Frederico Bussinger
A desestatização da SPA (Porto de Santos) foi pauta do TCU no “day after” do 2º turno. E em duas versões: uma remota, via youtube para o público interessado, e outra presencial para restrito grupo de convidados institucionais: 8 autoridades (TCU, Ministério da Infraestrutura e da Economia, 2 do BNDES, Antaq, Cade e SPA), 5 representantes de entidades (ABTP, ANUT, ATP, Sopesp e Centronave) e o Prefeito de Santos; que intervieram ao longo das 2h39 do “Dialogo Público”.
Nos bastidores da versão presencial, pelas manchetes da imprensa que a cobriu, a desestatização em 2022 “subiu no telhado” (de São Sebastião e Itajaí também): “Prefeito quer novo governo em debate” (A Tribuna); “Problemas técnicos e políticos inviabilizam desestatização” (Agência Infra); “Com vitória de Lula, ministério e TCU freiam privatização de Santos” (Valor Econômico). As matérias, inclusive, descrevem expedientes cogitados para que a inviabilização do processo seja palatável: “com responsabilidade e transparência” é a senha!
Já a versão remota transmitiu a certeza de que a desestatização segue em marcha batida: a área técnica, malgrado ainda pendências de dados e informações da parte do Governo (talvez se os arrendamentos do STS-10 e STS-53 serão “por dentro” ou “por fora” da concessão seja uma delas), entregará sua análise até o próximo Domingo (6/NOV), conforme determinado pelo Relator. Este produzirá seu relatório e voto em duas semanas; o plenário da Corte o aprovará; Edital será publicado e leilão ocorrerá ainda este ano.
Na versão presencial, propriamente dita, as autoridades federais, após pontuadas saudações nominais (traço da cultura brasileira) e loas aos seus órgãos e realizações (algo que vem se tornando habitual), destacaram, da documentação disponibilizada pela Antaq em 29/SET/22, aspectos afeitos às suas competências: vale se debruçar sobre a vasta documentação!
Da sua parte os demais convidados, além de unanimidade em relação à segurança jurídica e a um CAP-deliberativo, apresentaram multifacetada e complexa pauta de ponderações, pleitos e propostas. Inclusive sobre aspectos estruturais do modelo. Em síntese:
ABTP, argumentando que as regras atuais desincentivam a participação das empresas atualmente instaladas no Porto (muitas suas associadas), propõe ampliar de 5% para 15% a participação individual nos consórcios; sem limite para participação conjunta. Balizado pelo “Sistema brasileiro de defesa da concorrência” (Lei nº 12.529/11), e preocupada com conflitos de interesse e riscos concorrenciais, pleiteia: i) redução de 40% para 20% na movimentação de determinada carga para necessidade de aprovação prévia de aditamentos e novos contratos pela Antaq e Cade; ii) restrição à movimentação de carga de contêineres por armadores em futura negociação de exploração de área de contêineres pela concessionária. Também: i) retorno do modelo anterior de implantação e exploração do Túnel Santos-Guarujá; ou seja, sua exclusão da concessão e atribuição a uma SPE específica; ii) transparência e participação empresarial em decisões sobre tarifas e código de conduta; iii) garantia de direito de preferência ao “bom arrendatário” nas renovações.
ANUT conclui com uma crítica pontuada, após apresentar detalhada e didática análise da documentação econômico-financeira: i) o modelo insere encargos financeiros elevados para os usuários; ii) não resolve os problemas da dragagem no curto prazo; iii) não privilegia a competitividade dos produtos, aumentando custo médio para os usuários; iv) não reduz custo logístico, pois a cadeia do transporte pode se apropriar da redução de tarifas; v) não transfere ganhos de eficiência de custos à carga. A partir dela, propõe: i) adoção de modelo que privilegie a competitividade, repartição dos ganhos de eficiência com a carga, mitigação de posições dominantes, e redução do custo logístico; ii) modelagem com antecipação de dragagem; iii) implantação do túnel como obra pública e concessão pelo modelo “operação & manutenção”; iv) inclusão dos usuários na governança (conselhos e/ou CAP-deliberativo).
ATP, lembrando que a Poligonal abrangia cerca de 8 Km2, passou a algo como 15 km2 no início deste ano, e voltou a 8 km2 (mas com contornos distintos), saudou a recentíssima alteração da Poligonal. Registrou, porém, preocupação com riscos à insegurança jurídica em face da “fragilidade” do processo pelo qual elas são definidas. Ante o frescor da desestatização da Codesa, chamou atenção para a inexistência de avaliações consistentes sobre o modelo tarifário adotado e, por conseguinte, entende que aquele não pode ser tomada como benchmarking para a SPA. De igual forma, invocando a ideia de que na desestatização “cada-caso-é-um-caso”, avalia que mais da metade dos 34 portos organizados “não merecem ser concedidos” (mormente “com toda essa complexidade”).
Sopesp, reforçando pleito de “Comitê de Usuários”, conselheiro independente, e obrigatoriedade de consulta a usuários sobre “Regulamento de Exploração do Porto – REP”, foi porta-voz de uma extensa pauta de mecanismo que garantam transparência e participação dos usuários na governança do Porto concedido.
Centronave chama atenção para as incertezas tarifárias e a omissão sobre a transição energética no modelo (citando exemplos), tema nevrálgico da agenda mundial atualmente. Mas tem 2 principais “pontos de atenção” que os destacou, fazendo coro com outras entidades: i) invocando a necessidade de “choque de oferta”, entende que as empresas atualmente presentes no Porto devem ter papel relevante na articulação do futuro concessionário; e ii) o aumento de profundidade do canal de acesso deve ter cronograma antecipado.
O Prefeito de Santos, inclusive falando em nome da comunidade da Baixada Santista, começou registrando contrariedade com o envolvimento tardio da Prefeitura Municipal de Santos – PMS no processo (às vésperas da Audiência Pública do início do ano): um contrapondo à ideia de transparência e participação no processo “ao longo dos últimos 3 anos”? E, registrando que “não estamos satisfeitos… apesar de alguns pleitos terem sido atendidos”, foi enfático em relação a: i) CAP-deliberativo; ii) pleito de novo terminal de passageiros; iii) Túnel do Maciço; e, iv) principalmente, proposta de que sejam vinculados e integralmente re-investidos, no Porto e/ou infraestrutura conexa (como nas obras antes exemplificadas), os recursos oriundos da (“não-arrecadatória”!) desestatização: cerca de R$ 4 bi, entre distribuição de dividendos, outorga e prestações.
Em meio a tantas tecnicidades, lembrando toureiro espanhol, não passaram despercebidos elegantes contorcionismos… frequentes também em outros eventos congêneres: i) das autoridades: logram enaltecer os resultados da atual gestão e, paralelamente, reafirmar a imperiosa necessidade de privatização das administrações portuárias (como a SPA); ii) das entidades: demonstram “preocupações”, fazem “ressalvas” e propõem alternativas para pontos basilares do modelo, enquanto explicitam “não oposição” à desestatização… no mínimo: alguns a apoiam.
Vivendo e aprendendo! “Desestatização também é cultura!”.