Frederico Bussinger
O fato é local. Mas a repercussão pode ser nacional.
Nova ligação seca Santos-Guarujá é o tema. Mas a travessia até concretizá-la pode legar lições sobre a importância de análises mais racionais, debates mais embasados, e processos decisórios mais transparentes, participativos, conclusivos e consequentes. E, no momento em que setores, arranjos e práticas arraigadas no País estão sendo repensados, esse laboratório santista pode ser uma ponte para novo modo de tomada de decisões estratégicas, de relação sociedade-poderes públicos; e vice-versa.
Nas últimas semanas andamos 2 ou 3 casas. i) O processo tornou-se público: inicialmente, como marca desses dias, por meio da mídia e redes sociais; depois, como nos velhos e bons tempos, pelo calor da recente, longa e concorridíssima audiência pública. ii) Prós e contras da ponte foram debulhados e, por contraposição, muitos do túnel também. iii) Interesses econômicos e políticos começaram a ser explicitados; essencial para que, legitimamente, passem a ser tratados como variável de planejamento. E numa boa! Muitos avanços; pois.
Mas, até porque a discussão foi oficialmente aberta, essencial que fatos relevantes sejam esclarecidos. P.ex: i) nem filantropia nem obra a fundo perdido: ponte ou túnel seriam pedagiados; ii) o traçado da ponte “se assemelha”, sim, a um dos 11 analisados pela DERSA em 2011 (RIMA); mas vale também ser lembrado que, daquele estudo, a alternativa, ao final escolhida, não foi nem ponte nem a diretriz da Ilha Barnabé; iii) alternativas às balsas são vistas como voltadas à mobilidade urbana; mas o são para o tráfego marítimo de igual forma; iv) sem dados de tráfego difícil avaliar-se implicações das opções: se existem estudos de demanda específicos, eles precisam ser divulgados; mesmo porque os do Plano Mestre sustentam a alternativa-túnel; v) incluir-se o empreendimento nas concessão tem vantagens, pode encurtar prazos; mas não há como se garantir que esse contorcionismo terá o aval dos órgãos de controle, cada vez mais restritivos.
Importante, ademais, refletir-se sobre ritos e enunciados axiomáticos: i) O CONSEMA, sem votos contrários, com base em Parecer Técnico de 155 pgs da CETESB (28/MAR/2014), licenciou o túnel da DERSA logo a seguir. Curioso é; mas nada impede que DERSA mude de ideia ou que CONSEMA licencie também a ponte. Mas, até por “economia processual”, o episódio indica a conveniência de só se iniciar licenciamentos de projetos consolidados e legitimados junto à sociedade; ii) metodologicamente a análise de outras alternativas não deveria ser feita cotejando-se suas vantagens e desvantagens em relação à alternativa detalhada e já licenciada? iii) após quase um século de espera, é crível que numa mesma geração sejam implantados ponte e túnel?
Nossa forma de planejar e gerir também ganharia, e muito, se do processo resultasse a prática de alinhamento de tantos planos: PNLT, PNL, PNLP, Plano Mestre e PDZ portuários, PDUI, PDLT, planos diretores e de mobilidade municipais. Talvez, até, seja essa uma oportunidade de finalmente União, Estado e Municípios exercitarem a tal da governança interfederativa; pilar do “Estatuto da Metrópole” (Lei nº 13.089/15), mas que nesses últimos anos segue desafiando juristas, planejadores e gestores.