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PERISCÓPIO 167: Porto de Santos: desestatização X gestão tripartite


Frederico Bussinger

O Porto de Santos bateu mais um recorde em 2022; como, aliás, em quase todos anos das três últimas décadas: as estatísticas ainda não estão consolidadas, mas a movimentação do Complexo Portuário deve superar 160 milhões de toneladas. Ou seja: mais de 5 vezes o patamar do início dos anos 1990; após um longo período de estabilidade, e às vésperas de demarrarem as reformas portuárias pós-Constituinte.

Novos e importantes arrendamentos, anuncia-se, estão quase prontos para serem leiloados. Projetos de ampliação e de novos terminais há; dentro e fora do Porto Organizado: alguns em curso, outros em carteira, e ainda outros aguardando aprovações finais.

Os acessos, todavia, seguem sendo o principal gargalo para suas expansões e desenvolvimento. Particularmente os rodoviários, cuja pavimentação, sinalização e iluminação estão em estado incompatível com a dimensão e importância de quem é responsável por 1/3 do comércio exterior brasileiro: seria, assim, mais que oportuna a aceleração das manutenções retomados recentemente; mesmo porque é sabido que a SPA (Administração Portuária) tem cerca de R$ 1,5 bi em caixa. Dotação orçamentária também. E, como constatou o Min. Benjamin Zymler, em sua visita a Santos, contratação não é barreira intransponível (43.20); nem a Lei nº 8.666/1993 um bicho papão, menos ainda com as modificações da Lei nº 14.133/2021.

Recordes, cenários promissores para 2023, novos arrendamentos, ampliações e caixa; ainda que a par de deficiências graves (e urgentes) a serem enfrentadas: seria, todavia, uma pena se indefinições sobre governança produzissem paralisia na gestão do Porto!

Relembrando: tão logo indicado, ainda que ressalvando “o que já foi concedido será mantido” (referência direta à Codesa), o Ministro Márcio França descartou a desestatização do Porto de Santos: asseverou que “a Autoridade Portuária vai continuar estatal” e indicou sua preferência pelo modelo tripartite (“…que tivesse municípios, Estado e União no comando…  nada impedindo que esse comando tenha uma quarta posição para ter um privado ajudando a gerenciar”).

Entretanto, logo a seguir o Governador paulista, Tarcísio de Freitas, informou que “vai a Lula para tentar convencer o governo federal a manter o leilão” (para desestatização). Inclusive já teria procurado o Vice-Presidente Alckmin como um primeiro passo.

TCU: um ator cada vez mais presente

Por rigor factual, e a bem da verdade, antes mesmo que o futuro Ministro de Portos e Aeroportos fosse anunciado, o TCU já havia interrompido o processo de desestatização santista (Processo nº 035.732/2020-2). Isso ocorreu na Plenária de 13/DEZ, em função de 3 pedidos de vista (ministros Walton Alencar, Benjamin Zymler e Vital do Rêgo).

No rol de dúvidas e objeções pontuais, “levantadas em menos de 15 minutos”, conforme observou o Min. Vital do Rêgo (45m30), destaque-se idas e vindas na modelagem, mesmo após a realização das audiências públicas no início do ano: exclusão e posterior inclusão do túnel Santos-Guarujá no objeto da concessão; o inverso em relação ao arrendamento do STS-10; a duplicação e redução da Poligonal; riscos de verticalização e aspectos relacionados à conta vinculada (“uma inovação”35m30)

Mas houve também questionamentos conceituais, estratégicos e/ou de política pública: “Por que privatizar se está dando lucro?”, indagou o Min. Benjamin Zymler (43m55). E foi além: “Por que privatizar, se em outros países administrações portuárias são públicas?”… raciocínio implicitamente endossado pelo Relator ao distinguir terminais (desde há muito 100% privados) de administrações portuárias (“guardas de trânsito”, na sua analogia – 44m10).

Em termos práticos, por “não sabermos os riscos” (36m30), “cautela” foi orientação encampada pelo Relator (37m58). Por isso recomendou acompanhamento e avaliação, periódica, do único exemplo de desestatização consumado (Codesa e portos capixabas – 37m18).

Recomendou, ainda, a inversão da ordem dos processos de desestatização, “passando outros à frente e deixando Santos por último” (38m38); recomendação essa, inclusive, explicitada entre as 4 determinações e 10 recomendações do Acórdão (pg. 1.654ss): “Recomendar ao Ministério da Infraestrutura, com fundamento no art. 250, inciso III, do Regimento Interno/TCU, que: … antes de prosseguir com a desestatização do Porto Organizado de Santos, implemente a privatização de outras autoridades portuárias de menor dimensão, relevância e complexidade, com avaliação periódica minudente dos riscos e problemas observados, permitindo o aprimoramento do modelo regulatório e a aquisição de experiência pelos órgãos e entidades atuantes no setor” (9.4.1). Nos debates, Itajaí e São Sebastião foram citados.

Diante dessa pré-decisão, porém, uma curiosidade: como votarão os 3 ministros quando o tema voltar à pauta? Aliás, na Plenária que já está até agendada: 8/MAR/2023.

E agora?

Incidentalmente, o tal modelo tripartite é um caso particular do multicentenário “Land-lord”; concebido na Europa há 800 anos, e atualmente adotado por, pelo menos, 4 entre 5 portos do Planeta. Ele é caracterizado, principalmente, pela autonomia (descentralização?) de gestão; mas, também, pela separação de operações (privadas) e autoridade-administradora (pública); na linha das reflexões dos ministros do TCU.

É também uma variante da chamada “regionalização”, que bateu na trave após ter sido estudada no início do século: primeiro, por uma comissão de 15 membros (3 instâncias de governo, empresários e trabalhadores), criada por Protocolo de 23/AGO/2001. Depois por um GT específico. Foi também objeto de Seminário, promovido por A Tribuna (Santos), em 25-26/OUT/2001.

Como acessos são hoje os principais gargalos do Complexo santista; estradas são da órbita estadual, avenidas e ruas competência municipal e ferrovias de outro ministério; uma abordagem integrada é desafiadora. Também o são as relações porto-cidades, a pauta ambiental e qualificação de trabalhadores que, nessas duas décadas, se tornaram mais complexas e plurais. Ademais, agora com a companhia da digitalização, transição energética, economia 4.0 e ESG.

Gestão certamente é um desafio. Mas articulação também o é; tanto maior quanto maior o número de atores envolvidos.

Gestão e articulação são, pois, variáveis essenciais na análise e discussão desestatização X modelo tripartite no horizonte visível.

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