do Núcleo Hidroviário do IDELT

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