Frederico Bussinger
Parodiando um dos hinos do Santos FC, pelos ritos estabelecidos “agora quem dá bola é o TCU”. Melhor; o relator, Ministro Bruno Dantas (próximo presidente da casa). Este vem de receber da área técnica, Domingo (sim!) passado (6/NOV), o “Relatório de Acompanhamento” – RA da desestatização do Porto de Santos.
A Seinfra/TCU esteve debruçada sobre o tema por mais de seis meses (item-21 do RA). Trabalhou com base em documentos que “sofreram diversas alterações ao longo do período” (25); durante o qual foram realizadas 33 das chamadas reuniões externas.
A vasta documentação oficial (29 documentos; 1.050 pgs), sistematizada e disponibilizada pela Antaq no final de setembro, porém, foi analisada no prazo recorde de 42 dias; fixado pelo relator. Ah! Nesse interim seu gabinete ainda promoveu um “Dialógo Público” – DP para grupo seleto de convidados, no day after do 2º turno e a uma semana da entrega do RA (24).
Desta vez o prazo não escorregou. Foi cumprido. Mas esse rigor cobrou seu preço: diversos aspectos (alguns até relevantes) deixaram de ser analisados; mormente “em virtude da celeridade requerida pelo relator…” (7 citações no RA). P.ex, premissas de estudos de mercado (707) e custos, à exceção dos de dragagem (709). Também a maior parte das observações e pleitos das 5 entidades e da Prefeitura de Santos (713-715) que participaram do evento. Ademais, outros temas só foram analisados en passant
Do que foi analisado, algumas questões merecem reflexões:
O objeto em análise é desestatização; um tema do campo da governança. Mas, curiosamente, algo como 1/3 do RA foi dedicado à Ligação Seca Santos-Guarujá (túnel); e isso, nos seus multifacetados aspectos (502ss): do urbano ao econômico; da engenharia (até métodos construtivos!) à modelagem; do ambiental à governança; etc.
O conteúdo dessa análise é bem rico e útil, resultando em uma “escolha de Sofia”: por um lado é questionável se é adequado o TCU como foro e um processo de desestatização como instrumento. Mas, por outro, há que se reconhecer que uma tal discussão, cotejando alternativas e com a profundidade dessa análise, não foi feita a tempo junto/com a comunidade da Baixada.
Qualitativamente o resultado da análise não é alvissareiro: “a modelagem do túnel, isoladamente, é o ponto de maior fragilidade dos estudos submetidos ao Tribunal” (710). Inclusive a opção adotada é precificada: “Inclusão do túnel aumenta risco e reduz em R$ 0,5 bi outorga da concessão do Porto de Santos” (manchete de matéria da Agência Infra); em muito porque “o VPL do túnel é negativo, sendo -R$ 2,3 bi em valores reais. Ou seja, na modelagem proposta, o porto irá subsidiar a construção/operação do túnel” (594).
A Ligação Seca, sabe-se, é meritória; razão pela qual o VPL negativo e tais investimentos cruzados não são, em si, descabidos ou fundamento para sua não implantação. Mas por que o mesmo critério não vale para o Túnel do Maciço; de igual forma importante para a mobilidade urbana e, também, para a logística portuária? Ao contrário; sua exclusão é justificada pela falta de estudos de viabilidade; e sua implantação condicionada duplamente: i) “caso se mostre positiva”; e ii) “o poder concedente poderá avaliar junto às entidades envolvidas” (428). Na prática, é remota a possibilidade dele vir a ser tratado no âmbito dessa concessão.
Governança e competitividade
Logo ao início do RA (4) é informado que “A desestatização da SPA … tem por objetivo modernizar a gestão portuária, atrair investimentos e melhorar a operação do setor”. Triplo objetivo, portanto. Nenhum dos três foi explicitamente atestado. Modernização de gestão e melhora de operação são enunciados mais qualitativos; por conseguinte de difícil aferição. Mas atração de investimentos não: é algo objetivo e quantificável.
O curioso é que, sem o destacar, tanto a documentação encaminhada ao TCU, como o RA, revela quase o oposto desse objetivo declarado. Ou seja: i) praticamente todo o investimento será bancado pelas receitas (tarifárias e patrimoniais) da concessionária; ii) como que arguindo a ideia de um processo “não-arrecadatório”, a União acabaria sendo a primeira, e talvez a maior, beneficiária da desestatização: não se discute a legalidade do encaminhamento, mas o certo é que, como poder concedente e/ou acionista (quase único), ela estaria recebendo quase R$ 4 bilhões (valores da ordem de grandeza dos investimentos no túnel). Daí o pleito/proposta da Prefeitura no DP; que acabou sendo um dos temas não analisados (713ss).
De igual forma o Ato Justificatório (6.4) enuncia ser “competência e obrigação” do Concessionário, no papel de administração portuária: i) Gerir os espaços portuários; ii) Prover a infraestrutura básica e os serviços condominiais; iii) Coordenar as operações portuárias e promover a interação com a comunidade; iv) Contribuir para o desenvolvimento regional; e v) Fomentar negócios. Ao longo das 127 páginas do RA não fica claro a aderência do modelo proposto àquela definição; lembrando serem esses aspectos elementos fulcrais da governança, e esta da desestatização. Justamente o objeto do processo, o “título do filme”.
Ainda no campo da governança, nota-se ausência de menções a: i) papeis do Governo do Estado e Prefeituras da Baixada (698, b2; p.ex); ii) CAP “deliberativo”, praticamente uma unanimidade na comunidade portuária santista; e iii) a exclusão da “administração condominial” (que envolveria arrendatários, TUPs e operadores) nas análises de alternativas (51ss).
Para melhor avaliação de perspectivas de competitividade do Porto, além das informativas análises quantitativas de cenários tarifários, seria igualmente relevante indicações qualitativas no sentido de significados/implicações. Mormente porque estima-se uma redução tarifária agregada (703); mas ela é heterogeneamente distribuída. P.ex: enquanto são previstas reduções na tarifa-teto média da T-I (26%) e T-II (13%), há um acréscimo na T-III (8%). Sabendo-se que T-I e T-II, beneficiadas pelas reduções, são devidas pelo “armador ou requisitante”, enquanto a T-III, gravada por acréscimos, é devida pelo “operador portuário ou requisitante”, que impactos são esperados sobre a cadeia logística? O RA não lança luzes; ainda que a apresentação da ANUT no DP tenha sido bem minuciosa.
E agora?
São abordadas, ainda, várias outras questões en passant; como pendências em relação ao Plano de Exploração Portuária – PEP (702), e cuidados com a modelagem do STS-10 (706). Mas nada que impeça a aprovação do processo; da mesma forma que não o impedem as determinações (717) e recomendações (718) sobre o túnel (aspecto mais durante criticado pelo RA). Aliás, se tomado como referência, o da Codesa foi aprovado com inúmeras ressalvas relevantes, relativizadas na linha do “que-seja-essa-a-última-vez”.
Enfim, seja pelas lacunas indicadas, pelo próprio RA, seja por soluções que poderiam ser aperfeiçoadas, mesmo sem se discutir o mérito da premissa desestatizante, o mais razoável seria que o processo nem chegasse ao plenário; mesmo porque o relator tem a prerrogativa de pedir novas diligências antes de dar seu parecer e voto.
Mas, nesse caso, há um fator adicional: qual será a resultante do esforço de celeridade do (atual) governo e de, aparentemente, diretriz de paralização do futuro governo? Qual será o posicionamento da equipe de transição?
O que vai acontecer com o processo não está claro; mas o cenário mais provável é de alguns meses de indefinição antes que os futuros planos para o Complexo Portuário de Santos, particularmente de governança, comecem a ser postos em prática.
Para decisão sobre implantação de novos terminais, ou expansão de existentes, 2 ou 3 meses, 6 meses ou até um pouco mais, pode não ser tão grave assim. Mas para as precárias condições de pavimento, sinalização e iluminação dos acessos rodoviários, como bem apontado pelo excelente artigo-crônica “O que fazer com R$ 1,5 bilhões de reais?” (AT – 9/NOV/22), ou mesmo para o rearranjo ferroviário em desenvolvimento, o tempo pode conspirar contra.
Por que, então, não se buscar definir um “Plano de Ação Emergencial”, para início imediato e horizonte, p.ex, até meados de 2023? Como se sabe, nem orçamento nem caixa (da SPA) seriam limitantes.
Por que, para defini-lo e geri-lo, não se criar, especificamente para o Complexo Portuário, uma “Equipe de Transição” espelhada na federal; mas já com funções executivas? Sim: CAP, GESP e Prefeituras também envolvidos.
Quanto de combustível, emissões tempos e reparos poderiam ser economizados apenas com medidas corretivas? Ah! De “Custo Brasil” também?