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As Cidades e seus desafios

O conceito de território que fundamenta esta breve reflexão se refere à importância que a territorialidade adquire frente a utilização que os indivíduos conferem àquele território. Ou seja, a territorialidade entendida como conjunto dos desempenhos sociais e atividades cotidianas que se desenvolvem sobre determinado campo territorial.

Não se trata, somente, de considerações acerca da geografia dos lugares, mas essencialmente de relações de ocupação de espaços associados aos aspectos sociais e simbólicos como apego aos lugares, identidade cultural, memórias afetivas e tangíveis de espaços de vivência e convivência, dentre outras relações de identidade dos indivíduos com o território.

Assim, a territorialidade é a possibilidade de construir, conservar, modificar e proteger o território, apropriando-se dos espaços, como expressão da dimensão existencial, cultural e econômica, resultante das ações de pessoas e seus coletivos.

A PNAD 2015 apontou que perto de 85% da população brasileira vive em cidades. As cidades brasileiras cresceram fortemente pela presença de grandes contingentes populacionais atraídos pelas promessas de emprego, trabalho e melhores condições de vida, em boa parte, como resultado do êxodo rural das décadas de 1970 e 80. Para se ter uma ideia, nos últimos 60 anos, o total da população brasileira passou de 70 milhões para 209 milhões de habitantes. E a porcentagem de brasileiros que vivia nas cidades passou de 44% para os 85% da população vivendo nas zonas urbanas brasileiras.

Mas as transformações que ocorreram nas cidades, no mesmo período, não foram acompanhadas das necessárias adequações demandadas para atender esse contingente urbano. A implantação de serviços e infraestruturas ficou aquém desse incremento e da subsequente expansão populacional. Tampouco o desenvolvimento das cidades se deu levando em conta políticas públicas de uso e ocupação do solo eficientes e sustentáveis.

As cidades, tal como as pessoas, são organismos vivos que se movimentam junto com seus habitantes. Criam fluxos, rotas, caminhos. Esse é o sentido da territorialidade como ação coletiva. Abre espaço para as atividades cotidianas:  moradia, saúde, educação, cultura, mobilidade, segurança, entre outros. Surgem diferentes orientações do uso de espaços determinados, tenham elas caráter de controle, posse ou demarcação territorial. É o que identifica os indivíduos e grupos com o “seu” território, nas várias dimensões da vida em determinados ambientes. Dá sentido à ocupação e organização dos espaços. Formam, definitivamente, os aglomerados, a identidade social urbana, a construção de identidade comunitária e o apego aos lugares. É a modernização das cidades! (?).

Responsável pela regulação, prefeituras e câmaras municipais vão formando o ordenamento a partir de interesses de grupos, nem sempre de promoção comunitária e de interesse social e urbano. De acordo com o Art. 2º. da Lei nº. 10.257, que instituiu o Estatuto da Cidade, “a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, da propriedade urbana, mediante as diretrizes de garantia do direito a cidades sustentáveis, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”.

Isso porque os principais benefícios que podem advir do planejamento urbano vinculam-se à gestão da cidade e a disponibilização de serviços para a população. Contudo, como já assinalado, serviços essenciais e infraestruturas nem sempre são providos, tampouco na quantidade necessária, proporcional ou espacialmente bem distribuídas pelo território.

No que pese ser o crescimento das cidades um desafio mundial, as cidades brasileiras, neste momento, passam a enfrentar também mais um desafio crucial: a verticalização.

Porque as cidades estão deixando de crescer horizontalmente. E porque todos os dias são demolidos casas e pequenos edifícios. Transforma-se a paisagem urbana. Pouco se respeita a organização territorial baseada no convívio social, ou na ligação do indivíduo com seu meio. Aparecem, do dia para a noite, grandes edifícios nos bairros tradicionais assim como nas periferias. Transformações reguladas somente pela lei da oferta e da procura, nos lucros e dividendos, maior adensamento mais imposto por região.

Trava-se uma batalha legislativa pelo zoneamento urbano das cidades, em particular nas zonas bem providas de serviços públicos e infraestruturas. Há os que alegam que com o adensamento verticalizado seja possível ao poder público prover escolar, hospitais, centros de abastecimento, melhor acessibilidade por transporte coletivo.

O que se percebe é que essas áreas urbanas começam a levantar questões relevantes sobre a viabilidade de cidades tão grandes. Desafios se colocam para provimento de água, energia elétrica, abastecimento, alimentação e transporte, capaz de sustentar uma grande população e com tendencia crescente. E a que preço! Aumentam os serviços crescem as tarifas!

As diferenças entre o centro e as periferias se acentuam. Não somente pela falta de equipamentos urbanos básicos, regularidade de transporte ou carência de serviços. Mas sobretudo pela ausência da presença do Estado como poder constituído e regulador das relações sociais.

Recentemente, as cidades passaram a conviver, principalmente nas áreas periféricas, com outros elementos diferenciados na paisagem urbana. Trata-se de edificações construídas laje sobre laje, muitas vezes sem regularização fundiária ou licenças urbanas. Com mais um elemento agravador: sem comunicação com as áreas exteriores dos aglomerados fechados que vão se formando. Há somente uma entrada e saída, sob vigilância permanente. Pouco se sabe sobre o que acontece nessas comunidades fechadas. Ou sobre as condições de moradia, urbanidade e convivência. Crescem na mesma velocidade que as cidades se verticalizam. É a verticalização das favelas.

É o crescimento e a institucionalização da precariedade, decretado pela ausência de políticas urbanas, notadamente de habitação e inclusão. É a aceitação de áreas degradadas do território seja espacialmente, seja pelas precárias condições de vida, marginalidade econômica, territorial, social e cultural a que, por decorrência, se lançam milhares de pessoas. Condições essas que tornam invisíveis esses habitantes e seus territórios.

O que se constata é que as transformações urbanas recentes experimentadas na maioria das cidades em todo o mundo, em maior ou menor grau, são irreversíveis. Projetam o futuro das cidades. Preparam uma relação de territorialidade cuja lógica não mais se remete aos coletivos formados por laços agregadores de sentidos comuns. Transforma-se a alma dos indivíduos. Definha a alma das cidades!

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