Frederico Bussinger
O anúncio previsto para a cerimônia de comemoração dos 132 anos do Porto de Santos, neste 2/FEV/24, com presença do Presidente, Governador, Ministro, parlamentares e outras autoridades, tem implicações para além da obra em si: um túnel, 53 anos depois da 1ª ligação seca Santos-Guarujá (SP-055). Com 860 metros de extensão, permitirá reduzir o atual trajeto terrestre de algo como 50 para 2 a 3 km; e de mais de 1 hora para poucos minutos: no curto prazo, impacto no dia a dia de mais de 150 mil pessoas.
Portuariamente, talvez surpreenda alguns, seu maior benefício não será em terra; mas na água: diminuição da movimentação de balsas na (estreita) entrada do Porto; reduzindo a impedância entre os fluxos e, inclusive, aumentando a segurança de operações com mega-navios, como a do “MSC Natasha XIII“ (366 metros – recorde!), incidentalmente ocorrida ontem.
A opção locacional de um túnel vem se consolidando desde o projeto contratado pela Codesp e apresentado em 1997 pela respeitada projetista Figueiredo Ferraz.
Mas desde 2018, quando o tema voltou à baila, polêmicas não faltaram: inicialmente, mesmo sem ter-se totalmente claro o problema a ser resolvido ou os drivers em questão, opiniões/interesses se polarizaram entre as alternativas ponte X túnel. No ano seguinte a desestatização da administradora portuária (APS; ex-Codesp) entrou em pauta e as discussões se entrelaçaram: mais calor no debate!
Nas audiências públicas, no início de 2022, tomou-se conhecimento que o Governo Federal havia optado pela alternativa túnel, e da grande novidade: o empreendimento fora incluído (2.46.51) na modelagem da concessão. A polêmica, a partir de então, passou a ser a financiabilidade (“carga bancando a implantação do túnel”?) e a governança do empreendimento (operação pelo concessionário ou SPE independente?). Essa discussão chegou ao TCU na sua última sessão do ano (min 45.30). Foi inconclusiva, porém, face aos 3 pedidos de vista por razões distintas; e no aguardo da posse do novo governo.
Nesse último ano, primeiro das novas gestões, as escaramuças se deslocaram para a implantação do túnel: fonte de recursos, projeto, licenciamento, condução, etc. Como tanto a União como o Estado demonstravam vontade/determinação, e tinham (e têm!), reconhecidamente, “bala-na-agulha”, seja para implantá-lo, seja para impedir que seja implantado, o prosseguimento da disputa significava um risco, real, para o empreendimento.
Por isso, o acordo, definido no último 30/JAN, em Brasília, e previsto para ser publicamente anunciado hoje, reduz esse risco e merece ser aplaudido com um misto de alívio e entusiasmo. Por esse grande passo, no sentido de se aproveitar essa singular janela de oportunidades, Presidente e Governador merecem ser parabenizados!
Por ora, o que se veicula é que os custos de implantação (CAPEX) serão partilhados; algo já muito importante. Desde logo, para se reduzir o aporte do caixa da APS, possibilitando redestinar-se a diferença para outras importantes intervenções no Porto, propriamente dito. Várias delas previstas no PDZ e no Plano Mestre; como os precários acessos terrestres.
Mas quiçá também o OPEX possa integrar esse arranjo; dado ser o VPL do empreendimento fortemente negativo: quando o CAPEX ainda era de R$ 3,5 bilhões, o VPL era de -R$ 2,3 bilhões, segundo relatório analisado pelo TCU. Mas, hoje, quando se fala em CAPEX de R$ 6 bilhões, tanto a cogitação de modelo PPP parece inexorável, como tal parceria se mostra ainda mais importante para que o túnel submerso se mantenha em condições operacionais adequadas ao longo do tempo.
E há fundamento para isso, pois ele é essencialmente uma infraestrutura de mobilidade metropolitana, abrangendo tráfego de carros e caminhões, mas também de transporte público. Assim, ele tem potencial para reconfigurar a mobilidade dos municípios e da própria Baixada Santista; na linha do cogitado para o região da Foz do Itajaí-Açu (SC), com o projeto do túnel Itajaí-Navegantes.
Como tal, elas são infraestruturas vocacionadas a exercer “Função pública de interesse comum” – FPIC, no espírito/contornos do “Estatuto da Metrópole” (aperfeiçoado pela Lei nº 13.683/18): “política pública ou ação nela inserida cuja realização por parte de um Município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto em Municípios limítrofes” (art. 2º; II).
E, por conseguinte, candidato a ser implantado e gerido sob uma “Governança Interfederativa”, que eventualmente também inclua as respectivas prefeituras: “compartilhamento de responsabilidades e ações entre entes da Federação em termos de organização, planejamento e execução de FPICs” (art. 2º; IV).
Em síntese, afora o objetivo específico (implantar-se e operar-se o túnel submerso), essa experiência pode também vir a se converter em um “case” desse instrumento, até hoje pouco praticado e ainda não consolidado. E em benchmarking para outros empreendimentos infraestruturais e/ou de serviços que envolvam a União, Estados e Municípios.