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PERISCÓPIO 150: Revelado o modelo, o que já é possível saber sobre a desestatização do Porto de Santos?


Frederico Bussinger

O evento daquele 6/DEZ/12, em Brasília, fora divulgado como para lançamento do “Programa de Investimentos em Logística – PIL: Portos”. O deste 10/FEV/22, em Santos, na ACS e virtualmente, como a Audiência Pública – AP, legalmente exigida, para a desestatização (privatização) do Porto de Santos. Algumas autoridades e muitos dos que acompanharam a AP também marcaram presença no Palácio do Planalto há 10 anos.

Apesar dos elevados investimentos então divulgados (R$ 54,2 bi para o quadriênio 2014-17), os resultados concretos do PIL/Portos ficaram bem aquém do prometido. O que transpôs o túnel do tempo (usando imagem do Ministro na AP), o que remanesceu e influencia o setor até hoje foi uma coadjuvante: a MP-595, assinada com pouco destaque pela Presidente na cerimônia (embrião da Lei nº 12.815/13, principal balizadora do atual modelo portuário brasileiro). Já a AP, convocada para se apresentar e discutir uma profunda inflexão na governança do Porto Organizado de Santos, curiosa e inversamente vem sendo destacada no noticiário dos últimos dias e nas redes sociais pelos R$ 30 bi em investimentos anunciados no “keynote speech” do ministro (1.45.05 do vídeo da AP).

A governança, a regulação, em si, estiveram e seguem em 2º plano: os algoritmos e instrumentos do modelo proposto até chegaram a ser objeto das 20 intervenções na parte final da AP (após 3.19.55); pacientemente respondidas pela “mesa”. Mas a opção estratégica até parece já ter sido assimilada, inclusive por segmentos dos trabalhadores. Ao menos publicamente. O que se percebe, fazendo analogia a instrumento do bipartidarismo (Arena e o velho MDB), é algo como sublegendas da desestatização: quase sempre o rito começa com parabenização do processo e da equipe, e segue com reverente declaração de apoio à desestatização. Cumprido o protocolo, aspectos do modelo, considerados como pontas (ainda) soltas, são diplomaticamente apresentadas como “preocupações”: não se registraram arguições na AP, só “dúvidas”; nenhuma proposta alternativa, só “contribuições”.

No mérito, todavia, essa face “soft” não impediu que questões delicadas viessem à baila. Desde logo duas estruturais: i) governança do Complexo Portuário: o escopo da concessão é, “apenas”, o Porto Organizado (1.44 do Edital), e este metade do Complexo, mesmo já sob a recentíssima Nova Poligonal; ii) PDZ desalinhado: a modelagem e a documentação disponibilizada são baseadas na Poligonal/2020 (item 4.1, do Ato Justificatório): a atual, que delimita os ”ativos”, é o dobro dessa!

Também de modelo/processo: iii) riscos para o “ambiente concorrencial em bases isonômicas” se com um administrador não-neutro e focado nos “ativos” (não na função); iv) incertezas quanto à transição, particularmente transferência e reequilíbrio dos atuais contratos (arrendamentos e passagens); v) compatibilização de investimentos, com recursos próprios, e reduções tarifárias; vi) futuro dos postos de trabalho e capacitação (vinculados e TPAs); vii) papel da ANTAQ e modelo regulatório; viii) prazo exíguo para análise da vasta documentação e nebulosidade quanto ao modelo finalmente a ser encaminhado ao TCU.

E, finalmente, político-administrativas: ix) detalhes parcos sobre a nova dinâmica na relação porto-cidades (3.30.20); e x) forma de viabilização do túnel, guindado a protagonista central e elemento chave da equação: concessionário investe, mas não explora. Além do modelo, em si, este tema foi aquecido por estocadas típicas de períodos eleitorais, do Governador e do Ministro; ambos pré-candidatos (ao que tudo indica a se desencompatibilizarem dentro de 45 dias): aquele ameaçando judicialização do processo caso o Governo Federal não libere o projeto da ponte; este desqualificando o plano/projeto estadual (ponte) por incompatível com a segurança e o funcionamento do Porto (1.54.40).

O prazo para apresentação de “contribuições” está logo aí: 16/MAR/22. Após rechaço inicial, como praticamente todas as entidades que se manifestaram na AP bateram na mesma tecla, a “mesa” acabou por concordar em realizar uma 2ª Audiência Pública, antes de encaminhar a documentação ao TCU (sem sigilo, dessa vez!). O prazo é curto e a pauta longa. “Erros” indicados pela própria documentação (4.14 do Edital, p.ex) e “erros materiais” certamente serão corrigidos, assim como preenchidas lacunas com dados quantitativos (4.44). Mas há temas mais complexos: alguns, por envolver interesses conflitantes (inclusive de “cachorro grande”), talvez estejam mais para o desafio da quadratura do círculo!

Investimentos:

Como no PIL/Portos, de uma década atrás, os R$ 30 bi anunciados agregam fontes e usos de naturezas diversas. Desmembra-los facilita a compreensão do proposto:

Quanto aos “investimentos”, R$ 12 bi foram agregados aos números que vinham sendo anunciados no passado recente; ainda que sejam obrigações dos concessionários ferroviários na FIPS (1.58.27) e de futuros arrendatários, como tantos vêm fazendo no Porto desde os anos 1990: não são, pois, de responsabilidade da futura SPA. A esta cabem os R$ 18,55 bi remanescentes (Slide 3.1 da apresentação) ao longo dos 35 anos da concessão; dos quais R$ 14,16 bi (76%) são para “manutenção”. Ou seja, são despesas correntes, regulares, como habitualmente feitas. Ainda que esse enquadramento contábil possa trazer benefícios tributários, conceitualmente está mais para OPEX que para CAPEX como, aliás, um dos intervenientes chamou atenção na AP (5.19.00).

De CAPEX, propriamente ditos, estão previstos o túnel (R$ 2,99 bi) e R$ 1,4 bi em infraestruturas (aprofundamento do acesso aquaviário: R$ 761 mi; acesso rodoviário: R$ 480 mi; sistemas e infraestrutura geral: R$ 156 mi): investimentos no túnel e infraestruturas montam, assim, a cerca de R$ 4,4 bi (15% dos R$ 30 bi)!

Pelo lado das fontes, o “investidor”, potencial futuro concessionário, em termos de aporte de recursos no curto prazo (próprio ou financiado), assume dois compromissos: R$ 747,5 mi para integralização de 25% do capital da “Túnel S/A” (R$ 2,99 bi), e R$ 574 mi na compra das ações da SPA (Slide 6.1 – na prática, não é “fazer caixa para o governo”?). Ou seja: no total R$ 1,3 bi.

As 2º e 3ª parcelas dessa integralização, nos anos subsequentes, mais os R$ 14,61 bi para “manutenção” e R$ 1,4 bi de CAPEX para infraestrutura, do que se depreende das remissivas e intrincadas condições distribuídas em 58 arquivos (quase 1 Gb!), serão bancadas pelas “Receitas Tarifárias e Não-Tarifárias estimadas para todo o prazo da Concessão”, cujo valor presente é da ordem de R$ 24 bi (Cláusula 5.1 do Contrato de Concessão).

Em suma, pelo que informa a documentação disponibilizada, sabe-se que: i) Os investimentos “pesados” cabem aos novos arrendatários e concessionários ferroviários (via SPE da FIPS); ii) Todo o OPEX será bancado por receitas portuárias (como sempre foi!)… assim como parte dos “encargos da concessão” (Slide 6.1 e Cláusula 6) e parte da integralização da “Túnel S/A”; iii) A SPA tem hoje R$ 1,3 bi em caixa (ordem de grandeza dos R$ 1,4 bi para as obras de infraestrutura sob responsabilidade do concessionário); iv) De novidade, pra valer, só mesmo o túnel.

Estratégia:

A essa altura, sendo procedente essa síntese preliminar, é inevitável ponderar-se:

Por que não uma PPP específica para a Ligação Seca (ainda que o fluxo de caixa da SPA venha a aportar-lhe parte dos recursos)? Além da razão ideológica, faz mesmo sentido percorrer todo esse complexo caminho… mormente em ano eleitoral? Enfrentar todas as incertezas, riscos e efeitos colaterais presumíveis? Por que não seguir os portos de referência mundial, as melhores práticas internacionais e manter-se a “exitosa” SPA gerindo esse (meritório) plano de obras (eventualmente abrindo-lhe o capital em Bolsa)?

Por que não se redirecionar tempo, recursos e esforços (do Governo e da sociedade), redefinir-se a agenda e priorizar ações que não dependem obrigatoriamente de leilão, mas muito mais de decisões do poder público e articulações? P.ex: i) compatibilização de capacidades das malhas ferroviárias da Baixada e Serra com as expansões do Planalto? ii) unificação das operações e administrações de todas as malhas da Baixada visando a uma gestão mais eficiente? iii) eliminação do monopólio no acesso ferroviário às instalações portuárias? iv) estruturação de uma governança abrangente e mais contemporânea para o Complexo Portuário?

Esses, problemas reais, demandam soluções urgentes. Com ou sem desestatização.

(*) 150º artigo da coluna, originalmente publicado em A Tribuna; Santos-SP

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