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PERISCÓPIO 102: Depois de tanto esforço, ferrovias podem morrer na praia… de Santos


Frederico Bussinger

 

“Chegar é uma coisa; ultrapassar é outra”
[Bordão de transmissões da F1]

 

 

O mapa das ferrovias em território paulista lembra uma mão espalmada. Nela a palma seria a Macrometrópole Paulista; e os dedos (na diretriz noroeste) a MRS, a FCA (controlada pela VLI) e as duas malhas da ALL (hoje geridas pela Rumo): Oeste e Paulista. Essas, por sua vez, se conectam às malhas Sul e Norte da ALL, e à Ferrovia Norte-Sul – FNS; malhas já em outros estados. Todas essas concessões foram assumidas pela Rumo ao longo do tempo.

De uma mão espalmada, esse conjunto de sete ferrovias passa a parecer mais uma árvore; analogia mais apropriada, inclusive porque possibilita agregar as duas descidas da Serra do Mar, que seriam suas “raízes”: i) a cremalheira (implantada em 1867 pela São Paulo Railway, depois Santos-Jundiaí), e ii) a descida “em gravidade” (pela Sorocabana, em 1937).

Ao chegar à Baixada Santista é como se essas “raízes” se espalhassem. É uma verdadeira “colcha de retalhos”, segundo os próprio concessionários; tema objeto da coluna de 2/AGO/19, logo após o leilão da FNS: “Após alcançar; o desafio da ferrovia é entrar no porto”.

O Sumário Executivo do Plano Mestre vigente (pg. 85) sistematizou essa “colcha de retalhos” em dez trechos/segmentos para análise. E, quando consideradas também as diferentes bitolas (métrica, larga e mista), e as concessionárias/administradoras (MRS, Rumo, VLI e Portofer), quase faltam cores na paleta para distingui-los em um mapa; mesmo porque os trechos de cada uma não são contínuos (vide, também, Figs. 50 e 51 do PDZ).

Nesse quadro, desafios se impõem; qual seja, a compatibilização das capacidades de 5 grandes conjuntos: i) 7 malhas interiores; ii) transposição da RMSP; iii) descida da Serra do Mar; iv) acesso ao Porto (circulação na Baixada); e v) circulação interior (ao Porto). Cabe bem aqui o dito popular: “o limite de uma corrente é a do elo mais fraco”; ou da cultura marítima: “a velocidade do comboio é a do navio mais lento”!

De imediato, crucial a compatibilização da capacidade de projeto; algo que o “plano diretor”, acordado entre as concessionárias, apesar dos ganhos que vêm sendo proporcionados, não tem condições de solucionar. Isso porque as intervenções pontuais estão limitadas pelos arranjos estabelecidos.

Mas, a seguir, necessários também alinhamentos no timing de implantação dos novos projetos, e nos protocolos e gestão operacionais.

Tais dificuldades seriam hoje menores se a proposta do CAP/Santos tivesse sido encampada pelo MT e/ou BNDES na modelagem para as concessões ferroviárias (1995/98): i) excluir todos os trechos ferroviários da Baixada do escopo das concessões; ii) agregá-los (incluindo os da então CODESP); e iii) outorgá-las para planejamento e gestão centralizada e articulação com as concessões que terminariam (ou começariam) no primeiro pátio de intercâmbio da Baixada (pg. 83). Nesse contexto seria implantada a “Ferradura” e um CCO. Chegou-se a discutir algo semelhante para as malhas do “Planalto de Piratininga” (RMSP) e, até, a gestão unificada de ambas; algo que na oportunidade não prosperou.

Enfim, algo muito em linha com estratégias que vieram a ser adotadas, p.ex, para a “Betuwe Line” (Rotterdam) e “Chicago ring” (anel da “capital ferroviária dos USA”).

A proposta do CAP/Santos foi aprovada pelo colegiado, formalizada e discutida, salvo engano, em mais de uma reunião. Numa dessas ouviu-se de um diretor do BNDES algo mais ou menos assim: “O importante agora é privatizar: esses problemas o mercado resolve!”… o que ¼ de século depois, verifica-se, ainda não está resolvido!

As metas ferroviárias do Plano Mestre (para o Complexo Portuário), incluindo as do PDZ (para o Porto Organizado), são bastante ambiciosas: elevar a participação ferroviária de 28% para 47% na matriz de transportes interiores. Registre-se, em um porto que se propõe também expandir: das atuais 133,1 para 280,1 Mt/ano (50% até 2040!). Em termos absolutos isso significa aumento de cerca de 80 Mt/ano sobre as 45 Mt/ano atuais: “129 Mt em 2060, o que representa cerca de quatro vezes o volume observado em 2016” (pg. 84).

Ou seja; além de complexas e desafiadoras, as decisões e ações necessárias são também urgentes!

Depois da oportunidade, quando da desestatização dos anos 90, uma segunda foi também perdida quando da celebração do contrato da Portofer (2000). Recentemente uma terceira, quando da renovação antecipada da Malha Paulista (Rumo).

Duas novas oportunidades estão à frente: a renovação antecipada da MRS e o fim do contrato da Portofer; oportunidades para uma solução sistêmica que não podem/devem ser desperdiçadas; sob risco de, depois de tanto esforço, as ferrovias (todas elas!) acabarem por “morrer na praia”… de Santos.

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