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PERISCÓPIO 127: Transportes para Europa-2050


Frederico Bussinger

“Planejamento estratégico não é adivinhação do futuro,
mas a definição do ponto no futuro em que se quer estar”

(Chris Argyris).

A Comissão Europeia – CE (órgão executivo da União Europeia – UE) lançou, há uma década, um “White Paper de transportes: documento referencial para o setor, estratégico, com objetivos, propostas de ação e metas para o horizonte 2050.

Ele resultou de processo com discussões durante dois anos, a partir de um texto-base da CE (balizando desafios à frente; os problemas a serem resolvidos), passando por conferênciade alto nível”. Participaram do processo e se manifestaram, formalmente, os estados-membros, algumas cidades, e 16 setores da sociedade.

A partir da premissa de que “transporte eficiente é condição prévia para manutenção e prosperidade da UE”, seus objetivos são enunciados logo nos subtítulos: “Roteiro de transportes para uma Europa única” e “Rumo a um sistema de transportes competitivo e eficiente no uso de recursos”.

A UE tem cerca de metade da área do Brasil, o dobro da população e, incidentalmente, o mesmo número de estados-membros: 27. Para concepção do plano ela é tratada como “área única”; para a qual é proposta uma rede de infraestrutura multimodal básica (o “Core Network”), integrante do “Trans-European Transport Network – TEN-T”, que abrange ferrovias, estradas, portos, aeroportos e terminais ferroviários; articulados em 9 corredores. Mas inclui, também, uma ampla rede aquaviária (Motorways of the Sea”), sistema articulado de hidrovias e rotas marítimas. Ou, seja: infraestrutura e serviços; operação e gestão.

O TEN-T foi concebido inicialmente em 1996. O atual é a materialização de uma política definida pelo Regulamento-UE nº 1315/2013, aprovado pelo parlamento europeu, cujo objetivo último é eliminar descontinuidades (de infraestruturas), remover gargalos e barreiras tecnológicas, bem como fortalecer a coesão social, econômica e territorial na UE.

Em 2017 a política foi revista, introduzindo-se e/ou detalhando-se aspectos de inovação, digitalização e descarbonização. E, como desdobramento, o plano foi atualizado em 2018 (aspectos de segurança, despoluição e mobilidade); e em 2019 (enfatizando conectividade e acessibilidade), já nos marcos da ideia/conceito de “cidades inteligentes”. O processo para a próxima revisão já está em curso e, certamente, levará em conta os legados da COVID-19 e lições de gestão da pandemia.

Competitividade e uso eficiente dos sistemas é o macro-objetivo, vez constatar-se que a logística representa de 10-15% do custo final dos produtos; e que os transportes têm grande impacto sobre a qualidade de vida das pessoas: além dos tempos despendidos eles pesam, em média, 13,2% nos orçamentos familiares.

Metodologicamente consistente, esse macro-objetivo é desdobrado em cinco outros: i) aumentar a mobilidade; ii) remover gargalos em áreas-chave; iii) impulsionar a empregabilidade; iv) reduzir “drasticamente” a dependência continental de petróleo importado; e v) reduzir emissões de carbono no setor (60%). Não se trata de um sincretismo de projetos, concebidos autonomamente, como estamos acostumados; mas de um plano articulado de múltiplos objetivos. Prévia e claramente enunciados.

Na sequência o plano é desdobrado, sucessivamente, até o estabelecimento de 40 intervenções estruturantes. Essas visam atingir metas progressivas até o horizonte do plano (2050): i) nenhum veículo circulando nas áreas urbanas usando combustíveis convencionais (atenção: foi enunciado antes da pandemia!); ii) ao menos 40% de combustíveis sustentáveis na aviação; iii) corte de 40% nas emissões originadas da navegação. E o que parece ser a grande inflexão: iv) para uma Europa já referência em termos ferroviários e hidroviários, transferir-lhes metade do transporte rodoviário de passageiros e de cargas de média distância (acima de 300 km).

Vale observar que os “White Papers”, assim como o TEN-T, além da participação de grupo de técnicos, multi-profissionais, de diversos países, passa por complexo processo de discussão com estados-membros e setores organizados da sociedade. E, em alguns estágios, também por discussões e aprovação do Parlamento Europeu.

Uma vez aprovados, porém, passam a ser a referência maior para planos nacionais e modais; mas esses elaborados pelos respectivos gestores. E, inclusive, orientam a participação da UE em subsídios e investimentos a projetos locais.

Ah! O plano e projetos estão sendo executado praticamente dentro do planejado. Em alguns casos, até, com cronogramas antecipados.

Missões brasileiras, que visitavam a Europa antes da pandemia, geralmente se entusiasmavam mais com os resultados que podiam observar… e fotos que podiam tirar. O Brasil não se beneficiaria mais se, como benchmarking, priorizasse a metodologia de planejamento e o processo decisório europeu?

 

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