Frederico Bussinger
Nas aulas de história aprende-se que os fenícios foram grandes navegadores da antiguidade. Baseados onde hoje é Síria e Libano, estabeleceram entrepostos e dominaram o comércio do Mediterrâneo entre 1.200-800 AC. Foram além: cruzaram o estreito de Gibraltar para chegar à Inglaterra e ao Mar do Norte e, ao sul, contornaram a África, alcançando o Oceano Índico e Mar Vermelho.
Antes dos fenícios e durante toda a Idade Média também se navegou; abrindo caminho para o próximo grande marco nas nossas aulas: as “grandes navegações” dos séculos XV a XVII. Para nós, latino-americanos, maior destaque é dado a espanhóis e portugueses (imortalizados por Camões); mas holandeses, ingleses, escandinavos, e tantos outros também se arriscaram mar a fora (ou a dentro?). Até chineses teriam estado por aqui antes de Colombo; como relata o controverso livro “1421: O ano em que a China descobriu o mundo”.
Lógico que instalações portuárias, desde improvisados trapiches, passando pelas de Tiro, Sidon e Cartago, da Era-Fenícia, acompanharam pari passu essa saga e sua evolução. Durante a Idade Média com mais vigor, particularmente a partir da concepção e implantação do primeiro “Landlord port” (1.189) em Hamburgo-Alemanha: seu novo modelo representou grande inflexão nesse processo. Rapidamente o modelo se espalhou pelas cidades da Liga Hanseática; e daí para o mundo até se tornar, atualmente, modelo adotado por mais de 80% (talvez 90%) dos portos mundialmente relevantes.
O passado recente:
A chegada dos contêineres em 1969, e a chamada globalização dos anos 80, impulsionaram multifacetadas mudanças no cenário portuário mundial, ensejando o mais recente ciclo de reformas portuárias (experiências sistematizadas em um manual do Banco Mundial): no Brasil, com mais intensidade, a partir de 1993.
Como contribuição à sistematização de informações, aos efervescentes debates e planos do período, a UNCTAD publicou em 1990 estudo que se tornou clássico e amplamente citado na literatura posterior: “Marketing portuário e o desafio dos portos de terceira geração”. Nele foi proposto um modelo teórico de classificação de portos marítimos, levando em conta a estratégia de desenvolvimento do porto, a gama de serviços portuários prestados e o nível de integração de TI daqueles que atuam no mercado de serviços portuários: a tipologia proposta os segmentava em 3 gerações. Em 1999 uma 4ª foi acrescentada e atualmente discute-se a pertinência de uma 5ª e uma 6ª geração.
No Brasil, durante os últimos 4 anos arrendamentos prosseguiram (via renovação antecipada de contratos e novos leilões). Autorizações de TUPs também. Mas o foco central da estratégia portuária governamental foram as desestatizações das administrações portuárias: a da Codesa foi concluída; enquanto Santos, Itajaí e São Sebastião aguardam definições.
Contribuições às análises e debates:
Enquanto o TCU decide o que fazer com os 3 pedidos de vista do processo santista, e o novo governo define seus planos, que tal revisitar a (vasta) literatura existente e o benchmarking internacional para melhor fundamentar as análises e propostas, e qualificar os debates? E, a seguir, alinharmo-nos em relação aos problemas a serem resolvidos nesse ciclo das reformas portuárias (tema de um próximo artigo).
Três aspectos, em particular: i) O que é e qual o papel de um porto? ii) O que faz uma autoridade-administradora portuária – AAP?; iii) Gerir um porto; do que se trata? Não! Não é desperdício de tempo e energia não. Talvez haja menos sintonia a respeito dessa trilogia do que imaginamos!
Quanto ao básico, há poucas divergências na literatura relevante e benchmarking internacional. Uma possibilidade de sintese do relevante seria: um porto é i) um ente físico (espelho d´água, áreas, instalações, equipamentos, interfaces com cidades, etc); ii) elo de cadeia logística; iii) agente econômico e social (dimensão anabolizada pela agenda ESG); e iv) um arranjo institucional e organizacional (vide “Governança Portuária”, relatório de pesquisa da “European Sea Ports Organisation – ESPO” (01, 02, e atualização). Ou seja; uma visão tetradimensional dos portos, inspirando-se na Teoria Tridimensional do direito, do consagrado jusfilósofo brasileiro Miguel Reale.
Para tanto (consecução desses papeis) as AAPs, cuja desestatização se discute, desempenham funções sobre as quais também há um amplo alinhamento. Inclusive a modelagem proposta para o Porto de Santos a encampa quase que totalmente (6.4 do Ato Justificatório): i) Gerar e gerir os espaços portuários; ii) Prover a infraestrutura básica e os serviços condominiais; iii) Regular as operações portuárias e as parcerias a nível local; iv) Fomentar negócios; e v) Contribuir para o desenvolvimento regional.
Já de algum tempo fala-se que gerir um porto é um misto de gerir relações (são inúmeros atores; públicos e privados) e fluxos (em alguns casos, estoques também): fluxos de carga, de pessoas, de veículos, de riquezas, de tributos e de informação. Mas há novidades:
Já na edição anterior da Intermodal vislumbrava-se uma tendência de projetos energéticos associados a portos. As excelentes apresentações da Abeeólica, do Porto do Rio Grande – RS (administração pública) e Porto do Açu – RJ (administração privada), em um dos painéis da recente 27ª Intermodal, demonstraram que parques eólicos, solares, de marés, gases, e hidrogênio verde já começam a se tornar realidade no Brasil. Além dos participantes, há projetos de energia renovável também sendo desenvolvidos, p.ex, em Pecém – CE, Suape – PE, e Alcântara – MA; entre outros.
Em todos os casos, não apenas energia para alimentação das suas operações mas, também, para incorporação às redes existentes e usos comuns: o recente programa lançado pelo MME, e orientações gerais pela EPE , podem acelerar esse processo e fazer do Brasil um dos principais HUBs energéticos portuários do mundo.
Se a Usina de Itatinga, inaugurada em 1910, com seus 20 Kva para alimentar o Porto de Santos, e seu excedente as cidades da Baixada Santista e, até, São Paulo durante uma crise, iluminou caminhos para o desenvolvimento há 120 anos; esses novos projetos, agora sob a agenda da descarbonização, podem consolidar uma nova tendência, uma nova geração de portos que parece estar a caminho: “Portos 5P (ou 6P)” ?