Frederico Bussinger
“Nem tudo que reluz é ouro,
nem tudo que balança cai”
[Provérbio português]
Se na semana passada o noticiário de infraestrutura e logística foi rico em informações e revelações sobre portos, particularmente os qualificados no PPI para desestatização (privatização), nesta está sendo a vez de ferrovias (com destaque para as do Centro-Oeste). Três eventos-fonte: i) lançamento de um Chamamento Público pelo Governador Mauro Mendes – MT (19/JUL); ii) anúncio da chegada de uma “delegação internacional de ativistas e políticos de esquerda … para pressionar contra a construção da Ferrogrão”, previsto para 15/AGO próximo; e iii) “Live do Valor”, patrocinada pela ANTF (20/JUL).
Pelo dito e pelo omitido; por (elegantes) alfinetadas ou aparentes balões de ensaio (visando “sentir-se” a receptividade pelo tal “mercado” e sociedade); e em várias entrelinhas, tomou-se conhecimento: i) que o Governo de MT decidiu assumir a condução do processo para implantação de dois trechos ferroviários no Estado (de Rondonópolis a Cuiabá e outro para Lucas do Rio Verde); ii) que a outorga será por meio de autorização estadual (Lei Complementar nº 685/21 e Decreto nº 881/21); iii) que tais trechos deverão “aumentar o TKU mas não as toneladas” (forma do Min. Tarcísio Freitas dizer que as cargas percorrerão maior distância, mas que o aumento de volume não será grande)… apesar de que, tanto em MT como em Santos a expectativa é de aumento expressivo de movimentação (AT-20/JUL); iv) que está sendo feito um “reset” no projeto da Transnordestina; v) que esta deverá se limitar à ligação com o Porto de Pecém-CE (ao menos por ora o trecho até Suape-PE está sobrestado); vi) que a renovação antecipada da VLI é uma possibilidade, mas não uma certeza; vii) que a renovação antecipada da MRS deve ser enviada ao TCU em SET e concluída ainda este ano; e viii) que o “Governo aposta em MP para o marco legal das ferrovias”; aliás, principal manchete do VE (21/JUL): caminho alternativo ao PLS-261, que patina no Senado e, muito provavelmente, para balizar as leis estaduais que regram ferrovias por autorização.
Depreende-se, também, que não haverá consolidação das malhas da Baixada Santista: a aposta para solução do imbróglio no acesso ao Complexo Portuário (“Ferradura”), no tocante a investimentos necessários, deve ser via aditivo contratual. Já para o monopólio no acesso ao Complexo, e em relação aos valores para direito de passagem, considerados atualmente elevadíssimos quando comparados ao das demais concessões ferroviárias (item 4.27 do “Ato Justificatório”: Consulta Pública da FIPS), a aposta é na regulação: direito de passagem detalhadamente regrado e teto tarifário.
Nos eventos, noticiário e discussões chama atenção a naturalidade com que os diversos envolvidos tratam a Rumo já como futura autorizatária. E nem poderia ser diferente: os dois trechos anunciados, ainda que venham a ter contratos distintos (algo que não era plano inicial da Rumo), são funcionalmente extensões da atual ALL-Malha Norte (sucessora da Ferronorte) e, esta, da Malha Paulista; ambas operadas e geridas pela Rumo.
De igual forma, vale ser registrado: i) que, apesar da lei ser de FEV, o lançamento do Chamamento Público era informação restrita até poucos dias antes: consta que o próprio ministro tomou dele conhecimento no sábado, 17/JUL, na cerimônia para assinatura da OS de obras do Contorno de Cuiabá; ii) a defesa intransigente da importância da Ferrogrão para a logística do Centro-Oeste (e brasileira) que faz o Min. Tarcísio; e iii) seu destemor em confrontar os que contestam o projeto com argumentos ambientais.
Mas a Ferrogrão, além desses desafios (que já não são triviais!), tem no horizonte dois outros; de certa forma até associados: viabilizar cargas (em volumes elevados) e recursos (bilionários) para investimentos. Isso requer uma articulação de múltiplas variáveis e riscos, cuja complexidade e dificuldade talvez até aumente com a recente concessão da BR-163 e a autorização estadual, principalmente do trecho Rondonópolis-Lucas do Rio Verde: temas para próximos artigos.