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PERISCÓPIO 114: Percalços ferroviários


Frederico Bussinger

“No meio do caminho tinha uma pedra;
Tinha uma pedra no meio do caminho”

[“No Meio do Caminho” – Drummond]

Apesar da grande repercussão no mundo ferroviário, logístico, infraestrutural e do agronegócio, a decisão do Ministro Alexandre de Moraes não foi o único percalço, esta semana, para os planos de ampliação da malha e participação ferroviária na matriz de transportes brasileira. Mais delicado, todavia, porque a poucos dias da “Infra-Week programada pelo Minfra: 7 a 9/ABR.

Normalmente as discussões e objeções nessas áreas passaram a ser apresentadas por sua face jurídica. No caso da decisão do STF, o fundamento para a cautelar na ADI nº 6.553, requerida pelo PSOL, foi a impossibilidade de alteração de unidades de conservação por Medida Provisória (como na origem da Lei nº 13.452/17): tais mudanças, invocado o art. 225, § 1º, inciso III, da Constituição Federal, dependeriam de lei ordinária. Bem assim “amplamente discutida, e com a participação da sociedade civil e dos órgãos e das instituições de proteção ao meio ambiente”.

Já nas divergências sobre a implantação do trecho Rondonópolis-Lucas do Rio Verde, uma das matérias da série publicada por Valor Econômico – VE informa que a Rumo pretende assumir o trecho e, para tanto, pleiteia a celebração de aditivo ao contrato de concessão da Malha Norte (vigente até 2079). O Minfra, entretanto, “acredita que um aditivo seria contestado no TCU e possivelmente judicializado por empresas interessadas na operação”: oferece, como alternativa, autorizá-lo tão logo aprovado o PLS-261 (alternativa em princípio rejeitada pela Rumo).

Mas isso é apenas a ponta do iceberg. Sob, e para além, dessas tertúlias jurídicas, há um rol de questões ambientais, regionais, comerciais e de estruturação econômico-financeira que envolvem interesses diversos e distintas visões institucionais e estratégicas.

Desde 2017, pelo menos, o desenvolvimento do projeto e o licenciamento ambiental da Ferrogrão vêm sendo arguidos pelo MPF com base na Convenção OIT-169/89; esta recepcionada no ordenamento jurídico brasileiro pelo e Dec. Legislativo nº 143/02 e pelo Dec. nº 5.051/04 (consolidado no/pelo Dec. nº 10.088/19). De novo a face externa é jurídica, mas no fundo o cerne da discussão é implantar-se ou não uma ferrovia naquela região (PA e MT). Outras matérias da série do VE, além de aspectos ambientais, questionam os beneficiários da FIOL (BA), e o balanço de benefícios para a região com a implantação desse projeto estruturante. Ambos, no fundo, envolvem questionamentos em relação à visão/tratamento dessas ferrovias como “correia transportadora” (“túnel ambiental” mais ainda!); e do “tirar caminhão das estradas” como estratégia mercadológica dos projetos.

A matéria que explica as divergências Rumo-Minfra dá uma pista sobre outra questão: “… outros ramais poderão ser construídos no futuro, na mesma área de influência – também pelo regime de autorização – e ‘roubar’ carga da Malha Norte”. Ora, estimular e facilitar a concorrência não é justamente um dos objetivos de ferrovias por autorização?

Mas, no caso, a discussão é mais ampla: apesar de ter se tornado o celeiro do Brasil (e do mundo!), crescendo  há alguns anos a “taxas chinesas”, o agronegócio do Centro-Oeste tem/terá carga suficiente para auto-viabilizar a implantação, quase em paralelo, da Ferrogrão, FICO e trecho Rondonópolis-Lucas do Rio Verde? E mais profundo: este trecho não acaba sendo concorrente direto da Ferrogrão, ambas da BR-163 a ser concedida; todos 3 projetos do próprio Governo Federal?

Cláudio Frischtak, em “Dinheiro novo, erros velhos”, artigo no VE que está mais para um memorial de cálculo e focado no “ativo”, conclui e responde: a “Ferrogrão parece subestimar custos e prazos de execução, e superestimar as taxas de retorno”. Assim, a discussão sobre eventual participação de “receitas acessórias” no CAPEX acaba se impondo; o que, por ora, não está em cogitação.

Hoje o PLS-261 (“Ferrovias: agora vai?) é visto e tratado como “novo marco legal das ferrovias”. Mas vale lembrar que, quando proposto pelo Sen. José Serra, em 2018, seu objetivo central era “apenas” a viabilização de “shortlines”; sendo a autorização só um meio.

Essa ampliação de perspectivas, inclusive com PLs estaduais congêneres, tem como pressuposto que o grande entrave para expansão ferroviária no País é o processo de outorgas: será? Daí o quase consenso em torno da sua aprovação, mormente após ter sido encampado pelo Governo Federal.

Daí, também, a expectativa que seja aprovado este mês; ainda que o relator prepare nova versão para o substitutivo veiculado no final de 2020. Isso motivado por nove sugestões do Governo; a principal delas a (polêmica) possibilidade de migração do regime de concessão para o de autorização… em casos excepcionais”.

Os dados e posições que vão se tornando mais claros, e os recentes obstáculos, objetivos, indicam que o processo de outorgas, se problema é, é apenas um deles. E que, por conseguinte, parece arriscado colocar-se tanta responsabilidade sobre o PLS-261 para a ampliação da malha e participação ferroviária na matriz de transportes brasileira.

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