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PERISCÓPIO 160: Novidades e desafios na desestatização portuária de Santos


Frederico Bussinger

A primeira novidade é processual: diferentemente do sigilo adotado em processos anteriores, alvo de inúmeras críticas no setor, a documentação da desestatização da SPA (Porto de Santos), encaminhada ao TCU, foi disponibilizada na internet pela Antaq poucos dias depois: parabéns à Agência, Tribunal e Minfra!

Mas há mais novidades nos 29 documentos (1.050 pgs). De uma primeira leitura, destacam-se três: as que versam sobre a Poligonal, “Ligação Seca Santos-Guarujá” (túnel) e critério de participação.

Pela modelagem inicial o concessionário apenas financiaria os investimentos do túnel; cabendo a uma SPE específica sua implantação, operação e exploração. Essa ideia foi abandonada e, agora, Porto e túnel estão sob a mesma concessão (“Ato Justificatório” – AJ – pg. 10).

Às vésperas da 1º Audiência Pública da desestatização (10/FEV/22), e um ano e meio após a modificação anterior, a Portaria nº 66 (18/JAN/22) definiu uma nova Poligonal; praticamente duplicando a Área do Porto Organizado – APO de Santos. Similar e simetricamente, um mês antes da documentação chegar ao TCU (23/AGO/22), o Minfra abriu Consulta Pública sobre uma proposta de redução da APO (quantitativamente similar à de 2020 e 2018, mas qualitativamente delas distintas). A Consulta está encerrada, o relatório elaborado, mas ainda não foi publicada a respectiva portaria oficializando-a, razão pela qual o AJ (pg. 5) faz uma ressalva: “… após a Portaria, com a definição da nova poligonal, essa Nota Técnica será atualizada”. Entende-se, assim, que a documentação encaminhada ao TCU ainda pode sofrer alterações.

Afora esse aspecto formal, e além da exclusão das grandes áreas de Bagres e Caneú, há ainda o STS-10, considerado a “joia-da-coroa” que, ao que tudo indica, será leiloado à parte. Com o que, de relevante, poderá contar o concessionário para expansões? O interesse na desestatização da SPA será reduzido? É o que incisivamente arguiram algumas “Contribuições” na recente Consulta Pública.

Quantitativamente, houve pequenos ajustes, em geral a menor, nos valores das contribuições fixas e variáveis, recursos vinculados, verba de fiscalização e valor da outorga. Mas as principais modificações foram no Capex do túnel (R$ 4,2 X 2,99 bi: 40% maior) e outorga (R$ 3,01 X 1,38 bi: 118%); ambos certamente afetando a “Margem Líquida” referencial (lucro): anteriormente ela atingia 20% no Ano-9, 30% no Ano-15 e 40% no final do contrato; com Ebitda superior a R$ 1 bi já a partir do Ano-6 e R$ 6 bi ao final do contrato. Esses percentuais foram reduzidos na nova versão do contrato, agora de 35 anos (Minuta – 4.1): 20% “apenas” no Ano-17, 30% no Ano-28; agora não ultrapassando 31,16% no 35º ano (Anexo-I do Plano de Negócios Referencial – PNR). Como negócio não pode ser desconsiderado; certo?

Na versão anterior o critério de participação era o 15/40. Ou seja, a participação de grupos econômicos de arrendatários, TUPs, operadores, armadores e concessionários ferroviários era individualmente limitada a 15%, e 40% em conjunto. Agora, arrendatários e ferroviários poderão chegar a 100% em consórcio, desde que até 5% cada um (AJ – 8.1.1): neste caso, possibilidade objetiva de uma administração condominial.

Chama atenção, todavia, não ser exigida prévia qualificação técnica (8.1.6) qualquer que seja o arranjo societário; justificado pela expertise da SPA: ué; mas a estabilidade dos seus técnicos não é de, apenas, um ano (AJ – 8.2.3.a)?

Aspectos estruturais:

A par das modificações, algumas significativas, muitas definições e critérios, porém, permanecem praticamente como nas versões originais. Como exemplo:

A principal referência para justificar as desestatizações é um relatório de auditoria operacional do TCU. Mas vale observar que, se ele arrola os 5 “achados” utilizados pelo AJ (Item-3), também: i) descreve (Item-13, 123, 126, 413, 414, e particularmente 212 e 415) benchmarking internacionais, destacando autonomia como elemento básico da governança portuária; e ii) registra prejuízos decorrentes da perda de autonomia das autoridades-administradoras brasileiras, com a centralização do processo decisório portuário após as reformas do início da década passada: o Porto de Itajaí (Item-113), citado, talvez seja o caso mais icônico.

Questões de mérito a parte, há um histórico que também vale ser resgatado (AJ – Itens 3 e 4): o escopo da consultoria contratada pelo BNDES (9/SET/20) não era algo como “diagnóstico e estratégia para solução de gargalos/problemas existentes” ou “cotejamento de modelos de governança”; mas “uma modelagem para a desestatização”. Aliás, desestatizar já tinha sido premissa do enquadramento no PPI um ano antes (Resolução nº 69 – 21/AGO/19). Já o relatório do TCU só foi aprovado (Acórdão nº 2.711/20 – 7OUT/20) um mês após a contratação dos consultores, e 14 meses após o enquadramento. Vale dizer, seus “achados” foram incorporações a posteriori.

No campo conceitual, os textos seguem usando ora o termo administração, ora autoridade portuária. Seria mais próprio padronizar-se “administração portuária” vez que, pelo modelo proposto, a maioria das clássicas funções de “autoridade portuária”, segundo benchmarking internacional, inclusive exemplificado no mencionado relatório do TCU, estão previstas para serem exercidas pelos órgãos federais (Minfra e ANTAQ) . Alias, lembrando experiências mal sucedidas com concessões no País, dúvidas vêm surgindo em vários fóruns quanto à estabilidade dessa governança e instrumentos regulatórios previstos no modelo: não seria o caso de submetê-los, previamente, a “testes de stress”, como usados para bancos?

Quando revelada no início do ano a proposta para essa desestatização, era apenas uma hipótese: a União seria a primeira beneficiária da desestatização; gerando as primeiras dúvidas sobre a intenção “não-arrecadatória” do processo. Logo após a 2º AP, e antes mesmo de aprovado o modelo e realizado o leilão, a hipótese começara a se tornar realidade: R$ 313,6 milhões foram transferidos da SPA para a União (Edital – 1.60). Esse montante pode até superar R$ 1,0 bilhão, vez que o caixa da SPA, quando da eventual transferência de seu controle acionário, deverá ser de “apenas” R$ 150 milhões (Edital – 1.68). Assim, mesmo desconsiderando-se os valores parcelados da outorga (AJ – Item 7.3), a União poderá ter recebido mais de R$ 4 bilhões (incidentalmente montante equivalente ao Capex do túnel) no curto prazo: até 60 dias após a assinatura do contrato de concessão!

Como poder concedente e acionista quase único da SPA, não cabe discussão quanto à legalidade dessas operações. Mas, por outro lado, além delas não serem sintônicas com as declarações de “não-arrecadatório”, os primeiros resultados palpáveis da eventual desestatização no Porto de Santos será um fluxo justamente inverso do anunciado “atrair investimentos privados para o Porto”. Seria exagero interpretar-se como um mecanismo pelo qual a carga, o usuário do Porto financiam o Tesouro? Por que, então, não se comprometer, formalmente, ao menos esses R$ 4 bilhões com investimentos no próprio Porto e na região?

O “leilão para desestatização da autoridade portuária e a concessão do Porto de Santos deve ocorrer no fim deste ano”, inclusive ratificado recentemente pelo Minfra. Para tanto, se o cronograma da Codesa for paradigma, o Edital deverá ser publicado até 31/OUT (dia seguinte ao 2º turno das eleições) para que o leilão seja realizado no último dia útil de 2022.

Considerando-se as pendências da documentação, dúvidas, aparentes inconsistências (no modelo e na documentação), riscos justamente no maior porto do País, trata-se de um desafio hercúleo para o TCU e, depois, para os órgãos operadores do leilão. A comunidade portuária santista, certamente, está na torcida!

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