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Por que as hidrovias dão certo nos Estados Unidos e na Europa e o que falta para o Brasil? Parte II

hidroviário e as diversas esferas de gestão da navegação interior.

Nesta segunda parte, na mesma linha anterior, a de contribuir para a reflexão e o debate, pretendemos abordar dois outros pontos: o planejamento do setor e a questão dos recursos hídricos.

No tange à questão do planejamento, a navegação interior sempre sentiu falta de um processo contínuo.

Em 1869, o Engenheiro Militar Eduardo José de Moraes, publicou estudo intitulado “Navegação interior do Brasil”, em que propunha uma rede de navegação fluvial, abrangendo grande extensão do território nacional, interconectando as bacias fluviais através de canais de partilha.

A esse plano sucederam outros como Queiroz (1882), Rodrigo Augusto da Silva (1886), Paulo de Frontin (1927) e o primeiro oficial Plano Geral de Viação Nacional (1934), que, em maior ou menor grau, jamais deixaram de propor o uso dos rios como vias de transporte.

Mais recentes, destaques para o Plano Nacional de Vias Navegáveis Interiores – PNVNI (1989), um excepcional e exaustivo levantamento dos potenciais navegáveis de nossos rios e o Plano Nacional de Logística e Transportes – PNLT (2012), que propunha uma redistribuição da matriz de transportes, com forte incremento da participação do modal hidroviário.

O plano atual, Plano Nacional de Logística – 2035, elaborado pela Empresa Brasileira de Logística – EPL, ainda que modesto com relação ao modal hidroviário, não deixa de trazer propostas para o setor.

Causa estranheza, no entanto, a descontinuidade entre os planos elaborados. Não é que de um plano para outro tenha havido uma atualização ou ajustes. A cada plano elaborado e publicado os objetivos, metas, empreendimentos e orçamento se alteram substancialmente.

Assim, o Plano Nacional de Logística e Transportes (na parte hidroviária) é muito diferente do Plano Hidroviário Estratégico, que por sua vez não guarda similaridade com o Plano Nacional de Logística (também referente a parte hidroviária e este vigente).

Em menos de 10 anos, passou-se de um plano que propunha um aumento da participação do transporte hidroviário na matriz brasileira de 12 para 28% (PNLT), para outro que não prevê aumento nenhum (PNL-2035).

Nenhum desses planos foi estruturado, iniciado e acompanhado. A sua vigência é indefinida.

A Hidrovia Tietê-Paraná exigiu 3 décadas de obras para iniciar sua operação em grande escala. A construção de eclusas, canais, remoção de obstáculos e balizamento foi sendo realizada em etapas, e até hoje convive com restrições que vêm sendo removidas, sem que se tenha uma data prevista para sua conclusão.

Miritituba, hoje um grande complexo de terminais hidroviários, passou a constar dos mapas hidroviários apenas recentemente. Planos mais antigos não citam esse nome.

Os exemplos de exploração hidroviária de que dispomos ou são obras da natureza, como os rios da bacia amazônica, ou inciativas próprias, desconectadas de um plano nacional mais geral.

Não nos falta competência. Dispomos de bons técnicos e nenhum dos planos citados é desprovido de bom conteúdo. Porém, é necessário elaborar um plano com maior consenso, realismo e principalmente continuidade.

Outra questão importante, que ajuda a explicar, em parte, as dificuldades do desenvolvimento do setor é a política de recursos hídricos.

No papel ela é repleta de boas intenções.

A Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, conhecida como Lei das Águas, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, traz diversos artigos que tratam direta e indiretamente da questão do transporte hidroviário. Destacamos o parágrafo II, do art. 2º, que estabelece que um dos objetivos dessa Política é garantir “a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável”.

Também a Lei nº 13.081, de 2 de janeiro de 2015, que dispõe sobre a construção e a operação de eclusas, representa um avanço no aproveitamento de rios para o transporte.

Entretanto, não foram eficazes para impedir a supremacia do setor elétrico perante os demais usos.

Primeiro, essas leis são tardias. Somente foram promulgadas após importantes rios como o Grande, Paranapanema, Paranaíba e outros menores terem sua navegabilidade comprometida com a construção de usinas hidroelétricas sem eclusas.

Segundo, mesmo vigentes deixam brechas que permitem que os interesses do setor hidroviário sejam deixados em segundo plano.

Embora as leis citadas deixem claro que não existe a prevalência de um setor sobre os demais quanto aos usos dos recursos hídricos, permanece vigente o instituto do Inventário Hidroelétrico.

Elaborado por interessados do setor e registrado pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, o inventário, após aprovado, assegura a seu executor direitos, com difícil reversão sobre seu conteúdo.

Se realmente a lógica da Política Nacional de Recursos Hídricos é a de proporcionar o uso múltiplo das águas, não pode um único setor ser responsável pelo inventário de um rio. Se assim permanecer, certamente os inventários serão realizados sob a ótica da geração de energia, nem sempre a melhor para a prática da navegação. A navegação torna-se dependente, atrelada à implantação de usinas hidroelétricas e, portanto, à lógica e interesse do setor elétrico.

Os bons exemplos mundiais, nos quais a navegação interior prosperou, como no alto Mississipi, Reno, Danúbio e Ródano, seus aproveitamentos foram sempre concebidos como de usos múltiplos, em alguns casos, como do alto Mississipi, com baixo aproveitamento hidroelétrico.

As usinas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, são testemunhas de que ainda hoje é possível construir-se hidroelétricas sem eclusas.

O inventário do rio Tapajós prevê a construção de grandes barragens em terras ambientalmente sensíveis e com presença de povos originários, dificultando sobremaneira qualquer avanço de seu aproveitamento. É o caso de se questionar se obras menores, com menores impactos não permitiriam ampliar a navegação, sem a necessidade de construção de grandes barramentos.

E não se esgotam por aí casos em que a lei e a política vigentes não são suficientes para garantirem os interesses e o desenvolvimento do setor hidroviário.

Nos dois artigos apresentados, foram abordados 4 aspectos que, do meu ponto de vista, prejudicam o desenvolvimento das hidrovias interiores no Brasil.

Certamente existem outros.

A favor, a agenda de mudanças climáticas, o crescimento do agronegócio, o fortalecimento do arco norte são oportunidades que se apresentam.

É preciso perseverar.

 

Pedro Victoria

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