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PERISCÓPIO 134: Descarbonização dos/nos portos


Frederico Bussinger

 

Na “pizza”, convencionalmente utilizada para segmentar fontes, 3/4 das emissões mundiais de dióxido de carbono – CO2 provem do grupo “energia”: eletricidade, aquecimento e transportes. Estes contribuem com cerca de 1/4 do grupo; vale dizer, entre 16-18% do total (conforme a referência).

No Brasil, em função de uma matriz 2/3 rodoviária (maior percentual entre países de grandes territórios), a contribuição dos transportes no grupo é bem maior: 38% (2019); estes divididos mais ou menos meio a meio entre passageiros e cargas. O indicador assume maior relevância ao se observar que o grupo “energia”, como um todo, praticamente dobrou sua participação nas últimas 3 décadas: de 10% para 19% (crescimento médio anual de 3,1%).

Dos transportes, o segmento aquaviário, responsável por 90% de tudo que é movimentado no mercado global, contribui com cerca de 10%; ou seja, pouco menos de 2,0% de toda a emissão planetária. Ainda que esse percentual seja relativamente pequeno, tanto a navegação como os portos estão alinhados com a agenda da chamada transição energética: redução de emissões, particularmente de CO2; incidentalmente um dos temas centrais do recente  “World Economic Forum” e pauta de praticamente todas as agências multilaterais.

Na navegação, p.ex, também envolvendo portos, entrou em vigor no início do ano passado a norma conhecida como IMO-2020. Esta estabeleceu para o bunker (combustível de navio) um limite de emissão de dióxido de enxofre 7 vezes menor: 0,5% (3,5% anteriormente). As velas, tão usuais na navegação mundial por milênios, usando a força dos ventos, parecem fadadas a voltar à cena; inclusive em mega-navios que transportam minério de ferro, como recentemente noticiado pela Vale.

O veículo elétrico, e a eletricidade para uso final, é hoje a principal aposta mundial para a transição energética. Mas amônia e hidrogênio, já em experiência em portos como Roterdã – Holanda e Antuérpia – Bélgica,   aparentemente são as alternativas mais promissoras para o médio/longo prazo, como indicam recém-lançados relatórios do Banco Mundial. Principalmente para os países majoritariamente dependentes da termoeletricidade; razão pela qual o hidrogênio verde (H2V) é aposta da União Europeia para a descarbonização de suas economias, e o Brasil visto como potencial fornecedor dessa commodity, como explicado em recente webinar no IFHC.

A Alemanha, em particular, principal economia do continente, vem de destinar 9 bilhões de euros para novos projetos; dos quais 2 bilhões para estimular a transição em outros países: grande oportunidade para o Brasil, que desde o final dos anos 1990 tem iniciativas e desenvolve programas na área, resultando no “Programa Nacional do Hidrogênio – PNH2” que o governo federal vem de apresentar. Suas diretrizes explicam a razão: “O hidrogênio se tornou prioridade na estratégia de energia e climática de diversos Países, sobretudo, por prover uma alternativa para setores de difíceis abatimento de emissões de carbono (hard-to-abate sectors) e por se constituir também em um vetor de energia, possibilitando seu armazenamento e favorecendo o acoplamento do setor de energia aos setores de indústria e transporte. Mesmo nos transportes leves, o hidrogênio pode ter papel importante, trazendo mais uma alternativa tecnológica para o processo de eletrificação de veículos (diretamente, por meio células a combustível ou, indiretamente, por meio de combustíveis sintéticos – e-fuels)”.

Vale lembrar que a produção de hidrogênio depende de muita energia; usualmente elétrica. E, dependendo da fonte, resulta no hidrogênio cinza, azul e verde (H2V). Este é produzido a partir da eletrólise da água (separação dos dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio), por meio da utilização de energia elétrica oriunda exclusivamente de fontes renováveis, como a eólica (ventos), solar, hidrelétrica e biomassa: até 2050 deverá responder por 20% de toda a energia consumida no mundo, um mercado de US$ 2,5 trilhões ao ano, tema debatido em recente webinar no IFHC.

Mas há um detalhe: “tanto a energia eólica como a de fonte solar são intermitentes e, em grande escala, impossíveis de serem armazenadas. A produção de energia nesses sistemas depende ou de ventos ou de sol. E, se produzida acima do consumo imediato, não pode ser armazenada…. a proposta consiste em usar a energia renovável excedente … no processo de eletrólise que, por sua vez, vai produzir hidrogênio, este sim, combustível que pode ser armazenado”.

Por esse motivo, seja pela generosidade de sol e ventos, que em geral lhes são peculiares, seja por facilitar a logística necessária, os portos tendem a desempenhar papel central nessa transição energética. E, em um país com mais de 8.000 km de costa e entre 55-70% do ano de dias ensolarados, como o Brasil, as oportunidades são ainda maiores.

Certamente por isso já vêm sendo anunciados diversos projetos como os nas regiões dos portos de Pecém-CE, Suape-PE e Açu-RJ; tanto para consumo próprio como fornecimento a outros consumidores e, mesmo, incorporação à rede de transmissão/distribuição. Por outro lado, novos projetos de “condomínios portuários” privados, como Porto Central – TPK e Terminal Portuário de Alcântara – TPA, as fontes alternativas de energia já estão incorporadas em seus desenvolvimentos. No caso do TPA, os 100 MW de energia elétrica necessários para o consumo portuário serão fornecidos pelas usinas fotovoltaica e eólica que serão implantadas.

Mas, além da amônia e hidrogênio, há outras alternativas sendo analisadas e testadas em portos mundiais, como parte da agenda de movimentos como os “greenport” e cidades do G-40. É o caso, p.ex, da energia: i) eólica, como no Porto de Valência – Espanha; ii) fotovoltaica (Seattle e Los Angeles – USA, e Barcelona – Espanha); e iii) marés (Gibraltar, Escócia, UK, Chipre, China, Chile e México).

No início do Século XX, ainda muito antes da descarbonização entrar na agenda global, o Porto de Santos teve que implantar sua própria hidrelétrica para mecanizar suas operações: Itatinga, em Bertioga (obras iniciadas em 1904 e operação em 1910; cronograma atrasado em função do surto de malária da época). Em tempos de descarbonização, porém, um leque maior de alternativas está sendo considerado: novos tempos… e cenários do futuro próximo.

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