FredericoBussinger
“A carga vai
aonde a demanda está”
[… parodiando Milton Nascimento:
“Nos bailes da vida”]
A economia mundial encolheu em 2020; ano em que convivemos 10 dos 12 meses com a pandemia.
Das estatísticas já divulgadas, a retração da Espanha foi de 11,0%. A da Inglaterra 9,9% (maior em mais de 300 anos!), França 8,3% (pior recessão desde a II Guerra!), Alemanha 5,0%: a Europa, no conjunto, ficou 6,8% mais pobre! O Japão 4,8% e os USA 3,5%. Dos países da OCDE, Coreia do Sul foi quem encolheu menos (1,3%); e a China o único resultado positivo (ainda que com o menor índice em quase meio século!): 2,2%. Os dados do Brasil ainda não foram divulgados; mas estima-se queda de algo como 5 % no PIB.
Era, pois, de se esperar que o fluxo de comercio internacional acompanhasse a tendência, particularmente o de commodities; matérias-primas imprescindíveis para quase tudo que é produzido e consumido.
Mas não foi exatamente isso que se observou nos principais países delas exportadores; Brasil à frente: recordes de movimentação portuária foram contabilizados em vários meses, em quase todos os portos do País; chegando a gerar congestionamentos. Com destaque para aqueles com forte presença de minério de ferro e soja em seus “port-folios”.
A ANTAQ divulgará no próximo 1º/MAR (11h, transmitido pelas redes sociais) as estatísticas portuárias consolidadas de 2020. Mas os dados até OUT/20 indicaram que, apesar da ligeira queda em contêineres, a movimentação agregada cresceu 3,64%. Como o viés era de alta, esse índice deve ficar acima dos 4%.
Como explicar esse aparente paradoxo? É até possível que a competência dos gestores das autoridades-administradoras portuárias, frequentemente destacada, tenha contribuído para tal desempenho. O que pode ser afirmado, com segurança, todavia, é que exportou-se mais porque havia o que ser exportado: é curial! E, isso, também porque se produziu mais (falou-se de super-safra!) e porque havia margem disponível na capacidade instalada, portuária e logística, para suportar esse aumento de volume. Aliás, aumento que foi ainda anabolizado por uma combinação intrigante: apesar dos recordes na exportação de soja em 2020, o Brasil voltou a importá-la depois de 17 anos (dados que são contabilizados pelas estatísticas, tanto na “ida” como na “volta”!).
Tudo isso, importante registrar-se, estimulado por um fator exógeno; internacional: a escalar elevação do preço das commodities, em Dólar: ao longo da pandemia, p.ex, os preços, em Dólar, do minério de ferro cresceram 90%, do aço 118%, do petróleo mais de 55% (a partir de um estável patamar de US$ 40/barril – ameaçando ultrapassar os US$ 70,00), do milho 60%, e da soja 54%; saltos que dificilmente ocorrem sem efeitos colaterais. É o caso das tensões resultantes dos sucessivos reajustes de combustíveis, e da judicialização de contratos, para entregas futuras, entre produtores de soja nacionais (buscando rever os preços, a maior) e tradings globais (procurando assegurar o recebimento dos grãos contratados).
Há controvérsias! Mas cresce o número de analistas que entendem estarmos adentrando um novo superciclo de commodities, como o ocorrido no início deste século. Em síntese, quatro fatores vetorizariam esse processo: i) necessidade de novos investimentos para atender a uma oferta reprimida, resultante de investimentos reduzidos e, estes, de preços baixos de bens e serviços ao longo de alguns anos; ii) demanda reprimida durante a pandemia, que seria liberada pelo avanço da vacina e volta à normalidade; iii) mudanças de padrão de consumo e produção, em curso há algum tempo, mas que foram potencializadas e aceleradas pela pandemia, demandando pesados investimentos. P.ex: energia renovável, carros elétricos e baterias, descarbonização de grandes complexos industriais; sem falar na digitalização e nos elementos daquilo que se convencionou chamar de economia 4.0. iv) gigantesca liquidez no mercado financeiro mundial; e suas implicações conhecidas. Poder-se-ia acrescentar um quinto: a ampliação de estoques estratégicos que alguns países estariam fazendo, preocupados com as tensões geopolíticas internacionais.
Daí uma pergunta inevitável: estaria a logística brasileira preparada para esse novo superciclo de commodities, caso ele efetivamente se estabeleça e se prolongue? Seria ela um facilitador ou um gargalho?
Filas de caminhões e carretas, de até 8 km, em Miritituba-PA talvez ajude a explicar o aumento de 70% no frete rodoviário da soja produzida na região de Sorriso-MT: ambas as notícias não são bons presságios! Tampouco os 45% de aumento do frete marítimo da soja entre Santos-China, ou de contêineres que saltou de U$ 2 para 10.000/TEU; na raiz das preocupações da CNI, que identifica na concentração de mercado a principal causa: desde 2019 o número de empresas de transporte marítimo em Santos caiu de 23 para 14!
No caso do minério há preocupações na China, principal importador brasileiro, com o cumprimento de programações de entregas: recentes acidentes e incidentes em Ponta da Madeira-MA é a causa pontuada; mas há também as limitações da Estrada de Ferro Carajás – EFC, cuja capacidade nominal (da ordem de 230-250 Mt/ano) é insuficiente para atender até mesmo às exportações projetadas de minério da Vale no médio prazo. Por outro lado, sua “janela” de 20-25 Mt/ano para cargas outras, de 3º, também se mostra insuficiente para atender às cargas projetadas para a FNS, VLI, FICO e FIOL (e seus desenvolvimentos); para as quais a EFC é, atualmente, a única ligação ferroviária ao portos do Arco Norte.
O imbróglio das malhas ferroviárias, entre o pé da Serra do Mar e o Complexo Portuário da Baixada Santista, caso não equacionado com celeridade, pode também ser sério limitador aos planos de expansão das concessões ferroviárias no planalto. Mas, também, do próprio Complexo Portuário; ambos no caminho crítico logístico das commodities.
Em síntese, há muitos gargalos e muitas lacunas logísticas no País que transcendem ativos, investimentos e, mesmo, a própria infraestrutura; como acima exemplificado: (a sempre decantada) multimodalidade, articulações intermodais, governança(s) e uma regulação não-unimodal (como hoje existente) poderiam contribuir para resolvê-los, em prazos compatíveis.
A logística brasileira tem se mostrado resiliente; capaz de encarar desafios e gerar soluções sempre que se apresentam. Muitas vezes autonomamente. Portanto, ainda que não esteja hoje preparada, seu histórico indica que soluções serão encontradas.
A questão, pois, deveria ser reformulada: com que logística esse eventual superciclo de commodities seria recebido? Ou dito de outra forma: com que padrão de tempos, custos e qualidade de serviços (o tripé clássico da logística) ele poderia contar?
Desse diagnóstico não seria difícil identificar-se o que precisaria ser feito para o Brasil tirar dele o maior proveito para sua economia, seu desenvolvimento regional e para sua população.