Frederico Bussinger
Crises não obrigatoriamente fazem as pessoas mais competentes ou governanças mais adequadas. Mas geralmente espraiam espirito de urgência. Esses estimulam criatividade e audácia; mas difícil não abrir também espaço para espertezas.
Já se viu que o impacto do Covid-19 transcenderá a saúde: alcançará diversas dimensões da nossa vida. Algumas mudanças temporárias, outras perenes. Também que muitas pautas, que se arrastavam há anos voltam à baila; agora recicladas e apresentadas como instrumento anti-pandemia.
Dentre medidas que os governos vêm editando, o Federal vem de baixar MP nº 945/20 (portos públicos). Sob “Estado de Calamidade” (Dec. Leg. nº 6/20), sua validade é de 120 dias; terá tramitação acelerada (dispensando análise de comissões); e recebeu 128 emendas. Muitas são similares, centradas no afastamento compulsório dos 60+ (algo como 1/3 do contingente; 100% de algumas categorias), da exclusão de indenização a aposentados, e da multifuncionalidade; conforme informa AT ontem.
Aparentemente as 3 principais controvérsias são: i) obrigatoriedade de escalação eletrônica dos avulsos; ii) possibilidade de contratação de mão de obra com vínculo empregatício pelos terminais por 1 ano; e iii) indenização compensatória mensal para trabalhadores impedidos de serem escalados pelo OGMO (testados positivo, sintomas de gripe, gestantes, etc.).
As indenizações deverão ser, de imediato, pagas pelos operadores requisitantes. Estes, todavia, poderão ser ressarcidos com descontos tarifários ou reequilíbrio dos contratos de arrendamentos. Na raiz da controvérsia a velha questão: “quem paga a conta?” – que não deverá ser pequena! À primeira vista, pelo mecanismo do art. 3º, acabaria sendo arcada pela administração portuária; o que poderia voltar aos próprios usuários ou ao seu, hoje, acionista único: a União. Já os TUPs, particularmente os que compartilham infraestruturas básicas e requisitam nos OGMOs, questionam não terem sido alcançados pelos ressarcimentos; o que expõe, mais uma vez, as diferenças de condições das outorgas.
Da parte dos trabalhadores, a principal preocupação com o vínculo, certamente lembrando os avanços dessa prática no passado recente, é o transitório tornar-se permanente; uma discussão que perdura e até antecede a própria Lei de 1993!
Já no caso da escalação eletrônica (art. 5º), a principal alegação dos sindicatos é a dificuldade dos TPAs com a tecnologia digital; apesar de ser essa uma tendência nos vários setores da economia e, certamente, um legado dessa pandemia. Também pedem auditoria na gestão do sistema, suspeitando de irregularidades.
Em tempos de Fla-Flu, no caso quarentena x liberação, acautelatoriamente a SPA baixou a Res. 44 (continuidade dos serviços dos pátios reguladores), a FENOP lança campanha pela continuidade das atividades portuárias, e a MP sofreu alteração de última hora nesse sentido. Não chega a ser intrigante?
Por outro lado, alguns dos engenhosos mecanismos propostos ainda não são plenamente operacionalizáveis. Antevendo-se cobertores curtos, revisitam-se ideias, como o uso de recurso do Fundo do Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo – FDEPM (estimados em R$ 1,5 bi). Também, paralelamente, a transferência de sua gestão para o setor privado e, até mais amplamente, a reestruturação do “Sistema-S” portuário.
A questão é, pois, multifacetada, complexa, de largo espectro, com interesses diversos; o que salta aos olhos ao se analisar as 128 emendas. Também urgentíssimo!
Necessárias, pois, sabedoria e habilidade para se separar o essencial do acessório.