Frederico Bussinger
“Não precisa
explicar, eu só queria entender”
[Macaco Sócrates – “Planeta dos homens”]
Difícil dizer o que mais se ouve: “Falta planejamento no Brasil”; “Planejamento precisa ser dinâmico”; “Planejamento de estado, não de governo”; frases geralmente acompanhadas daquele ar superior de quem entende os meandros conceituais ou é capaz de fazer diagnósticos abrangentes sobre a infraestrutura brasileira.
Ainda mais difícil é saber-se o que o autor quis dizer. Ou qual seu objetivo real; além, claro, de impressionar acacianamente.
Se por falta de planejamento entende-se falta de planos, o autor será confrontado pela realidade: planos não faltam. Sobre os portos brasileiros, p.ex, há diagnósticos, regras e metas no PNL, PNLT, PNLP, PM, PDZ, PNAP, PGO, PAP. Há ainda os EVTEAs para arrendamentos, que acabam também tendo esse papel: os do Cluster de Celulose santista, p.ex, revisa as demandas do Plano Mestre, então recém publicado: tal correção, justificada, também pode ser vista como uma denúncia (da qualidade do plano); não?
Idem em relação ao dinamismo, visto que vários planos têm sido revisados com frequência; alguns dos quais, custosos, sem nunca terem sido utilizados para embasar uma única decisão. Ou pior, sem sequer terem sido divulgados.
O tal planejamento de estado por vezes é utilizado para designar plano de longo prazo; mas, com mais frequência, aqueles que transpõem mais de um mandato de governo. Nesse caso seria preciso decidirmos: planos devem ser duradouros ou dinâmicos? Não se trata de “encimamurismo”, mas a resposta tecnicamente correta deve ser: ambos. Ou seja: duradouro no que é estratégico, dinâmico no que é operacional. O “White Paper” europeu, e seus desdobramentos, é um bom exemplo.
A dificuldade decorre de que grande parte dos planos, que se propõe estratégicos, se embrenham em detalhes operacionais. Daí porque há necessidade de se “retirar amarras operacionais que não fazem mais sentido…”, como se auto-justifica a recente “atualização pontual e expedita” do PDZ do Porto de Santos.
De igual forma, tanto faz sentido plano de estado, de país, de nação, como plano de governo. Só que, na prática, o que muitas vezes acontece, é que um determinado governo quer perenizar seu plano, impondo-o ao seu(s) sucessor(es). Para tanto, como marketing caracteriza-o como de estado; e instrumentalmente busca transformá-lo em lei. E pior: inclui prazos para cumprimentos; que acabam sendo prorrogados e, geralmente, nunca cumpridos: as legislações de resíduos sólidos, de mobilidade urbana, p.ex, estão aí para comprová-lo.
Um plano de estado, de país, de nação, para que possa receber esse rótulo, para que cumpra sua função e seja duradouro, demanda muito mais que trabalho de consultores qualificados ou gestores públicos competentes: ele precisa ser legitimado junto à sociedade. Precisa ter muito mais a característica de um pacto que de uma bula ou, mesmo, de uma lei. Daí porque o processo de planejamento é tão ou mais importante que o próprio plano. Em alguns países, interessante observar, decisões de grande relevância estratégicas precisam ser formalmente aprovadas por duas legislaturas distintas.
Essas imprecisões conceituais e inconsistências estruturais e funcionais, por vezes fazendo lembrar o samba dos Demônios da Garoa, explicam, em boa medida, o porquê nossos planos acabam não sendo executados. E, não raro, comprometem boas governanças e, até mesmo, a tal da segurança jurídica.