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PERISCÓPIO 158: Privatização portuária em marcha batida


Frederico Bussinger

Quando privatização chegará aos portos brasileiros?” (ou formulação variante) ainda é ouvido de quando em vez; dúvida de pessoas não muito afeitas ao setor (mesmo que razoavelmente informadas), ou de jornalistas que não cobrem a área. “Ela está praticamente concluída”, é minha usual resposta aos interlocutores… para surpresa da maioria deles. Surpresa que vira incredulidade quando acrescento: “há bastante tempo!”.

Mas procuro esclarecer: mesmo nossos portos públicos nasceram privados há cento e pouco anos. Só foram operados sob gestão estatal durante um interregno, até que breve, na 2ª metade do século passado. Particularmente durante os 15 anos da “Era-Portobras” (1975-90). Assim, a rigor, estamos vivendo uma re-privatização, cuja largada teria sido dada pela “Lei dos Portosem 1993: segundo alguns, ela seria um divisor da história tipo antes/depois de Cristo (AC/DC); uma inflexão que deflagrara tal processo.

Apesar da inequívoca importância da Lei, há nessa hipótese uma imprecisão, pois nas décadas anteriores diversas medidas/ações privatizantes já tinham sido adotadas. P.ex: terminal de uso privativo (hoje privado) – TUP fora da área do porto organizado – APO movimentando carga própria; nos portos públicos, contrato operacional e contrato operacional com arrendamento de área; terminal retroportuário alfandegado – TRA (armazenagem); servidão de passagem para “terminal sem cais”; como também privatização de outras atividades acessórias.

Ou seja, um novo ciclo de reformas portuárias já se desenvolvia, orientado no sentido de privatizar-se diversos elos da cadeia logística fora do cais. Isso, frise-se, mesmo com os portos públicos sob operação e administração estatal.

Internacionalmente, mais ou menos contemporâneos, dois outros processos estavam em curso (“Era Thatcher-Reagan”): privatização e globalização. Esta provocando aumento acelerado dos fluxos de comércio e de movimentação de cargas internacionais; com inexorável pressão sobre os portos, em escala geralmente ainda maior.

A correlação merece ser mais bem analisada; inclusive pela academia. Mas é fato que esse foi o pano de fundo, contextualizador, das eleições de 1989, do programa de privatização do governo eleito (Collor), e das articulações para que o setor privado voltasse à beira do cais. Isso justificado e defendido como meio para aumento da eficiência, redução de custos e elevação da capacidade portuária/logística. Aliás, justificativa meio que recorrente para a meia dúzia de ciclos de reformas portuárias anteriores; desde a chegada da família real ao País (1808).

Como para mais esse passo privatizante um novo modelo fazia-se necessário; e este, por sua vez, dependia de alterações do arcabouço jurídico (marcos regulatórios, na terminologia hoje preferida), certamente esses foram vetores que levaram ao PL-8/91 (PL; não MP!) e, daí, à lei balizadora do novo modelo.

A Lei nº 8.630/93 é, assim, por um lado, resultado das reformas que já haviam ocorrido nas 3 décadas anteriores, do contexto internacional de privatização e globalização e, no plano nacional, do movimento e processo constituintes da década de 80 (tema para um próximo artigo). Mas, por outro lado, dialeticamente, a Lei foi o alvorecer de um novo ciclo de reformas. P.ex: decisão político-administrativa (pois a lei apenas permitia!) de afastamento das administrações portuárias das operações (o que ocorreu paulatinamente); operador portuário pré-qualificado; arrendatário; TUP dentro da APO com carga própria; arrendamentos emergenciais; e condomínio portuário privado.

Como resultado, o Brasil adentrou o século XXI com suas operações portuárias 100% sendo realizadas pela iniciativa privada (exceções pontuais); situação que se mantem até os dias atuais.

A Lei nº 12.815/13 deu uma volta a mais no parafuso. E forte: TUPs também movimentando cargas de terceiros (como os terminais arrendados) e infraestrutura básica delegada (dragagem, p.ex).

A desestatização de administrações portuárias, por conseguinte, independentemente do mérito do modelo, é/seria “apenas” mais uma etapa desse processo de re-privatização.

Uma curiosidade: desde a volta das eleições diretas (1989), o Brasil já teve 7 presidentes e 25 ministros com atribuições sobre os portos: origens e perfis distintos; partidos e orientações políticas diversas. E, ademais: exerceram seus mandatos e administrações sob leis e normas heterogêneas; e com políticas públicas, planos e programas vários.

Como explicar, então, a marcha batida privatizante nos portos brasileiros há mais de meio século?

Adam Smith, tido como pai da economia moderna e dos mais importantes teóricos do liberalismo econômico, em sua obra seminal (“A Riqueza das Nações” – 1776), formulou a ideia/termo “mão invisível”: seria uma gestora/regente da dinâmica do mercado; autônoma em relação aos agentes econômicos.

Poderia estar aí uma explicação? Haveria uma tal “mão invisível” a reger esse tijolo-por-tijolo privatizante nos portos brasileiros? Conhecer a história, entender os processos pode nos ajudar a errar menos e acertar mais nos próximos passos de (imprescindíveis) reformas portuárias.

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