Frederico Bussinger
“Insanidade é repetir as mesmas coisas,
e esperar resultados diferentes”
[Atribuída a Einstein]
No 1º trimestre deste ano, 118 contêineres (TEUs) passaram pelo Porto de Itajai (na prática, pelo Teconvi; atualmente operado pela APM – “A.P. Moller”). Isso mesmo. Você não leu errado não: pouco mais de uma centena!
Para um porto que chegou a movimentar cerca de 700.000/ano (2006-08) e, mesmo durante a pandemia, mais de meio milhão, convenhamos, é algo irrisório; não? Como explicá-lo? O método socrático pode nos ajudar:
A hipótese mais imediata seria uma eventual retração de mercado. Mas não: o Complexo Portuário (Porto Público mais 6 TUPs), compartilhando da mesma infraestrutura aquaviária e do mesmo mercado relevante, ao contrário, cresceu 36% nos últimos 5 anos (pico de 48%). Portonave à frente: saltou de 60% para 77% dos mais de 1,5 milhão TEUs/ano (2019-22). E, neste 2023, para 99,95% do porto proporcionalmente mais conteneiro do País (e um dos maiores do mundo)!
Bem… necessária, então, uma 2ª hipótese: essa ociosidade do Teconvi não seria atribuível à diferença de desempenho, de competência dos dois operadores? Ou seja: a TIL – “Terminal Investment Ltda”, no caso do TUP Portonave (Navegantes), e a APM, no caso do arrendamento (Itajaí). Curiosidade: incidentalmente os contratos de adesão (MT/DP nº 098) e de arrendamento (API – nº 030), respectivamente, foram firmados em 2001.
Sim, vale avaliá-lo! Deve-se considerar, todavia, por “economia processual”, que ambas são empresas privadas. Ambas estão entre os 10 maiores operadores portuários de contêineres do mundo (entre os 5, conforme o critério); atuando em dezenas de países dos 5 continentes. Ambas pertencem aos mesmos grupos econômicos dos dois maiores armadores do mundo (mercado progressivamente verticalizado): MSC e Maersk. Portanto, é pouco provável ser essa a explicação.
Como a movimentação de contêineres em Itajaí cresceu 3 vezes nos 5 anos entre a assinatura do contrato de arrendamento e o início da operação da Portonave (2007); e quase 6 vezes desde a municipalização, em 1997 (Convênio de Delegação nº 08); recomenda-se também que a hipótese de incompetência da gestão (pública) municipal seja afastada. A se acrescentar, reforçando-o, que, durante esse período, a cidade foi governada por prefeitos de distintos partidos políticos; fato também observado nos governos de SC e federal.
E então?
Assim, na busca de explicações, tudo indica que o espectro de hipóteses precisa ser ampliado para incluir, p.ex: a) Enchente de NOV/2008: sabe-se que o Rio Itajaí-Açu, via de acesso a ambos os terminais, enfrente cheias periódicas. Mas, como sentenciou a justiça, com base em laudo pericial, “… alteração da hidrodinâmica do Rio Itajaí, em razão da construção do Portonave, constitui aspecto essencial para os efeitos da enchente sobre os berços do Porto de Itajaí” (TRF-4 – Embargos de Declaração – Ação Popular nº 5011365-62.2016.4.04.7208/SC – “g”). Ou seja; os impactos da mega-enchente foram diferenciados sobre os terminais: Itajaí, em 2009, experimentou redução de 59% na movimentação (476.995 – 196.634 TEUs), quando comparada à de 2008; enquanto a Portonave aumento de 82% (216.539 – 394.902 TEUs); o que lhe permitiu ultrapassar seu vizinho/concorrente. b) Obstaculização do processo de renovação antecipada do contrato da APM, de licitação de um novo terminal de contêineres no Porto de Itajaí, em 2012, conforme constatado pelo TCU em auditoria operacional de 2019/20 (Item-113ss). c) Limitações também para implementação das expansões previstas como, p.ex, no PDZPI/2019 (pgs. 292ss; figs. 175 e 179); entraves nem sempre encontrados pela Portonave para aditar e adaptar seu contrato de adesão, e/ou ter suas sucessivas expansões autorizadas e licenciadas. d) Demora na renovação da Delegação ao Município (vencida no final de 2022), processo que se arrastou mais intensamente desde 2017; agravada pelas idas e vindas do envolvimento da CTIL nas operações do terminal, ano passado.
E, principalmente, a heteronomia, assimetria entre as condições de exploração: arrendamento (Itajaí) X TUP (Portonave); distantes meros 300-400 metros! Ambos se utilizam de “terrenos de marinha” e, quando contíguos, os navios que acessam uns e outros, em geral, pagam tarifas de acesso aquaviário similares. Mas, p.ex, arrendamentos têm contratos com prazo limitado, TUPs não; aqueles pagam outorga, estes não; aqueles requisitam trabalhadores avulsos – TPAs nos OGMOs, estes não obrigatoriamente. Aqueles têm tarifas previamente aprovadas e controladas, estes prestam serviços em regime de liberdade de preços.
Em maior ou menor grau, dentre outros, esses fatores certamente contribuíram para a diferença de performance dos dois terminais ao longo dos últimos 15 anos. Também para o quadro que se observa atualmente:
Em Navegantes, um terminal (Portonave) de classe mundial; tecnologicamente avançado, eficiente, comercialmente agressivo, estrategicamente determinado; iniciando nova ampliação que lhe permitirá, a partir de 2025, receber navios de até 350m de comprimento.
Já em Itajaí, um terminal praticamente às moscas, com pouco trabalho para os 400 TPAs vinculados ao OGMO. Terminal invejado, benchmarking do início do Século, foi vetor da expansão operacional, comercial e física do Porto/Complexo Portuário (para o que teve “audácia” de bancar a realocação da maior concessionária de automóveis da região, da Capitania dos Portos e da própria Prefeitura!), e viabilizado a reurbanização de seu entorno: é até difícil calcular a perda de valor do “ativo” Porto de Itajaí desde então; algo que talvez o TCU possa, didaticamente, dimensionar em sua próxima auditoria operacional, prevista para o segundo semestre. Como referência: em 2017, 50% da Portonave foi vendida por R$ 1,36 bi.
Cenários:
A APM, operando desde 2016/7 no vizinho Porto de Itapoá, como subproduto da compra da Hamburg Sud pela Maersk, já se reposicionou e, imagina-se, tem novos planos para o futuro. Mas sua decisão de descontinuar a atuação em Itajaí, a partir de 1º/JUL próximo, “… após mais de duas décadas de atuação, …. investimentos de mais de R$ 720 milhões … e 8 milhões de TEUs”, malgrado a delicada e simpática mensagem de despedida, é sintomática. E seria prudente tomá-la como um alerta.
Mas, talvez, o mais importante na perspectiva estratégica: nesse momento em que o Governo Federal anuncia a intenção de firmar nova delegação com o Município de Itajaí (25 anos), e de fazer licitação para arrendamento (35 anos) das instalações outrora ocupadas pela APM, uma análise mais minuciosa desse processo, suas relações causais e prognósticos, seria da maior importância para orientar a definição da modelagem do arrendamento e de eficaz governança; até do Complexo Portuário.
Sem isso, sem que seja garantido ao potencial futuro arrendatário de Itajaí um “ambiente concorrencial em bases isonômicas”; com reais condições estruturais, econômicas e regulatórias de competição no mercado regional (particularmente com a Portonave), ainda que o leilão chegue a ser exitoso, o mais provável é que o arranjo resultante seja sub-ótimo.
O modelo landlord, com gestão descentralizada, autônoma e participativa, e sob comando de organizações públicas (evidentemente profissionalizadas!), sabemos, é o benchmarking internacional. Mas uma nova delegação para o Município de Itajaí, por si só, “coeteris paribus”, pode não reproduzir os dias de glória vividos pelo Porto no início do Século XXI.