Frederico Bussinger
Mais uma vez demos adeus à Copa América precocemente: nessa não chegamos nem à semifinal. O consolo é que não foi outro 7X1; vexame da Copa do Mundo de 2014 que remoemos até hoje.
Em 18 dias iniciam-se as Olimpíadas de Paris: o futebol masculino brasileiro, entretanto, estará ausente. E pior; sua presença na Copa do Mundo de 2026 corre riscos pois, quase ao final do 1º turno das Eliminatórias, amargamos um 6º lugar, atrás, inclusive, de países sem grandes tradições na competição: Equador e até Venezuela, país que nunca participou de uma Copa.
Ao longo dos próximos dias podemos esperar muita discussão em locais de trabalho, mesas de bar, redes sociais e nos programas esportivos. Como sempre, o futuro do treinador deverá estar em pauta. Mas também a dificuldade de saída de bola do Brasil, excesso de passes laterais e recuos de bola para o goleiro, imprecisão do “último passe”, atitudes injustificáveis de jogadores (algumas das quais quase infantis!), displicência na batida de pênaltis, etc. E, claro, a patética cena pouco antes da disputa decisiva: o técnico brasileiro quase que pedindo licença para entrar na roda de jogadores, parecendo querer falar algo; cena que ganhou relevo ante o contraste com o conhecido treinador uruguaio (na mesma tomada do vídeo). Este, no centro de uma roda de jogadores atentos, indicava os batedores e dava suas últimas instruções!
Para além dos aspectos específicos do jogo desclassificatório, em si, há uma constatação (ironia? paradoxo?) que não pode passar despercebida se o objetivo é tirar-se lições e promover uma inflexão nesse inaceitável quadro: o plantel brasileiro contou com Rodrygo e Vini Jr (candidato a melhor jogador do mundo este ano!), dupla de atacantes que levou recentemente o Real Madrid ao título da Champions League de 2024. E, como se não bastasse, contou também com Endrick que, por recente transação milionária, se juntará à dupla e ao clube com maior número de títulos mundiais (8).
Esse trio, claro, é o crème de la crème. Ele é, apenas, o mais cintilante destaque de uma “indústria” bilionária que coloca o Brasil, aí sim, em primeiro lugar no podium de países exportadores de jovens promessas: segundo o “CIES Football Observatory”, referência para o “mercado da bola” com relatórios mensais sobre ele, mesmo com a Pandemia no período, mais de 1.200 jogadores brasileiros foram exportados entre 2020-24 (alguns até precisando esperar o aniversário de 18 anos para deixar o País, como Endrick). Negócios de €1 bilhão em 10 anos. Ou seja, talentos não faltam; e o mundo tem interesse neles.
Inevitável, pois, a pergunta: como explicar/justificar que no exterior jogadores brasileiros cheguem a ter grande destaque, ajudam seus clubes a conquistar os principais títulos do Planeta, mas na seleção não rendem o mesmo? Por que não temos conseguido estruturar equipes vencedoras mesmo com tantos talentos? E pior: em alguns momentos dos jogos vemos jogadores habilidosos que mais parecem um bando perdido em campo; alguns até transmitindo a impressão de estarem indiferentes às derrotas, aos vexames da “canarinha”!
É visível, pois, que há uma distância entre jogador e equipe, entre o individual e o coletivo; entre a motivação, disciplina, comportamento ou desempenho do mesmo atleta em suas atuações: seleção nacional X seu time estrangeiro. O que seria? Qual o busílis?
Seria esquema de treinamento? Ambiente no grupo? Conjuntura do País; da sociedade? Liderança da comissão técnica? Modelo de Governança; da CBF, do nosso futebol? Que papel têm os esquemas políticos, apostas online e redes sociais nisso?
O futebol não é caso isolado na história do nosso País. Essa dicotomia, infelizmente, pode ser também observada em outros setores da vida nacional: p.ex, na economia o extrativismo do pau-brasil, borracha e ouro, e a agricultura da cana e do café permitiram acumularmos capitais e, dialeticamente, impulsionaram infraestruturas (portos, ferrovias, rodovias, energia, etc). Daí a perspectiva que foi se firmando do “país do futuro” abandonar o “berço esplêndido”, passo a passo em direção à indústria de transformação, de semimanufaturados; de bens e serviços de consumo de massa, de alta tecnologia (ainda que em nichos específicos). Mais tarde, minério de ferro, soja, etanol e o petróleo do pré-sal robusteceram tais esperanças.
Só que, após evoluções relevantes no Século XX, o modelo tradicional foi paulatinamente se reestabelecendo; agora, claro, em patamares bem superiores de volumes e valores. A dizer: aumento da participação percentual de commodities na pauta exportadora (pois, ainda bem, sempre fomos competitivos na produção delas!) e, na pauta importadora, crescimento relativo de serviços e bens industrializados (incluindo “bugigangas”).
Curioso é que muitos desses bens, na verdade, são commodities brasileiras voltando de um “passeio” internacional, agora unitariamente mais valorizadas pelo valor a elas agregado em termos de processamento, design, marca e marketing específicos; atividades que certamente geraram emprego e renda, e/ou viabilizaram investimentos e talvez até tributos no exterior.
O café é um típico exemplo: compare os valores dele em grão, torrado e em cápsula. Apesar de há mais de um século sermos campeões na produção e exportação de café, quantos foram os equipamentos, sistemas e produtos a ele associados inventados e desenvolvidos no Brasil?
Metaforicamente, será que, sem percebermos, também nosso futebol, após títulos gloriosos, foi aos poucos caminhando em direção à “commoditização? Adolescentes talentosos surgem a cada ano (“extrativismo”). Já sabemos “plantá-los”, “semimanufaturá-los” e exportá-los. Alguns, aliás, após período de imersão em times estrangeiros, já chegaram a ser n°1 do mundo.
Entretanto, da mesma forma como temos encontrado dificuldades para nos mantermos e/ou nos inserirmos competitivamente no mercado mundial de produtos industrializados e serviços, também passamos a ter dificuldades de lograr seleções vencedoras e títulos.
Isso é uma evidência de que talento, tanto quanto matéria-prima, não é suficiente nesse mundo globalizado e conectado do Século XXI. Ou seja; novos padrões de educação, capacitação, tecnologia, disciplina, ética e, sobretudo, liderança, cultura da qualidade, planejamento e governança são necessários para mudanças de patamar; tanto no futebol (no esporte, em geral!), como na organização social e na economia.