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PERISCÓPIO 110: Audiências públicas no processo decisório de infraestrutura de transportes


Frederico Bussinger

 

“As coisas estão no mundo,
só que eu preciso aprender…”
[Paulinho da Viola]

A audiência pública para renovação antecipada da Ferrovia Centro-Atlântica FCA (controlada pela VLI – 3/FEV) puxou a fila nesse início de ano. Na sequência a da Companhia Docas do Espírito Santo – Codesa e portos capixabas (4/FEV); depois a da Ferrovia Interna do Porto de Santos – FIPS (10/FEV).  Como o MINFRA planeja conceder 55 “ativos” (23 aeroportos; 17 arrendamentos e 1 desestatização portuária; 3 ferrovias; e 11 rodovias) em 2021, as agendas de consultas e audiências públicas da ANTAQ, ANTT e ANAC para este ano devem estar congestionadas. Há, ainda, as de energia, saneamento e de outras infraestruturas e serviços públicos!

Mas o que se discute nesses eventos? E mais importante: que influência têm sobre os respectivos processos decisórios?

Tomando como exemplo aquelas 3, observam-se pequenas diferenças nos títulos das convocações. Há, todavia, aspectos comuns, importantes, que 3 palavras sintetizam: aprimoramento, documentos (disponibilizados) e contribuições (inclusive esta é a expressão formal das participações da sociedade civil nos processos).

E são sintomáticas: revelam que o estratégico intenta-se estar previamente definido, e que o espaço de discussão e eventuais modificações, no processo,  está limitado ao “como” implementar-se: i) em alguns casos ainda mais: apenas “… esclarecer eventuais dúvidas sobre os documentos submetidos à Consulta Pública”; ii) mesmo em se tratando do “como”, procedimentos das consultas/audiências e mecanismos de acesso tratam de evitar que as discussões e “contribuições” abranjam aspectos mais amplos (políticas públicas, macro-planejamento, regulação, etc): é o caso de “contribuições” por itens do Edital ou Minuta de Contrato, que “…deverão ser preenchidas exclusivamente nos campos apropriados do formulário eletrônico”,  como previsto nas normas dos recentes arrendamentos de celulose em Santos (AP-09/2019-ANTAQ); iii) … o que não impede um sincretismo de temas e graus nas intervenções orais!

O resultado global é que as discussões geralmente ficam comprometidas e o aproveitamento das “contribuições” é pequeno; mesmo daquelas na linha do desiderato governamental. Por outro lado, quase sempre os governos logram “aprovar” suas intenções (no processo de consulta/audiência pública e nos Tribunais de Contas); mas com legitimação baixa ou apenas aparente da sociedade civil… o que pode ser uma das causas de tantas descontinuidades de planos e projetos, e de obras paralisadas!

Evidentemente há diferenças, em natureza e grau, entre um arrendamento “brown-field” em porto organizado (com centenas de precedentes); uma outorga de malha que demandaria ampla e prévia reorganização para maximização de resultados; e uma mudança (pioneira) de modelo de autoridade-administradora. Por isso é difícil entender-se tratamentos similares. Mas há experiências que podem “contribuir” para o “aprimoramento” das audiências públicas e processos decisórios de infraestrutura:

Grandes corporações, p.ex, adotam segmentações, explícitas, para processos decisórios estratégicos: normalmente 3. Talvez o mais conhecido seja o “Front End Loading – FEL” (farta literatura disponível, inclusive na internet). Ele denomina a transição das etapas, estanques, de “portas”, cuja ultrapassagem exige: i) aprovação de diversas premissas, diretrizes e/ou condicionantes; ii) por instâncias competentes; via iii) instrumentos formais.

Muitos países também adotam processo decisório similar para decisões disruptivas e/ou irreversíveis. Normalmente com exigência de aprovação parlamentar e, em alguns casos, de dupla votação em legislaturas distintas!

Licenciamento ambientais (a partir da Lei nº 6.938/81) passam também por 3 etapas: licença prévia – LP, de instalação – LI e de operação – LO (art, 8º da Res. Conama nº 237/97).

Para a LP, que precisa ser submetida a uma audiência pública, o foco analítico é a pertinência daquele empreendimento; naquele sítio e situação. Para tanto é analisado o fazer X não fazer (Art. 5°, I; Art. 9º, V da Res. Conama nº 01/86); aspectos positivos e negativos, do econômico, social e ambiental (Art. 6º, l e ll); medidas mitigatórias (Incisos lll e IV) e compensatórias (art. 36 da Lei nº 9.985/00). Só nas etapas de instalação e operação são aprofundadas análises do “como”; mesmo porque, caso não ultrapasse a etapa “prévia”, seria trabalho desperdiçado. Certo?

Espelhando-se nessas boas práticas, por que não introduzir-se uma primeira etapa para decisões disruptivas ou irreversíveis em infraestrutura de transportes? E para projetos “green-field” de porte?

Esta seria uma etapa estanque e formal, na linha de FEL-1 ou LP. Ainda antes da submissão para “qualificação” do PPI e contratação de consultores (podendo subsidiar o respectivo termo de referência para contratação), ela ensejaria uma 1ª audiência fundada apenas nos dados “da casa” que balizaram a convicção e intenção do poder público.

Ganhos na hierarquização das decisões são patentes. Na transparência das variáveis envolvidas, do decidido e suas razões também. Na legitimação pública dos planos e projetos nem se fala. E, ao contrário do que possa parecer, até nos prazos, energia e despesas envolvidas pode/deve haver ganhos.

Fica a “contribuição”!

 

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