Frederico Bussinger
Tendo sido deserto o velório da falecida (quiçá por suporem ser pegadinha da época, quando noticiado; ou mesmo fake news de redes sociais), serve esse edital para confirmar o sepultamento da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações) no último 1° de abril.
Durante a maior parte da vida ela foi alvo de críticas; algumas ácidas. Inicialmente chegou a ser considerada “modernizante” mas, após um período de carência e festejos, foi sendo progressivamente questionada: primeiro foram qualificados gestores e juristas mas, nos últimos tempos, ante clima de “politicamente correto” pairando no ar, até jejunos se sentiam no direito de achincalhá-la. Tudo isso a deixava muito desgostosa; chegando mesmo a pensar que tal sina era mal congênito, resultado de ter em sua certidão de nascimento a marca da Besta do Apocalipse: 666!
Inevitável, assim, ser ela a principal suspeita de uma carta apócrifa que alguém, anonimamente, enviou pedindo que acompanhasse o caixão até a cova; divulgando-a só posteriormente (o que ora é feito).
Lembra o texto que, ao longo dos 28 anos de existência da falecida, o PIB brasileiro chegou a crescer 87%. Que as exportações mais que quintuplicaram em volume (118,8 para 697,4 Mt/ano) e quase decuplicaram em valor (21,9 para 209,2 bi US$). Que ela coadjuvou a Lei nº 8.987/95 (Lei de Concessões; depois também a Lei nº 11.079/04 – de PPPs) em programas de concessão rodoviária (federal e estaduais), ferroviária, aeroportuária, energética e de telecomunicações; base de grandes transformações infraestruturais ocorridas no País no pós Plano-Real.
Também que coadjuvou a Lei nº 8.630/93 (Lei dos Portos, sua contemporânea) em mais de duas centenas de arrendamentos (muitos desses, contratos já renovados). Que ao longo desses período a produtividade/eficiência (portuária e sistêmica) cresceu 5, 10, 20 ou mais vezes; e a movimentação portuária brasileira, em seu conjunto, mais que triplicou!
A carta, em tom polido, parecia ser um mero desagravo. Mas acabou tendo efeito inesperado: levou temor a inúmeros administradores e governantes que lograram transformar a falecida em álibi prêt-à-porter, quase axiomático, para suas inações ou gambiarras. Preocupação maior e mais imediata, porém, espraiou-se entre aqueles defensores da desestatização (privatização, em linguagem corrente) de autoridades portuárias; para os quais a falecida gerava “burocracia”, e essa dificuldades para licitação e contratação no setor público: como seguir com tal crítica se a Lei nº 8.666 já está sepultada?
E principalmente: como sustentar tal fundamentação se a sucessora (Lei nº 14.133/21), cuja certidão de nascimento vem de ser registrada, está sendo saudada como portadora de grandes avanços? Marçal Justen Filho, p.ex, em recente e didática palestra, destacou: i) a incorporação dos mais avançados recursos tecnológicos aos processos (todos os documentos e atos devem ser disponibilizados na internet) – ou seja, transparência; ii) a previsão de uso de pré-qualificação objetiva (para minimizar o risco de aquisição do “café de repartição”) – qualidade; iii) a possibilidade de correção de contratos que “começam mal” – economia processual; e, especialmente, iv) a rejeição de “formalismo inútil” – celeridade e foco no essencial.
Melhor; não se trata de voz isolada: a maioria dos “operadores do direito” e gestores, que já se manifestaram, vai na mesma linha que, SMJ, poderia ser sintetizada em: moderna, destravante e focada em resultados.
Bem vinda nova “Lei de Licitações e Contratos Administrativos”: muitos desafios à frente. Ânimo! Sucesso! É a torcida.