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Quando se vê, já é Natal…

O homem deparou-se com a fachada iluminada do edifício à sua frente.

Tão entretido estava com seus muitos pensamentos, a infinidade de tarefas a terminar antes que o ano se acabe, mergulhado em preocupações, não se havia dado conta que as inúmeras luzinhas da Cidade já se haviam acendido. Recordou-se que luzes e brilhos, nesta época do ano, anunciavam a chegada do Natal.

La no fundo da memória, a remexer-se irrequieta, surgiu a lembrança daqueles Natais maravilhosos e inesquecíveis. Sentiu novamente o calor da casa arrumada para as comemorações, sua mulher a preparar a ceia e seus filhos ansiosos e alegres a movimentarem-se no aguardo dos demais familiares que viriam compartilhar as delícias natalinas. Sentiu o fantástico sabor das rabanadas que sua mãe preparava. Como num passe de mágica, estava novamente compartilhando alegria com a família reunida, a troca de presentes modestos, mas escolhidos com enorme carinho, a conversa solta e risonha. Natais comuns, tão singelos, mas recheados de ternos afetos. Perguntou-se qual fora a última vez que tivera tempo para se preparar para o Natal. Quão distante tudo isso estava…

O tempo pareceu-lhe cada vez mais curto e acelerado. Sensação permanente de que não conseguia fazer tudo que precisava. Continuava com uma pressa louca, insaciável. Tempo e espaço se confundiam. Parado, no trânsito, movimentava-se em mensagens celulares tentando alcançar os últimos compromissos do dia. Plugado, em frenético ritmo, tentava dominar o tempo que escoava. O farol fecha novamente. O carro não anda.

Num tempo cada vez mais valorizado porque escasso, precisava produzir mais e melhor. O mercado exigia-lhe permanente disponibilidade e prontidão, cobranças cada vez maiores. Eficiência, sua marca registrada, era exigida de todos em seu redor. A tecnologia, que revolucionou os meios de comunicação, transformara definitivamente sua vida, seu trabalho, suas relações.

A quantidade de informações disponíveis e a velocidade em que tudo se consome fez-lhe parecer que tudo é passageiro, sugerindo que tudo é provisório, efêmero e descartável. A moderna tecnologia de ontem, hoje já estava obsoleta. Havia sempre um exemplar mais recente do que o último aparelho que ele acabara de adquirir. Estava sempre correndo atrás!

O mundo da aparência não suporta derrotados. Sucesso na profissão, com o sexo oposto, conta bancária recheada e uma legião de internautas seguidores, é o que importava. Mesmo que isso consumisse sua saúde e todo o seu tempo enquanto se desdobrava para maquiar a realidade que sempre estava longe do ideal.

Sentiu que tudo podia ser manipulado, inclusive ele. A modernidade o agarrara e prendia pelo pé; passara a fazer coisas sem que se apercebesse delas. Impunha-lhe novos hábitos, alterara seus valores e infundia-lhe falsas necessidades. Gerava categorias novas, criava produtos, promovia pessoas, num mundo onde parecer era mais importante do que ser. Tudo havia virado espetáculo. O fato real televisado que se confunde com a novela… Não sabia mais onde estava a realidade. Ou quem era ele nesta realidade.

Sentiu-se exausto, estressado e exaurido. No rodamoinho de pensamentos que o arrastava em espantosa velocidade, a humanidade que lhe restava, gemeu. Possibilitou-lhe ouvir ao longe sua voz interior a implorar resistência. A pedir o retorno às suas próprias ideias, sentimentos e emoções. Para aproximar-se mansamente de si mesmo e reconhecer os excessos. Queria retomar o controle de sua vida para administrar seu próprio tempo. Descobriu que dentro dele estava a possibilidade de alterar esse enredo.

Deu-se conta que mais um o ano estava no fim. Os versos do poema de Mario Quintana martelavam em sua cabeça: “Quando se vê, já são seis horas! Quando se vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é Natal…”. Resolveu não deixar pra lá, para depois ou amanhã porque o que passou não volta mais.

Quando finalmente os carros se moveram e pode sair do congestionamento, decidiu mudar a direção. Não voltaria ao escritório após o expediente. Havia coisas mais urgentes a fazer. Largar-se no sofá de casa, não na cadeira do bar. Longe do burburinho da rua, resistir ao botão que liga a TV, não fazer outra coisa além de retomar o diálogo interrompido com aqueles que amava. Retomar o prazer do encontro, dar boas risadas.

No caminho, olhou pela janela do carro e sorriu para o motorista a seu lado, cumprimentando quem não conhecia. Andou devagar mesmo com pressa. Não reclamou uma única vez. Solicitamente deu atenção ao sujeito que estava perdido. Já na calçada, colocou na lixeira o que outro jogou na rua. E correu para dentro de casa, feliz, como há muito não se sentia. Tinha chegado o Natal!

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