Frederico Bussinger
“Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia…”
[Lulu Santos – “Como uma onda”]
De uns tempos a essa parte, difícil dia em que a grande imprensa e mídia especializada não trazem matérias sobre a chamada crise dos contêineres. Ou redes sociais deixam de ser inundados por vídeos; seja mostrando centenas de navios aguardando para atracar em portos por toda parte (China, Índia e USA em particular); seja procurando explicar os mega-congestionamentos ou desorganização das cadeias de suprimento.
E pior: esta crise veio a se superpor aos efeitos do chamado “superciclo de commodities” (agrícolas e minerais), com componentes geopolíticos (temas de colunas anteriores). Mais recentemente com ênfase no carvão; p.ex, insumo para siderurgia e energia: sim, em tempos de energia renovável ele segue sendo usado. Índia e China, em especial, vêm enfrentando dificuldades comerciais e logísticas para suas provisões; normalmente utilizando-se do transporte marítimo.
Bem no início da pandemia, entre as leituras estimuladas pela quarentena, aprendi que os vírus são seres acelulares que, por não contarem com metabolismo próprio, dependem de outras células (“hospedeiras”) para se multiplicar: invadem uma célula saudável, assumem seu controle e a reprogramam para que passe a replicar, de forma acelerada, seu material genético. Não é uma boa metáfora do como a pandemia vem impactando e alterando nossas vidas? Nossas relações interpessoais, nossas sociedades, arranjos institucionais e organização da economia? Ou seja, trata-se de vetor (”driver”) poderoso que vai desenhando o que passou a ser chamado de “novo normal”.
Pois é! Vamos constatando, também, que esse processo afeta a logística e cadeias de suprimento. Os sintomas mais visíveis da “febre” são portos congestionados e longas filas de navios para atracar; fretes em crescimentos exponenciais (2, 3, 5 ou mais vezes); imprevisibilidade nos prazos de entrega; perda de referência de preços; falta de contêineres vazios (onde deveriam estar); carência de peças em linhas de montagem (componentes eletrônicos, em especial); desabastecimentos de supermercados e shoppings.
No caso brasileiro, além da indústria e comércio, também o agronegócio começa a ser duramente afetado.
Mas, como nos ensinam os chineses há milênios, crises têm também sua dimensão de oportunidade. A UNCTAD alinha vários fatores para a complexa crise e aumento escalar dos fretes; mas o certo é que as empresas de navegação não estão desperdiçando essa oportunidade: análise conjunta das três principais federações de exportadores agrícolas da Índia, citando a “DHL Ocean Freight Market Update – AGO/2021”, indica que os dez maiores armadores mundiais tiveram, em média, uma aumento de receita de 66% entre 2020/21. E de 1.299% no lucro operacional.
Por outro lado, grandes redes mundiais e corporações, procurando minimizar danos, contrataram navios inteiros para garantir capacidades e previsibilidade para suas demandas; muitas preocupadas com as próximas festas de fim de ano. E, paralelamente, observa-se aceleração do processo de digitalização e da chamada economia 4.0; novas plataformas foram adotadas; rotas anteriormente pouco usadas passaram a ser exploradas, e arranjos logísticos inovadores vão sendo experimentados. Sempre visando melhorar as condições de negociação, melhorar a previsibilidade de prazos, estabelecer referenciais de preços mais estáveis, e aumentar a competitividade.
Certamente há um “novo normal” a caminho para as cadeias de suprimento e para a logística. Particularmente a internacional.