Frederico Bussinger
“Na natureza nada se cria, nada se perde,
tudo se transforma”
[Antoine-Laurent de Lavoisier]
“Estima-se haver 3,8 Mt, só de aço, nas 5.319 embarcações que, no Brasil, são potencialmente recicláveis (descomissionáveis, no jargão do setor). Ou seja, nos 36% da frota que estão em operação há mais de 20 anos”. Como referência, esse potencial é superior à média mensal de produção de aço do setor siderúrgico nacional no primeiro semestre deste 2021 que, incidentalmente, foi de recorde histórico.
“Elas se concentram em dois polos: o amazônico, associado ao transporte fluvial, e outro a petróleo e gás no Rio de Janeiro. Não existe plano de descarte para elas, o que gera problemas ambientais e sociais, mas também oportunidades de negócios”.
Essas são algumas das revelações de “Análise da inserção do Brasil no mercado de reciclagem de embarcações: estudo de caso para a Amazônia”, dissertação que Caio Moraes Benjamin apresentou na Engenharia Naval da Universidade Federal do Pará; também publicada como artigo no prestigioso “Journal of Environmental Management“.
O trabalho deve ser saudado pela candente temática (pouco tratada fora do ambiente de iniciados) e pela riqueza de informações. Mas, também, por se debruçar sobre questões concretas e atuais, da economia e da sociedade, com olhar especial para a respectiva região; algo nem sempre observado em trabalhos acadêmicos.
Além de embarcações, descomissionamentos de plataformas e outros equipamentos do setor de petróleo e gás brasileiro são estimados em R$ 28 bilhões até 2025; segundo o Diretor Geral da ANP quando do recente webinar de lançamento do “Caderno Descomissionamento Offshore no Brasil”: US$ 85 bilhões nessa década, em todo mundo. Para implementação, a Petrobrás elabora detalhados planos específicos; como para a FPSO P-32.
Na última década, Índia (Alang – tido como o “maior cemitério de navios do mundo”… e ainda com planos de expansão!) e Bangladesh (Chittagong) eram responsáveis por cerca metade dos 700 navios anualmente reciclados no mundo (72% dos brasileiros). China, Turquia e Paquistão outros 40%: pouco mais de 10% nos demais países. Mão de obra barata e parcos cuidados ambientais explicavam essa concentração.
A abordagem do tema começou a ser alterada no início deste século com a aprovação de algumas normas a ele atinentes como, p.ex, a “Hong Kong Convention” – HKC, em 2009, coordenada pela IMO. Esta visa à “reciclagem segura e ecologicamente correta de navios”, e é detalhada em seis documentos de diretrizes para subsidiar os países na sua implementação; objetivo também da “Ship Recycling Transparency Initiative” – SRTI: esta uma plataforma aberta e independente, lançada em 2018 “com a missão de melhorar a transparência em toda a cadeia de valor do transporte marítimo”; à qual já aderiram 12 dos principais armadores do mundo, operadores de uma frota de cerca de 3.500 navios.
Em 2018, também, a União Europeia aprovou o “Regulamento de Reciclagem de Navios” – SRR, estabelecendo que embarcações de bandeira europeia devam ser desmontadas em estaleiros credenciados: atualmente há 42 com essa certificação.
A adoção dessas convenções, normas e práticas, principalmente por países centrais e líderes do mercado mundial de navegação, tende a reduzir as disparidades competitivas entre os diversos mercados e, assim, abrir novas oportunidades de negócios; como indica a dissertação.
Para o Brasil em particular; i) seja pela grande demanda por reciclagem de embarcações no futuro próximo (com enorme potencial de localmente gerar emprego e renda, além de reduzir remessa de divisas ao exterior); ii) seja pela existência de estaleiros, construídos na perspectiva das expressivas encomendas do Pré-Sal (falou-se em US$ 17 bi/ano de faturamento!), mas que hoje estão inativos ou subutilizados ante cancelamentos das encomendas.
Nesse sentido, o recente PL nº 1.584/21, de abril passado, em tramitação na Câmara dos Deputados, pode nuclear um amplo debate sobre o tema como base para uma nova e promissora política para o setor. Inclusive contribuindo para balizar tanto os planos logísticos nacionais como as próximas revisões dos Planos Mestres de diversos complexos portuários.