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PERISCÓPIO 165: CAP e a governança portuária


Frederico Bussinger

“Quem não tem proposta, discute a dos outros”
[Lição aprendida de um velho líder sindical]

Após a decisão do Plenário do TCU, na sua sessão extraordinária de 13/DEZ, ganhou ainda maior importância a audiência pública que a Câmara Municipal santista promoveu, no dia seguinte, para discutir “O Futuro do Porto” (de Santos, pressupõe-se!).

Mais que a retirada de pauta (Processo nº 035.732/2020-2), em função dos 3 pedidos de vista (ministros Walton Alencar, Benjamin Zymler e Vital do Rêgo), chamaram atenção: i) informações do relator, Bruno Dantas (futuro presidente da Casa) de que o processo, ao retornar, deverá vir com “roupagem nova”, pois representantes do governo eleito lhe manifestaram desejo de avaliar a desestatização da Codesa e de outras administrações portuárias, antes de prosseguir o processo de Santos; ii) o rol de dúvidas e objeções “levantadas em menos de 15 minutos”, como mencionou o Min. Vital: algumas resultantes das opções adotadas, como a modelagem do túnel Santos-Guarujá, riscos de verticalização e conta vinculada. Mas também outras basilares; versando sobre motivação e fundamento da proposta: “Por que privatizar se dá lucro?”, indagou o Min. Benjamin. E foi além: “Por que privatizar, se em outros países administrações portuárias – AP são públicas?”… implicitamente endossado pelo relator ao distinguir terminais (desde há muito 100% privatizados) das administrações portuárias (“guardas de trânsito” do porto, na sua analogia).

Que haveria pedido de vista era voz corrente no setor portuário. Mas, não com questionamentos desse naipe e tantos condicionantes. Assim, o mais provável é que: i) o TCU não volte a se debruçar sobre o tema no prazo autodefinido de 45 dias, pós-recesso; ii) nos próximos (muitos) meses o Porto de Santos deverá estar sob holofotes e em debate.

Durante os últimos anos, enquanto desestatização/privatização (das APs) era o título do filme, ativos e investimentos (quantitativamente) foram o foco e dominaram o noticiário. Mas a pauta é bem mais ampla: infraestrutura (portuária e de acessos; terrestres e aquaviários) e regulação, desde logo. Mas também operações; relação porto, cidade e região; digitalização; transição energética; questões ambientais (mormente após a COP-27 e sob a onda ESG corrente); e trabalho (postos de trabalho e qualificação). Ademais, um tema que, apesar de estar no DNA da desestatização, ficou em segundo plano: governança; cuja pauta, em si, já é multifacetada.

Escopo: apesar de nem sempre explicitado e claro, o objeto da desestatização/privatização modelada era o Porto Organizado – PO. Mas, em função das sucessivas alterações da poligonal, geralmente com foco meramente patrimonial, um novo ente se impôs: o Complexo Portuário – CP. Este inclui o PO, TUPs e, mesmo, um canal de acesso dedicado e a “Ferradura” ferroviária: na prática, no caso de Santos, todo o Estuário. Como esse universo tem, funcionalmente, elevado grau de interdependência, uma primeira definição se faz necessária: a governança abrangerá apenas o PO ou já o CP?

Autonomia: praticamente todas as funções de autoridade portuária passaram, progressivamente, a se concentrar no Minfra e na ANTAQ; ainda que, sob muitos aspectos, TCU e MPF também tomem decisões a respeito. O quanto delas retornará às instâncias de cada porto; e se haverá uma regra geral ou se será caso a caso, são temas já postos na mesa. E em vários fóruns.

Gestão: interrelação da administradora com as demais instâncias locais (CAP, OGMO, Prefeituras, etc); se responsável por toda a infraestrutura básica e serviços condominiais (do PO ou do CP) ou se com algumas outorgas independentes (infra aquaviária, p.ex); e se sob uma SPE privada (condominial ou de acionistas independentes), mista ou pública, são definições essenciais para caracterização da governança.

CAP: a principal discussão sobre ele tem sido seu caráter; se consultivo ou deliberativo. Mas deliberativo de que? As definições quanto à gestão e autonomia, acima mencionadas, é matéria-prima básica para o avanço dessa discussão. Da mesma forma que a segmentação do universo em decisões estratégicas, táticas (políticas) e operacionais muito pode contribuir.

Para além de um ativo, ou mesmo um elo de cadeia logística, portos são agentes de desenvolvimento regional. Assim, antes, ou até a mais importante função de um CAP, parece ser a de viabilizar a participação e articulação dos diversos atores, organizar o debate e dar transparência. Principalmente às decisões estratégicas do respectivo porto; reivindicação cada vez mais ouvida.

Há muito essa pauta poderia estar sendo discutida. Mas nunca é tarde: esse debate é possível e deve visar a uma proposta de governança portuária para a próximas décadas; sistêmica e pactuada. Aliás, um primeiro (bom) exercício para os CAPs já reciclados, e uma potencial importante contribuição, tanto para o futuro de Santos como dos portos brasileiros em geral.

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