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PERISCÓPIO 125: Superciclo de commodities e os desafios da logística brasileira (*)


Frederico Bussinger

 

O crescimento do preço de minerais, metais e produtos agrícolas tem levado um número cada vez maior de analistas a falar em um novo superciclo de commodities. Soja e milho completaram em abril onze meses consecutivos de alta, com variações de 81% e 70%, em dólares, sobre os preços do mesmo mês do ano passado. O açúcar e o algodão subiram quase 60%. O minério de ferro quase triplicou no mesmo período.

Qual a intensidade e duração prováveis do novo ciclo de alta dos produtos primários? Qual o estado da arte da logística brasileira para fazer face ao aumento das exportações? Como tirar proveito de um novo boom de commodities para alavancar investimentos em infraestrutura e modernizar nossa logística? Questões mais que relevantes para o futuro próximo do País foram colocadas em debate pelo IFHC em recente webinar.

De fato, há uma conjunção mais que favorável de fatores:

Há demanda; e os recordes de exportações em 2020, seguindo nos primeiros meses de 2021, o comprovam. Vale apenas lembrar que esse não é o 1º superciclo de comodities: na primeira década deste do Século XXI tivemos um deles.

Há também oferta! E também na oferta esse não seria o nosso 1º ciclo. Ao longo de 521 anos, como aprendemos na escola, tivemos vários ciclos econômicos, normalmente caracterizados pelo que hoje se chama commodity: pau-brasil, cana/açúcar, ouro, algodão, café e borracha. Em meados do Século XX o minério de ferro; depois soja/milho e petróleo. E, mais recentemente, a esses a celulose vem de se juntar.

Afortunadamente temos, ainda, oferta crescente. Além de preços, também as exportações batem recordes sobre recordes. A produção de grãos brasileira mais que duplicou desde 2009 (11 anos): de 108 para 227 Mt/a. Só que as exportações, apenas do chamado “complexo soja/milho” triplicaram nesse período: 43 para 132 Mt/a. Há um detalhe, porém: no chamado Arco Norte (acima do Paralelo 16º), enquanto a produção triplicou (de 56 para 149 Mt/a), as exportações sextuplicaram: de 7 para 42 Mt/ano!

Para o minério de ferro o resultado é menos vistoso: até 2007/08 Brasil e Austrália cresciam suas exportações a taxas equivalentes. Haviam alcançado cerca de 300 Mt/ano. De lá para cá, todavia, enquanto a Austrália as quadruplicou, as exportações brasileiras cresceram “apenas” 60%. Mas cresceu.

Há que se considerar, ainda, haver oferta reprimida: estima-se que o Centro-Oeste, em havendo logística adequada, poderia produzir mais de 40 a 60 Mt/ano. Isso, sem depender de desmatamentos.

Ou seja: há demanda, há oferta. E entre uma e outra há, e é necessário que haja, logística.

Só que, apesar de ter-se feito muito, os índices internacionais ainda não nos colocam em boa posição. P.ex; no “Logistics Performance Index – LPI do Banco Mundial somos 56⁰ entre 160. Em custos logísticos 52⁰ entre 150. E em comércio internacional, o quesito mais diretamente relacionado ao tema do “Doing Business”, somos 108º entre 190 (124º no geral).

Nossa história, e as estatísticas dos últimos anos, mostram que não foi por falta de logística que o Brasil deixou de aproveitar as oportunidades de exportação. Aliás, parodiando Milton Nascimento, a carga vai aonde a demanda está! Ou seja: a logística encontra seus caminhos como, no passado recente, foi o caso da articulação multimodal Rio Madeira-Itacoatiara-AM; similar à emergente Miritituba-PA; ou das “PPP caipira” no MT, que viabilizaram vários milhares de km de estradas vicinais para escoamento das safras. Interessante observar que nenhum desses casos, que mudaram e estão mudando a história da logística brasileira, partiu de um grande plano nacional!

Não seria assim exagero enxergar-se, na nossa história, íntima sinergia entre commodities e infraestrutura logística: uma ajudando a alavancar a outra.

Nosso desafio, pois, não é ter logística. Mas transitar de uma logística desbravadora (até heroica!), para uma planejada. De uma com impedâncias aqui e acolá (e não raro, surpresas), para uma logística mais articulada, mais fluida e previsível.

Para tanto, desejável que se tenha plano/programa para o Brasil que transcenda à infraestrutura: com claras definições de objetivos, estratégias e metas periódicas (monitoradas) para o trinômio que referência a logística: tempo, custo e qualidade de serviço.

Na maioria das vezes, quando logística está em questão (discursos, planos programas, propaganda, noticiário), o objeto é, somente, a infraestrutura logística. Por vezes nem isso: apenas a infraestrutura de transportes. E algumas vezes nem isso: apenas a infra viária! Entre uma e outra há articulação intermodal, armazenagem, política tributária, segurança de carga, regulação, p.ex. Todas variáveis e condicionantes logísticos, ainda que nem sempre sejam levadas em conta.

Investimentos, claro, são importantes. São necessários, mas não são suficientes. O imbróglio ferroviário na entrada do Porto de Santos, que pode limitar o alcance dos investimentos sendo feitos pelas concessionárias no planalto, o demonstram. Daí a importância de uma visão/abordagem mais abrangente.

Além dessas variáveis, que afetam diretamente a logística de uma forma geral, sua infraestrutura (geralmente estruturante) tem pela frente mais dois desafios:

  1. i) ambiental: para além de impactos negativos, que normalmente é o que chama atenção (que obviamente precisam sem minimizados, mitigados e compensados), em muitos casos há falta de impactos positivos planejados (autônomos, vegetativos, sempre ocorrem). Na verdade, estes são a razão de ser de projetos infraestruturais; motivo pelo qual deveriam ser considerados desde a concepção do plano/projeto.
  2. ii) financiabilidade: investimentos normalmente bilionários, e de longo tempo de maturação, como esses, raramente são viabilizáveis apenas com receitas de serviços; mormente os projetos greenfields. Disso decorre a necessidade de estruturações econômico-financeiras mais complexas envolvendo, por exemplo, o que hoje se caracteriza como receitas acessórias: velhas conhecidas da infraestrutura logística brasileira desde D. Pedro II (vide Decreto-Lei nº 641, de 26/JUL/1852); passando pelos empreendimentos urbanos da Light, no Rio e São Paulo; dentre outros.

Em síntese, temos demanda e oferta potencial. Portanto, oportunidades. A logística tem se virado e, até agora, dado conta do recado.    Mas podemos ser mais ágeis e eficientes. E há como.

(*) Baseado na intervenção do autor no evento.

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