Skip to content

PERISCÓPIO 121: Marimex como um “case”


Frederico Bussinger

Não precisa explicar, eu só queria entender
[Macaco Sócrates – “Planeta dos homens”]

 

Não é comum o TCU tomar decisões com placar apertado: 5X3. Menos ainda com invocação de argumentos tão díspares. Talvez por isso são genéricas, ou contidas, as manifestações enquanto se aguarda o que finalmente estará cravado no Acórdão do decidido pelo plenário do tribunal nesse 5/MAI: determinação ao governo federal para que prorrogue (ou estenda?) o contrato de arrendamento da Marimex até 2025.

No polarizado embate, que se arrasta já por algum tempo, discute-se o futuro da área hoje ocupada pelo terminal da empresa no Porto de Santos: i) o poder público (Minfra e SPA) decidiu não prorrogar o respectivo contrato de arrendamento, vencido há um ano (MAI/2020): planeja utilizá-la para nela implantar uma pera ferroviária e um terminal de fertilizantes; ii) a Marimex, por sua vez, pretende continuar operando o terminal de contêineres por mais 20 anos e, para tanto, pediu sua extensão ao Minfra. Diante da negativa, buscou o TCU e dele obteve medida cautelar para ali seguir com suas operações, que vêm desde 1987 em outra área, vizinha.

O relator, Min. Vital do Rego, apoiado por 4 outros conselheiros, votou pela prorrogação. E nos debates de quase 2 horas, contraditando a proposta alternativa do Min. Walton Alencar de se firmar um contrato de transição, reforçou o argumento de seu relatório que “o contrato de transição é precário e, por isso, não seria o mais adequado”. E ainda alfinetou o governo e a autoridade portuária: “a decisão de manter a proposta … é pela falta de planejamento do próprio governo em relação aos projetos que vão entrar no lugar ocupado pela Marimex”.

No encaminhamento de sua alternativa, acompanhada por 2 outros ministros, o Min. Alencar iniciou por fazer duras críticas à proposta por fim vencedora e, ao fundamentá-la: i) arguiu a competência do TCU para determinar renovação de contratos de arrendamento entre uma empresa e o poder concedente, mormente na análise de uma denúncia, e de terceiros; ii) lembrou que “a empresa (Marimex) obteve áreas sem licitação“; iii) que “um contrato encerrado não pode ser renovado”; e iv) que “temia que com a decisão a empresa se perpetuasse no terminal usando a decisão do TCU”.

Independentemente do futuro do arrendamento, da pera ferroviária ou do terminal de fertilizantes, planejados, esse (prolongado) contencioso já é um “case” que pode ser de grande utilidade para as discussões do futuro dos portos brasileiros:

De imediato, põe em xeque os contratos de transição como instrumento para “trocar o pneu com o carro andando”; o que vem sendo largamente utilizado pelo poder concedente, com aval, ainda que implícito, dos órgãos de regulação e de controle para compatibilizar planos futuros com necessidade operacionais presentes.

De igual forma a prática de se agendar leilões (por vezes realizá-los e firmar os respectivos contratos de arrendamento) com graus de incertezas elevados em relação à possibilidade de cumprimento dos compromissos assumidos pelo poder público; ao menos nos prazos definidos. No caso específico, é sabido que tal pera ferroviária é um dos pilares centrais para os projetos de requalificação da malha ferroviária interna do Porto; e essa para o futuro dos arrendamentos e da sua própria expansão.

Os contratos dos 2 terminais de celulose, p.ex, leiloados ano passado, dependem essencialmente do fluxo ferroviário. Assim, as incertezas que já havia em relação à implementação do projeto anunciado (das 294 contribuições recebidas pela ANTAQ para o STS-14, versaram sobre ferrovia 65 delas!), ficam agora maiores ainda. Qual o risco de haver um pedido de reequilíbrio econômico-financeiro pelos terminais de celulose em função de atrasos ou não cumprimento de outras obrigações pelo poder público?

Lança dúvidas, ainda, sobre quem e como se decide arrendamentos e parcerias nos portos públicos. Enfim, sobre o processo decisório como um todo; cada vez mais confuso! Quem tem a palavra final? Quem, na verdade, é a autoridade portuária? Como explicá-lo a um estrangeiro (investidor ou não)? Ah! Como seria esse tema tratado na hipótese da SPA vir a ser efetivamente privatizada?

E mais, essa decisão do TCU, se mantida e implementada tal como anunciada, poderá ter implicações que vão muito além da Marimex e seu terminal. P.ex; i) a “Ferrovia Interna do Porto de Santos – FIPS”, que teve audiência pública há poucos meses, teria que ser repensada/redefinida, seja em termos de projeto, seja em termos de modelo; ii) com isso, a solução do imbróglio ferroviário da Baixada Santista (01, 02, 03, 04, 05) acabaria inevitavelmente por ser postergado (talvez por anos!); iii) a postergação dessa solução muito provavelmente teria implicações sobre projetos e investimentos de outros arrendamentos; iv) no limite, poderá influir até mesmo na configuração do Complexo Portuário: com tantas incertezas em relação à área interna da Poligonal, ao Porto Organizado, certamente haverá forte estímulo para a aceleração da ocupação do “Fundão do Estuário” (01; 02).

Na raiz desse quadro (que não obrigatoriamente precisaria acontecer) há forte contribuição de uma visão/abordagem patrimonialista (ao invés de funcional), e autoridades portuárias com pouca ou nenhuma autoridade. Em portos onde o modelo landlord é efetivamente praticado, é normal a autoridade portuária realocar operações e terminais na perspectiva estratégica do porto; negociadamente ou mesmo definindo as condições para tanto. Foi, p.ex, o que o grupo que estagiou em Roterdã (em 1996 ou 1997?), viu acontecer com a transferência de operações de contêineres para implantação, no local, de um terminal frigorificado para frutas.

Por outro lado, para além da Marimex e do Porto de Santos, e sem entrar no seu mérito, essa decisão traz o próprio TCU à discussão: i) Qual exatamente seu papel? ii) Quais seus limites? Além do Min. Alencar essas são dúvidas e discussões que se ampliam nos meios portuários e jurídicos.

Ademais, há algum tempo vem sendo ouvido que uma coisa é o plenário do TCU, outra são suas áreas técnicas. Na sessão de 29/JUL/2020, ao se analisar a renovação antecipada da EFC e EFVM, tomou-se conhecimento que naquelas áreas técnicas haveria os “modernos” (abertos, propensos a “inovações”) e um tipo de “velha guarda”. E, agora, dá-se conta de uma divisão no plenário, quase ao meio, em questões fundamentais: eh! O STF parece estar fazendo escola!

Como saldo, o modelo landlord parece cada vez mais distante; e a tal da segurança jurídica, tão contundente e quase unanimemente defendida e reivindicada em discursos, na prática…

Compartilhe

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Email

Veja mais: