Frederico Bussinger
Alguns defendem que o principal poder de um governante, de um governo é ditar a agenda. Outros vão até além: entendem que quando eles deixam de ditá-la, é porque (já) deixaram de governar.
A desestatização (privatização) das autoridades portuárias e/ou dos portos organizados (portos públicos) é pauta e diretriz do governo federal. Importa pouco buscar-se as razões que o levaram a tal definição. E, mesmo, a prioridade do tema para os portos brasileiros nesse momento: está posta sobre a mesa e não há como ignorá-la.
Mas há formas e formas de encará-la. P.ex: i) alguns, ante a inevitabilidade da discussão, procuram posterga-la ao máximo; ii) outros tratam-na da forma como apresentada – em muitos casos na linha de um Fla-Flu (tão em voga nesses tempos de pandemia); iii) outros, consciente ou inconscientemente, introduzem questões menores ou diversionistas (o que dificulta avançar-se no entendimento com consistência); iv) outros têm o debate como um fim em si mesmo (o que, na era de redes sociais, e em meio à pandemia, até funciona meio como uma terapia). O resultado final, onde chegaremos, dependerá, e muito, do mix dessas motivações e, certamente, da competência do comandante do barco e da conjuntura do futuro próximo.
Em recente artigo, Carlos Magano, conhecido engenheiro da comunidade portuária santista e ex-Diretor da Codesp (hoje SPA), deu uma pista: “Primeiro temos que entender qual é o problema… depois deixar claro onde queremos chegar, supondo o problema resolvido”. Duas palavras chaves; dimensões que se complementam: problema (dimensão científica) e queremos (dimensão sócio-política)!
Tal metodologia é consagrada. É antiga, é boa… melhor ainda se for praticada; para o que se sugere alguns cuidados:
Os problemas arrolados precisam ser reais e claramente enunciados. Pode parecer óbvio mas, em meio à marquetagem, todo cuidado é pouco: não pode ser descartado o risco da prática de engenharia reversa. Ou seja; organizar-se um rol de problemas, já direcionado para justificar/fundamentar o objetivo/meta que se pretende seja atingido. Não o sendo, a atuação e poder dos lobbies fica extremamente potencializado.
Depois; como o objetivo final é definir-se “o que queremos” (algo coletivo), recomenda-se que tanto o rol de problemas, como os objetivos a serem atingidos, sejam pactuados junto a parcela relevante dos stakeholders… o que vai além, muito além de serem eles, apenas, fonte de dados e informações: pactuar!
No caso das desestatizações, o mercado vem sendo ouvido por meio do “market soundings”, instrumento que se consolidou precedendo as audiências públicas. Só que, ao contrário da metodologia resgatada, em geral o ponto de partida dessa oitiva é a proposta; não os problemas (pactuados) a serem resolvidos. Quando for ouvido um leque mais amplo de stakeholders, pública e coletivamente, pode haver surpresas: os sintomas dos problemas hoje são bem distintos daqueles que motivaram as duas últimas reformas (década de 1990 e 2010)
P.ex, i) o foco das demandas que impulsionaram a Lei nº 8.630/1993 era o cais: como embarcar, desembarcar e armazenar. Hoje o principal gargalo e, por conseguinte, o foco principal são os acessos: como chegar e sair dos portos/complexos portuários; ii) assim, se há 3 décadas a ênfase era portuária, hoje ampliou-se: é logística; iii) tanto lá como agora há necessidade de aumento de capacidade: só que lá foi feita essencialmente com mecanização e automação (visto haver infraestrutura sub-aproveitada). Hoje é necessário requalificar a infraestrutura existente, mas também ampliá-la; iv) lá buscava-se a “avulsificação” da capatazia; hoje a vinculação dos TPAs (avulsos); v) lá era redução do contingente (embates tensos!); hoje a qualificação (e requalificação da mão-de-obra; inclusive na perspectiva do pós-Covid e da Economia 4.0); v) lá as empresas/empresários queriam entrar no porto público; hoje, à exceção de operantes com granéis líquidos, o desejo majoritário (ainda que surdo) é sair dos portos públicos (ante as vantagens competitivas dos TUPs, proporcionadas pela lei de 2013 – conforme, inclusive, constatado por recente auditoria do TCU); vi) lá a unidade para se pensar a governança era o “Porto Organizado”; hoje é o “complexo portuário” (que inclui os TUPs); vii) hoje há, também, demandas, desafios, compromissos e metas ambientais que inexistiam há 30 anos atrás.
Ou seja, algo bem além de “ativos”, que aparentemente é a matriz de pensamento, o motor e a métrica da diretriz da desestatização das Autoridades Portuárias e/ou dos portos organizados (portos públicos). Ainda é tempo de se aplicar a velha, boa e consagrada metodologia; ora resgatada.