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PERISCÓPIO 141: Infraestrutura logística: e o dinheiro, de onde vem?


Frederico Bussinger

Anunciam-se investimentos de R$ 11,2 bi em autorização estadual à Rumo para implantação de trechos ferroviários a partir de Rondonópolis-MT. R$ 2,7 bi na Ferrovia Centro-Oeste – FICO (ou R$ 8,7bi, segundo a Vale, responsável pelas obras). R$ 80,5 bi nos 14 trechos recém autorizados pelo Governo Federal, com base na MP-1.065/21.

R$ 1,66 bi com a desestatização (privatização) da Codesa e portos capixabas; R$ 2,8 bi com a da autoridade portuária de Itajaí-SC; e R$ 16 bi com a de Santos-SP: em portos, R$ 20,2 bi no total, incluindo-se São Sebastião-SP.

Muito provavelmente a ideia que flui, do noticiário e das postagens que viralizam pelas redes sociais, é que há canteiros de obras abertos de norte a sul do País; e que milhares de trabalhadores, já contratados, poderão ter a próxima ceia de Natal mais farta. Também que, em curto prazo, trens estarão rodando por novos trilhos e mega-navios atracando em berços e píeres recém-construídos.

No caso das duas primeiras ferrovias esse um cenário que vai se tornando mais concreto: i) no início da semana passada foi assinada, em Cuiabá-MT, a autorização para a Rumo implantar os 730 km de novos trechos, a partir de Rondonópolis (limite ocidental da sua atual malha). Fala-se da geração de 235 mil novos postos de trabalho; diretos e indiretos. ii) já no final da semana foi realizada em Mara Rosa-GO a cerimônia de início de obras dos 383 km da FICO, com previsão de 4,6 mil novos postos de trabalho diretos.

A celebração do contrato e, mesmo, o início de obras não é garantia absoluta de que os trechos serão implantados continuadamente e iniciarão suas operações dentro dos cronogramas previstos: vide as milhares de obras paralisadas Brasil afora. O icônico VLT, na própria Cuiabá, prometido para a Copa de 2014, que o diga: uma década depois, e algo como R$ 1 bi despendidos, segue com futuro incerto.

Mas essa não é a perspectiva para as duas ferrovias: i) os trechos a partir de Rondonópolis, por tratar-se, na prática, de uma extensão da malha da Rumo hoje operacional, podem ser implantados e ter operações comerciais iniciadas gradualmente (o que alivia, fortemente, o fluxo de caixa). Também porque, sendo empresa estabelecida, saudável, com operações em expansão, tem como oferecer suas receitas futuras como garantia para levantar recursos no mercado. ii) os R$ 2,7 bi para investimentos na FICO são contrapartidas da renovação antecipada da EFVM: remota a possibilidade da Vale não honrá-los!

E para as demais desestatizações (privatizações) e, particularmente, empreendimentos “green-field”? De onde virá o dinheiro para os investimentos (CAPEX)? E mais importante: como ele será remunerado e amortizado? Filantropia certamente não será!

Da mídia e do que viraliza nas redes sociais, além da concretude de obras e de empregos gerados, flui também para a população, em geral, a ideia de que há empresas, ou fundos de investimento, com bilhões guardados em banco, simplesmente aguardando as outorgas dos empreendimentos. Mesmo que os “investidores” tenham esses recursos, não é o que acontece: no mais das vezes, para cada projeto é feita uma estruturação econômico-financeira específica, na qual 70, 80 ou 90% dos recursos precisam ser levantados no mercado por meio, p.ex, de lançamento de debêntures ou empréstimos. Ou seja, esses recursos, na prática, não existem… ainda.

Claro que eles podem vir a ser canalizados para esses empreendimentos. Tal decisão, entretanto, só ocorrerá se e quando ficar claro para os investidores os riscos associados e como eles serão remunerados (preferencialmente bem remunerados!). Mas isso é algo difícil de ser avaliado a essa altura, pois talvez a maioria dos “projetos” ainda não está licenciada ambientalmente, alguns vão pouco além de projetos funcionais, modelagens (para desestatização) ainda estão em elaboração, e “autorização não é panaceia para o setor ferroviário”; avalia auditor do TCU.

Nas ferrovias da Vale (EFVM e EFC) não há dificuldades: tudo se passa como se a Vale-ferrovia celebrasse contratos de longo prazo. Por um lado, com a Vale-mineradora e, por outro, com a Vale-portos: tudo dentro do mesmo grupo empresarial. Com esses contratos (de movimentações garantidas) em mãos, talvez haja até disputa no mercado para viabilizar-lhe tais recursos e bancar o CAPEX. Remuneração desses investimentos? Pela receita auferida dos serviços prestados; também garantidos (ao menos em ordem de grandeza).

Para ferrovias não “verticalizadas” (simplesmente prestadoras de serviço), todavia, essa operação de estruturação econômico-financeira precisará ser construída, terá muito mais interfaces e, certamente, riscos maiores (o que tende até a encarecer o custo do dinheiro). No caso dos terminais portuários (arrendamentos ou TUPs) são também as receitas potenciais que oferecem lastro para os recursos que eventualmente precisam ser levantados no mercado.

E no caso das autoridades portuárias? Não há mágica, nem “almoço de graça”. Três hipóteses principais: i) majoração de tarifas cobradas pelo uso da infraestrutura básica e serviços condominiais (uma das principais críticas dos usuários australianos após a privatização lá ocorrida); ii) quando possível, incorporação de novas receitas acessórias (o que demanda novos projetos); ou iii) quando existente, exploração ou alienação de áreas adequadas e inocupadas. Ou aumento de eficiência será suficiente para bancar tudo? Difícil!

Mesmo para os portos capixabas, processo mais avançado, há dúvidas; críticas também. Para São Sebastião, Itajaí e Santos por ora ainda são palavras e números: formalmente não é de conhecimento público, nem de onde viriam esses recursos, muito menos como eles seriam pagos: maiores detalhes estão prometidos para este outubro.

 

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