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TEMA: Violência contra a mulher

Foi tratada esta Edição do Projeto “Seis e Meia em Debate” como um tema particular e especial, para o qual em lugar do tradicional debate foi feita uma “Roda de Conversa”. O tema assim o merecia! De igual modo, não se fez ampla divulgação, dirigindo especialmente os convites, porque o tema é delicado. Tampouco, não éramos muitos a debater porque o assunto é espinhoso. Não se queria correr o risco de tratar aligeirada ou corriqueiramente esta questão que atinge toda a sociedade, ainda que dela se tenha pleno conhecimento, mas não se fale abertamente.

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A parte inicial da conversa girou em torno das possíveis razões pelas quais existe a violência contra a mulher somente baseadas no fato de ser ela uma mulher. Iniciou-se lembrando que o reconhecimento do papel social das mulheres se deu de forma tardia. A função que o mundo primitivo durante longo tempo conferiu ao sexo feminino era o de procriação, cuidados com as crianças, com alimentação, organização do espaço da aldeia e sua defesa no caso de os homens estarem ausentes. Estes, exclusivamente, eram responsáveis pelas guerras, artes, cultura e estratégia das tribos, devendo as mulheres submeterem-se às suas decisões, considerando sua superioridade física, baseada na força.

Já nas sociedades organizadas, particularmente na grega, embora ainda fosse a mulher marginalizada, Platão introduziu a ideia de que as mulheres poderiam exercer “sua razão” se recebessem a mesma educação, exercitando-se nas guerras e na filosofia, e fossem liberadas do serviço da casa e da guarda das crianças. A Platão seguiu-se Aristóteles que julgava “faltar alguma coisa à mulher”, considerando ser ela um “homem incompleto”. Tendo prevalecido o distorcido pensamento de Aristóteles em boa parte do período antigo e medieval, pode-se aqui ter mais indícios do porquê se considerava a mulher como um ser de “segunda classe”, sem direitos, passível de desqualificação, não importando como, se com castigos e agressão, justificando assim, o abuso e o uso da violência.

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o fio condutor da história, seguimos com Simone de Beauvoir. Ela toma emprestado o pensamento de seu companheiro Sartre no que se refere aos papéis sexuais enfatizando não existir uma natureza feminina ou natureza masculina eternas. Valendo-se dos conceitos de imanência e transcendência, justifica o ensejo do homem se sentir impelido a buscar o sentido da vida fora de casa, ao contrário da mulher que acabou por orientar sua vida em sentido oposto. No seu livro, no qual usa a expressão como título, assevera que a nossa cultura transformou a mulher num “segundo sexo” Só o homem existe como sujeito da cultura. A mulher, ao final, foi transformada em objeto do homem que dela sequestrou a responsabilidade por sua própria vida.

 Da conclusão de Madame Beauvoir infere-se que cabe à mulher reconquistar essa responsabilidade para se reencontrar consigo mesma, não alienado sua identidade e sua vida ao marido. E, aqui, tem-se igualmente, outra importante pista sobre as razões iniciais que levam à violência de gênero: a opressão que se instala sobre a mulher quando o homem assume a responsabilidade pela vida de sua companheira. O que poderia ser comum ao casal torna-se prevalente de um, desvirtuando o modo de pensar e o agir, levando à falsa conclusão de que a vida da mulher lhe pertence.

“Contudo, sociologicamente, nem a história, tampouco a cultura, os costumes ou quaisquer outras explicações são capazes de justificar quaisquer formas de violência contra a mulher. Simplesmente por ela ser mulher. De igual modo, nem mesmo o machismo ainda arraigado, herança de nossa sociedade machista e patriarcal, é capaz de desculpar toda e qualquer forma de violência social ou doméstica, contra quaisquer sujeitos”, arrematou Paulo Fonseca.

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A partir deste ponto, prosseguiu-se ancorados nos dados e informações dos trabalhos divulgados pelo Instituto Patrícia Galvão e no Relatório do IPEA. Diuturnamente, no Brasil e no mundo, alguma forma de violência atinge um grande número de mulheres, jovens e meninas. As desigualdades históricas e sociais acabaram por se fazer passar como “naturais”. Agravaram, como continuam agravando, os atos de violência perpetrados sob as mais variadas formas: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.

As pesquisas realizadas por aquele Instituto dão conta “que o problema está presente no cotidiano da maior parte dos brasileiros: entre os entrevistados, de ambos os sexos e todas as classes sociais, 54% conhecem uma mulher que já foi agredida por um parceiro e 56% conhecem um homem que já agrediu uma parceira. E 69% afirmaram acreditar que a violência contra a mulher não ocorre apenas em famílias pobres”. (http://www.compromissoeatitude.org.br/dados-nacionais-sobre-violencia-contra-a-mulher/)

André Pontes comenta: “Grande parte das pessoas que conheço diz saber de pelo menos um caso de violência contra a mulher, embora nem sempre se tenha discutido a ocorrência ou buscado aprofundar as causas desses atos violentos com aquela que foi agredida ou com sua família. Espantoso é constatar que aproximadamente 70 % das agressões aconteçam dentro de casa, no ambiente doméstico, porque ali é o lugar do acolhimento, que deveria ser o mais seguro e protegido do mundo”.

O Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS), pesquisa   domiciliar / presencial feita pelo IPEA visando captar a percepção das famílias    sobre as    políticas    públicas à cargo do Estado, em suas conclusões, traz informações importantes. Citando o Relatório: “Os principais resultados apresentados indicam uma ambiguidade nos discursos. O primado do homem sobre a mulher ainda é bastante aceito pela população, mas a violência física não é tolerada.  Ao mesmo tempo em que a privacidade do casal e a percepção de que desavenças havidas na família devem ser resolvidas privadamente surgem com grande aceitação, é majoritária a concordância com a punição de prisão para maridos agressores”.

“Um aspecto positivo é que parece haver um reconhecimento – que, na ausência de referências, pode-se apenas supor ser maior do que no passado – de outras formas de violência além da física, em particular a psicológica e a patrimonial. No entanto, no que toca à violência sexual, a maioria das pessoas continua a considerar as próprias mulheres   responsáveis, seja   por   usarem   roupas   provocantes, seja por   não   se comportarem “adequadamente” – o que geralmente quer dizer “como uma respeitável mãe de família”.  A questão do direito das mulheres sobre seus corpos segue sendo, portanto, uma fronteira a ser alcançada”. (http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2014/04/IPEA_sips_violenciamulheres04042014.pdf )

Neste ponto da conversa surgiram diversos comentários sobre a enorme influência da mídia como “formadora de opinião” de valores por vezes nefastos. Este é o caso da propaganda que usa a mulher e o corpo feminino para “vender produtos e ilusões. Use o creme ‘X’ e você terá o corpo mais desejável do mundo. Esse mote e mais uma enorme gama de comerciais coisificam e reduzem as mulheres, fazendo delas exclusivamente objeto de desejo. As novelas estão cada dia mais ousadas não só nas roupas, hábitos e costumes. Mas, principalmente, em querer fazer a cabeça das pessoas introduzindo valores muitas vezes duvidosos. As famílias apresentadas são em geral atrapalhadas, meninas pobres ficam grávidas de mocinhos ricos, marido e mulher traem abertamente seus parceiros, tem um monte de ‘periguetes’ se expondo e roubando maridos e namorados. Moças, jovens e adolescentes acabam imitando isso, porque querem se mostrar e passam a achar tudo isso normal; os rapazes também. O resultado é chocante. Na periferia de São Paulo, os dados da Saúde Pública apontam que as doenças sexualmente transmissíveis recrudesceram; verdadeira epidemia entre os jovens. Ninguém sabe direito com quem transou, não tem como ir atrás e aumenta o contágio. Juntou isso tudo com baile funk, e aí virou o caos mesmo”, desabafa Antonio Carlos.

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 Marli Fujii comentou: “Talvez o positivo nas novelas, é que de vez em quando, abrem espaço para tratar do tema da violência contra a mulher. A imprensa, de modo geral, também tem dado mais destaque, discutido o tema, não somente fazendo alarde de estupros e mortes.  O poder público também se esforça abrindo delegacias e serviços exclusivos para atendimento às mulheres. Mas os dados mostram que mesmo com a Lei Maria da Penha as agressões e mortes continuam e os números crescem. A punição tem que vir mesmo, muitos agressores se safam. Mas, fundamental é a educação. São as mães que educam os filhos, os meninos.  E, nas escolas, na sua maioria são as mulheres, as professoras. As mulheres precisam se conscientizar que às vezes estão reproduzindo ideias machistas e perceber que podem mudar esses valores. Importante é reforçar a educação das meninas. Não mais aceitar costumes regionais que aceitam e silenciam diante do defloramento de meninas sem seu consentimento por membros proeminentes da família ou da comunidade local. Ensinar, treinar é uma coisa. Educar é outra. As mulheres, desde cedo, precisam ser alertadas dos sinais de abuso que em geral antecedem a violência, sejam físicos, psicológicos, disfarçados de proteção ou maus tratos afetivos. Há uma grande diferença entre o que as pessoas falam e a sua prática. Se perguntar, todos dirão que são a favor da mulher trabalhar fora, mas se ela se arruma para ir trabalhar o marido, ainda hoje, faz trocar de roupa, fica vigiando o horário de saída, se enche de ciúmes se algum colega telefona, quebra celular, bate nela e proíbe de sair de casa. Muitas vezes proíbem filhas e esposas de estudar. E se a mulher se cansa desses e outros comportamentos abusivos e resolve se separar, vêm as ameaças e acaba sendo morta mesmo”.

“Pode-se dizer que há também mulheres que agridem e desrespeitam seus maridos verbal e fisicamente; saem ‘no braço’, como se fala. Às vezes a mulher leva a melhor, mas não é o usual. Pela diferença do porte físico de homens e mulheres, mesmo tendo começado a briga, as mulheres acabam mais machucadas. Isso dentro de casa, na frente dos filhos, vizinhança toda ouvindo… e não somente pessoas pobres. Os mais ricos e cultos, com nível universitário, empresários, intelectuais… está na mídia o caso da Luiza Brunet. Por isso é preciso educar. Para viver em sociedade, homens e mulheres, respeitando o outro como ser humano, valorizando a pessoa”, completou Marli.

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Debruçados e atentos, os presentes, por sugestão de Freddy Bussinger, passaram a compor um ‘painel’ a partir do posicionamento e práticas do Núcleo de Estudos do IDELT. Por vocação, a atuação do Instituto direciona-se mais à formulação e desenvolvimento de políticas públicas, por meio de Projetos, em parceria ou não, com governos ou agentes financiadores. Em todos os seus trabalhos, sejam na área técnica ou na área Social, os procedimentos adotados baseiam-se em boas práticas e na sustentabilidade social e ambiental. “Isto para nós é um princípio; um valor que é preservado. No momento estão sendo elaboradas um conjunto de dicas sobre procedimentos simples que podem proteger jovens, mulheres e meninas de situações de violência. Este Projeto “Fique Alerta”, inicialmente, será divulgado no site e pelas redes sociais.  À frente, pretende-se elaborar uma cartilha a ser distribuída”, completou Vera Bussinger.

Caminhando para o encerramento, cada um dos presentes fez suas considerações finais que foram compiladas a seguir, como corolário desta Roda de Conversa.

A violência contra as mulheres causa sofrimento e medo e, em função dela, impede que homens e mulheres desfrutem de uma vida plena e saudável, prejudica famílias, depaupera comunidades e desencadeia outras formas de violência nos lares e na sociedade. Constitui, ao lado de outras, forma grave de discriminação e violação de direitos humanos. Por impossibilitar a plena realização das mulheres, obstrui o desenvolvimento social e econômico.

Observa-se que a violência de gênero continua crescendo no nosso e em diversos outros países. Suas raízes profundas e estruturais, alimentam-se da relação de desigualdade que teimosamente persiste entre mulheres e homens. Destarte os esforços e avanços, o trabalho de ONGs e Associações de mulheres, novas formas continuam a emergir. Há países que não seguem as políticas internacionais e suas exigências legais, notadamente nas regiões de conflitos e guerras, onde avanços sofreram retrocesso ou estão ameaçados, tornando ainda mais distante o sonho de incontável número de mulheres que buscam uma vida sem medo.

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Encerrando mais esta edição do Projetos Seis em Meia em Debate, Vera Bussinger aproveitou para fazer o convite para o próximo debate “que provavelmente será em Edição Festiva com mais um Evento comemorativo dos 20 anos de existência do IDELT”, para o qual contamos com a presença de todos. Até lá!

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