Frederico Bussinger
“… toda cidade ou casa dividida não subsistirá”
[Jesus; em Mateus 12:25]
Quando a ideia/bandeira de uma nova ligação seca Santos-Guarujá voltou à baila, em 2019, mesmo sem ter-se totalmente claro o problema a ser resolvido ou os drivers em questão, opiniões/interesses se dividiam, polarizadamente, entre ponte ou túnel como a solução: ponte defendida pela Ecovias e Governo do Estado – GESP; túnel pela então Codesp (hoje SPA) e o movimento “Vou de Tunel” (BTP à frente).
A alternativa-túnel, com posterior apoio explícito do Minfra/Governo Federal, acabou por prevalecer e veio a ser incluída como obrigação do concessionário na modelagem do processo de desestatização da SPA. Ao menos por ora, não se ouve mais falar de ponte.
Já no âmbito desse processo (2020-22), além das críticas ao modelo pelo fato de, ao fim e ao cabo, “estar a carga bancando a implantação do túnel”, surgiu uma nova discussão: o concessionário também seria responsável pela operação do túnel, ou apenas aportaria os recursos para sua implantação (cabendo a operação a um futuro concessionário independente)?
Não se conhece desenlace explícito dessa polêmica. Mas, como o TCU, inicialmente tão “parceiro”, tão entusiasmado pela desestatização e tão orgulhoso pela celeridade da análise da Corte (plenária de 13/DEZ/22: 41m42s), i) passou a arrolar críticas ao modelo (3 pedidos de vista), ii) acabou perdendo a pressa, e iii) foi sucessivamente postergando uma decisão final, a aprovação da desestatização tornou-se incerta. Ainda mais porque o TCU procura dividir responsabilidades pela decisão com o atual governo, tendo-lhe dado 60 dias para se manifestar: como este vem declarando publicamente ser contrário à desestatização da SPA, tal como proposto, o mais provável é que a ideia seja abandonada, e o processo seja arquivado ou a documentação devolvida.
Assim, se confirmada essa hipótese, haverá necessidade de se conceber e legitimar um novo modelo que, certamente, será uma modalidade de PPP (demandando aportes de recursos exógenos ao pedagiamento). Isso porque o VPL do empreendimento, segundo relatório encaminhado e analisado pelo TCU, é negativo em cerca de R$ 2,3 bilhões!
A importância do túnel é quase uma unanimidade: para o Porto, por viabilizar eliminação/diminuição do fluxo de balsas; para a Região Metropolitana da Baixada Santista por reduzir um trajeto de algo como 50 para 2 a 3 km. Também sua opção locacional vem se consolidando desde a proposta apresentada pela respeitada projetista Figueiredo Ferraz (15/JUL/97). Da mesma forma, a opção tecnológica (túnel submerso: mais de 150 existentes no mundo), opção também adotada pelo projeto da Dersa e o recentemente revisto pela Codesp/SPA. O que pende ser definido, doravante, é: quem implantará o túnel?
Desafios à frente:
Tanto o Governo Federal como o Estadual vêm declarando intenção de fazê-lo; identidade de propósitos nunca vista desde que o Gov. Abreu Sodré, há 52 anos (15/JAN/71) abriu ao tráfego a primeira ligação seca: Rod. Cônego Domênico Rangoni (a conhecida Piaçaguera-Guarujá). Mas há outra coincidência, também inédita e alvissareira: o indicado para a presidência da SPA, Anderson Pomini, o Secretário Fabrizio Pierdomênico e o Ministro Márcio França são da Baixada Santista. Aliás, também o são dois coordenadores de frentes parlamentares mistas focadas em portos: um deles é o Ex-Prefeito de Santos, Paulo Barbosa que, incidentalmente, foi quem entregou (3/SET/13) o projeto do túnel ao então Governador Alckmin (este não santista; mas torcedor do Santos FC!).
Ademais, além de identidade de propósitos, ambos os governos têm “bala-na-agulha” para levar adiante o empreendimento: o Ministro herdou uma SPA com R$ 1,5 a 1,8 bilhão em caixa; além do projeto atualizado e elementos para a modelagem. Já o Governador, segundo balanço do governo saínte, recebeu caixa de R$ 86 bilhões, sendo “R$ 33 bilhões em recursos de livre alocação”; além de já ter qualificado o projeto no PPI paulista (o que garante prioridade na carteira de dezenas de projetos/R$ 180 bi, e início de tramitação).
Mas nem tudo são flores: i) Quem é o proprietário do projeto (que já passou por tantas mãos)? ii) A licença ambiental dada à Dersa (2/ABR/14), segue válida? iii) Em função das alterações de projeto, a LP necessita de atualização? iv) Dado que a Dersa foi extinta, quem a sucede na LP? v) A ligação seca é entre o Sistema Anchieta-Imigrantes e a Piaçaguera-Guarujá (como propunha a Ecovias), entre as margens direita e esquerda (como formulado nos anos 90), ou entre Santos e Guarujá (na definição recente e hoje mais usual): dessa caracterização, SMJ, depende a definição de competências e da regulação. Vale lembrar que, de qualquer forma, para as fases posteriores do licenciamento ambiental (LI e LO), tanto a União, como o Estado e os municípios legal/normativamente podem e deverão se manifestar. Alias, os prefeitos já indicaram tal disposição, desde já.
Análises SWOT recomendam, estrategicamente, minimizar-se ameaças e pontos fracos, e maximizar-se oportunidades e pontos fortes: para que Porto e região não desperdicem ventos tão favoráveis no momento, esta não é uma sábia orientação a ser seguida?
O “Estatuto da Metrópole” (Lei nº 13.089/15) prevê diversos instrumentos para sua operacionalização. Mas se assenta sobre dois pilares centrais: i) “Função pública de interesse comum” – FPIC (“política pública ou ação nela inserida cuja realização por parte de um Município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto em Municípios limítrofes” – art. 2º; II); e ii) “Governança Interfederativa” (“compartilhamento de responsabilidades e ações entre entes da Federação em termos de organização, planejamento e execução de FPICs” – art. 2º; IV).
Vale lembrar que tal marco regulatório, aperfeiçoado pela Lei nº 13.683/18, para a qual muito contribuiu o Dep. João Paulo Papa (também ex-prefeito santista!), foi gestado quando Gilberto Kassab era Ministro das Cidades (outra favorável coincidência!). Ademais, Kassab foi assessor de primeira hora da campanha do Governador Tarcísio de Freitas, atualmente ocupa a estratégica Secretaria de Governo e Relações Institucionais do GESP, tem bom trânsito também no Planalto, e é reconhecidamente hábil articulador político. Não é pouca coisa; certo?
No mérito, tecnicamente, a segunda Ligação Seca Santos-Guarujá (o túnel), e os serviços associados, não se caracterizam como uma típica FPIC?
Pois é: a adoção de uma “Governança Interfederativa”, envolvendo União, Estado e Municípios da RMBS, pode ser uma forma de se unir esforços e minimizar os riscos de perda dessa singular janela de oportunidades; seja por idiossincrasias pessoais, seja por disputas políticas e/ou eleitorais.
E mais: essa experiência pode, até, vir a se converter em um “case” desse instrumento, até hoje pouco praticado e ainda não consolidado, e em benchmarking para outros empreendimentos infraestruturais e/ou de serviços que envolvam vários entes federativos.